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BRASIL

Quem é (e por que é urgente enfrentar) Renato Feder?

Rodolfo Soares Moimaz, de SP
Divulgação/Secretaria da Educação e do Esporte do Paraná

Quem vive no Brasil já aprendeu que não pode dizer: “pior que tá, não fica”.

Não tem descanso.

Os governos tucanos, por décadas, minaram a educação pública de São Paulo. Como exemplos, vale lembrar da destruição da carreira e trabalho do magistério, terceirizações de funções essenciais das escolas (como limpeza e alimentação), imposição de contratos precários para docentes, roubos de merenda, reformas curriculares desastrosas, superlotação de salas de aula, cortes no ensino noturno e expulsão de alunas/os trabalhadoras/es das escolas…

As eleições de 2022 apontaram para o fim do longo ciclo de domínio estadual do PSDB. Porém, se alguém esperava ter alívio com o resultado do pleito paulista, enganou-se: o bolsonarista Tarcisio Freitas derrotou Fernando Haddad (PT), e, desde já, escolheu o novo responsável pela Secretaria da Educação: Renato Feder.

E quem é Renato Feder?

Feder tem 44 anos, é empresário formado em Administração de Empresas, e tem mestrado em Economia. Isto é, nenhuma formação em Educação – o que não é novidade em São Paulo.

Após ser “técnico voluntário” da Secretaria da Educação do estado de São Paulo (Seduc-SP) “por alguns meses”1, em janeiro de 2019, assumiu a Secretaria da Educação do Paraná (governado por Ratinho Jr (PSD)). Em 2020, foi cotado para assumir o Ministério da Educação de Bolsonaro, mas foi preterido pelo lamentável Abraham Weintraub.

Na apresentação de seu perfil, em tom que aparenta simpatia, a Folha de São Paulo explica que Feder é defensor da privatização do ensino e da extinção do MEC (inclusive com um livro escrito que debate o tema2). Além disso, que, em sua gestão no Paraná, implementou um “sistema de teleaulas para contornar a falta de professores do estado”3; e transformou 195 escolas regulares em cívico-militares entre os anos de 2020 e 2022.

Porém, no jornal, faltaram algumas explicações sobre as consequências das decisões de Feder e sua equipe. Vale a pena retomar, rapidamente, alguns destes fatos.

O desmonte no Paraná

É impressionante a quantidade de ataques contra a Educação Pública que a gestão Feder realizou em tão curto período, entre 2019 e 2022 – isto é, durante a explosão e o agravamento da pandemia de Covid-19, usada pelo governo paranaense para “passar a boiada”4 também sobre a educação.

Cabe lembrar que o ódio à educação pública não começou nessa administração. Quem poderia esquecer, dentre tantas atrocidades, do massacre que o tucano (sempre eles!) Beto Richa cometeu contra professoras e professores?5.

Essa tradição foi fielmente seguida por Feder. Por exemplo, ainda em 2019, defendeu a presença da polícia militar nas escolas, chamando estudantes de “malandros e malfeitores”6. Sem esconder o que pensa sobre a população mais pobre, o então Secretário disse que, no caso de um estudante não ter webcam para acompanhar as aulas durante a pandemia, a solução era: “Se vira!”7. Ainda, foi fervoroso aplicador do projeto de escolas cívico-militares, substituindo professoras/es e inspetoras/es por sargentos sem formação8. Cabe destacar que as votações para implementação deste modelo de deformação escolar recebeu diversas denúncias de fraudes9.

Com este processo de construção, é evidente que tais medidas viriam marcadas por problemas gravíssimos, como: acusações de constrangimento de estudantes, assédio, violência física, ameaça de morte10.

Como se tudo isso não bastasse, a administração Feder também aplicou um agressivo – e fracassado – processo de terceirização da educação básica do Paraná.

Além de expressar a vontade de entregar o “serviço de alimentação” das escolas públicas ao setor privado11, em plena pandemia e no período de férias docentes, essa gestão implementou um modelo de privatização do ensino pioneiro no país: escolas sem professoras/es (!).

Eis o caminho da falcatrua: com a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular, os governos estaduais devem fornecer o itinerário formativo técnico-profissional. A saída “inovadora” do governo paranaense foi o estabelecimento de convênio com uma empresa, o grupo privado educacional Unicesumar, com o custo de mais de 38 milhões de reais12. Estes componentes seriam disponibilizados sem a presença de docentes nas escolas, com conteúdos fornecidos pela empresa. O contrato previa abertura de 1500 turmas destes “cursos técnicos”, em 800 escolas estaduais.

O diretor de Educação da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed), