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BRASIL

Notas sobre o ensaio golpista de 8 de janeiro

Marcello Locatelli, de Curitiba (PR)
Scarlett Rocha

“a essência e a função do fascismo consistem em abolir completamente as organizações operárias e em impedir o seu restabelecimento”.
Leon Trotsky

1. Não se trata de qualquer golpismo, em primeiro lugar, não se pode perder de vista que estamos diante da luta contra o fascismo do nosso tempo, não haverá trégua enquanto o fascismo não for derrotado e esmagado pela força do movimento de massas. Este (re)surge como resultado da crise do sistema capitalista internacional, que se expressa nos âmbitos da disputa geopolítica do imperialismo, da estagnação econômica, da devastação ambiental, dos retrocessos nas conquistas sociais, no crescimento da miséria e da fome no mundo, do retrocesso nos direitos humanos, da incapacidade do Capitalismo fazer a humanidade avançar no caminho de um mundo melhor. Isso é parte da explicação do porquê a Democracia Burguesa está mais frágil e enfrenta dificuldades em vários países. Líderes de estado estão preocupados com o ressurgimento de movimentos de natureza fascista, a exemplo dos EUA, do Brasil, da Itália, da Alemanha.

2. O fortalecimento da extrema direita fascista, não parece ser um fenômeno passageiro, há peso político e social de massas em países importantes no cenário internacional. Nos EUA, houve a invasão do Capitólio contra a posse de Biden, o trumpismo segue com peso de massas e crescem as ações de grupos de extrema direita; Na França, a conspiração que planejava o assassinato do presidente Emmanuel Macron; Na Alemanha, membros do grupo “Reichsbürger” (“Cidadãos do Império Alemão”), foram presos por suspeita de planejarem um Golpe de Estado; Na Itália e na Espanha, as vitórias eleitorais da extrema direita.

3. No Brasil, o processo eleitoral de 2022 foi o mais importante desde a redemocratização. Estivemos a beira do abismo, muito perto de um golpe autoritário, o momento mais crítico foi o segundo turno da eleição presidencial, o bolsonarismo de fato cogitou um golpe de força para interferir na eleição e se manter no poder. A unidade de ação democrática, a maioria do povo pobre, as mulheres, as pessoas negras, os indígenas e as pessoas LGBTGIA+ foram decisivos para formar maioria e tirar Bolsonaro do poder, mas a vitória eleitoral foi apertada e revelou a força ideológica, política e social do bolsonarismo na sociedade brasileira.

4. O bolsonarismo é um movimento fascista. Ao longo do seu governo, Bolsonaro foi capaz de liderar, incentivar, mobilizar, fortalecer e ampliar o movimento de massas de extrema direita. Os atos antidemocráticos com bloqueios de rodovias, os acampamentos em frente aos quartéis do Exército e as ações com métodos terroristas de 12 de dezembro em Brasília, já indicavam a disposição autoritária que culminou na tentativa de Golpe de Estado no último 8 de janeiro. Pela primeira vez na história, as sedes dos Três Poderes foram invadidas, vandalizadas, destruídas e atacadas com tamanha violência. Estes atos fascistas constituem o principal Capítulo da escalada golpista no país, no conteúdo, não reconhecem a legitimidade da eleição e tampouco dos Três poderes instituídos, pedem uma Ditadura das Forças Armadas com Bolsonaro no poder. Ainda carregam um ódio mortal contra Lula, os movimentos sociais e partidos de esquerda, principalmente contra Lula e o PT, por ser o maior partido de massas do país.

5. Em 8 de janeiro, vimos a tentativa de uma insurreição fascista que fracassou. O bolsonarismo tinha o objetivo de tomar de assalto o poder, por meio de métodos terroristas, da desestabilização do regime democrático e visando conquistar o apoio das massas que votaram em Jair Bolsonaro. Se houvesse êxito nesses objetivos, não é exagero desconfiar, o papel da ala golpista das Forças Armadas poderia ter sido mais nefasto. Não há motivo para autoengano, o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal só foram atacados com êxito porque as milícias fascistas tiveram o apoio da ala golpista das Forças Armadas e dos bolsonaristas que estão alojados no interior das instituições federais, no governo do Distrito Federal e na Polícia Militar do DF.

6. O ensaio golpista foi bem planejado, os métodos terroristas foram bem empregados. O plano contou com a participação de Bolsonaro, de agentes públicos, de parte das forças de segurança de Brasília e das Forças Armadas. Também o governo e a PM do DF colaboraram com os golpistas. O Batalhão Duque de Caxias, responsável pela Guarda Presidencial, subordinado ao Comando Militar do Planalto, nada fez para impedir os ataques, mesmo com a ameaça anunciada, em flagrante desrespeito as ordens do Governo Federal, só haviam seis sentinelas e dois militares fazendo a segurança do Palácio Presidencial. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) é dotado de inteligência, poderes, armas e recursos para proteger o Palácio do Planalto, mas nada fez para tanto. Nada foi feito para impedir a destruição do plenário do STF.

7. O traço mais característico das Forças Armadas brasileiras é o golpismo autoritário, elas estão infectadas por bolsonaristas fascistas, que são a continuidade desta tradição. Fica evidente que a redemocratização no Brasil não foi completa e carrega um câncer que precisa ser extirpado. Os militares nunca se subordinaram ao Estado de Direito, querem voltar ao poder e tutelar as instituições democráticas. Na verdade, se colocam acima destas instituições e do próprio povo. Com a Constituição de 1988, não houve a ruptura com esta tradição e a Reforma Estrutural das Forças Armadas, não houve a limpeza na estrutura de comando e punição pelos crimes cometidos pelos militares durante a Ditadura. O ex-Comandante, Gel. Vilas Boas e os oficiais golpistas, encontraram em Bolsonaro o caminho para trazer novamente os militares ao protagonismo político. O resultado disto é que o Estado está aparelhado, tomado, por militares de alta e média patente. O GSI, responsável pela segurança presidencial e serviço de inteligência, está na superfície e aparece apenas como a ponta de um enorme iceberg.

8. Há uma parcela da classe dominante brasileira que assumiu o projeto fascista de poder, ela está vinculada à extrema direita trumpista dos EUA. É a principal financiadora deste movimento reacionário, não aceita qualquer governo que não seja o de projeto autoritário e tem como maior expressão os capitalistas do Agro.

9. O principal fator para o fracasso da tentativa de insurreição fascista, foi a falta de apoio das massas as ações terroristas que destruíram as sedes dos Três Poderes e o patrimônio histórico-cultural que abrigavam. Junto a isto, foi decisivo a força política do movimento de massas que elegeu Lula. A falta de apoio internacional completa o contexto político que isolou o bolsonarismo, o que favoreceu uma unidade de ação ampla em repúdio ao golpismo. O repúdio ecoou do posicionamento de governos de diversos países, de representantes das instituições democráticas dos Três Poderes, de Governadores e de representantes da burguesia nacional que se mantém na defesa do pacto constitucional de 1988.

10. Apesar do êxito na ação terrorista, o isolamento político internacional e nacional, obrigou às forças de segurança a agir diante do fracasso nos objetivos políticos. A combinação dos elementos conjunturais, destaque para a falta de apoio de massas, impediu a abertura de uma crise maior no regime, o que favoreceria o golpe autoritário. O presidente Lula acertou em não adotar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), porque era o que os Comandantes golpistas queriam, almejavam que Lula abrisse mão de sua responsabilidade como governante eleito pelo povo, para delegar poderes para um general. Se errasse nisso, o Golpe de Estado poderia ter tido êxito. Por isso, foi acertada a política de intervenção do governo federal na segurança do DF.

11. As ações que vimos em Brasília, foram organizadas por Bolsonaro e os militares entusiastas do golpismo, pelo alto Comando das Forças Armadas, militares do GSI, o Comandante do Batalhão da Guarda Presidencial, o Governador do DF, o Secretário de Segurança do DF e o Comandante da PM do DF, todos sabiam e foram cúmplices responsáveis pelo estrago causado pelo método terrorista dos fascistas. Todos envolvidos devem ser investigados e punidos de maneira exemplar. Assim como todos os parlamentares e empresários envolvidos.

12. O Congresso Nacional, Senado e Câmara dos Deputados, têm maioria conservadora e o bolsonarismo possui peso político enorme na sociedade. Não devemos ter ilusões de que o poder legislativo federal agirá com rigor para punir golpistas e adotar medidas necessárias contra o autoritarismo, Arthur Lira é parte do campo bolsonarista, não levará até as últimas consequências a punição política. Tampouco devemos ter a ilusão de que as medidas dos poderes Executivo e Judiciário serão suficientes para barrar o avanço do projeto autoritário. Se houver, relação de forças e condições políticas no Congresso Nacional, a esquerda deve apoiar a instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito e os processos de cassação de parlamentares golpistas. Contudo, é preciso ter nítido, será fundamental, crucial, decisivo, a constituição de um amplo movimento democrático e a Frente Única para mobilizar e conquistar a maioria das massas na luta contra o fascismo. O momento para fortalecer e avançar contra o inimigo autoritário é agora, a maioria das massas apoia a punição e prisão dos bolsonaristas responsáveis pela destruição. Porque a realidade é dinâmica e a conjuntura política poderá mudar, basta olhar para as mudanças na relação de forças nos últimos anos, desde o impeachment de Dilma, o governo de Temer, a ascensão de Bolsonaro e a eleição histórica de Lula.

13. A vitória eleitoral contra Bolsonaro e a ampla unidade contra as ações golpistas, não podem ofuscar a visão de que estamos diante de uma crise de regime, a qual aparece mais na crise entre o Governo Lula e o Comando das Forças Armadas. Essa crise só poderá ser resolvida com o afastamento e punição exemplar dos oficiais golpistas. De imediato, ainda é necessário a reformulação de poderes do GSI e da Agência Brasileira de Informações. A maioria dos oficiais, que ocupam funções políticas e burocráticas nos órgãos civis, devem voltar às suas atribuições militares. Ainda faltará algo mais profundo e difícil de fazer, a Reforma Constitucional que reconfigure toda a estrutura e papel das Forças Armadas. Serão necessárias leis mais rígidas para punir, militares e civis, golpistas. Isso exigirá ação do governo federal, pressão social sobre os parlamentares e o Poder Judiciário, o que depende da mobilização das massas.

14. Se não houver prisão e punição exemplar contra Bolsonaro e todos os seus aliados golpistas, civis e militares, a avenida estará aberta para o avanço do fascismo no Brasil.

15. Para conquistar a maioria das massas, será decisivo avançar nas políticas sociais e econômicas que visem melhorar as condições de vida do povo (combater a fome, gerar empregos, aumentar o salário mínimo, recompor as perdas salariais dos servidores públicos, dar acesso a moradia, investir nos órgãos de proteção ao meio ambiente, investir nos serviços públicos, proteger as terras dos povos indígenas, fazer a reforma tributária para taxar grandes fortunas e reduzir impostos para os trabalhadores, etc.). Sem essa política, o governo Lula poderá perder apoio e abrir caminho para o fortalecimento do fascismo.

16. A tarefa central é combinar a ampla unidade de ação democrática, incluindo todos os aliados contra o golpismo, com a organização de uma poderosa Frente Única dos movimentos sociais e partidos de esquerda. O objetivo do fascismo é destruir os movimentos sociais, partidos de esquerda e acabar com as liberdades democráticas. O governo Lula, os lideres dos movimentos sociais e os partidos de esquerda não podem vacilar, é necessário esmagar o fascismo com a força da classe trabalhadora, antes que seja tarde demais.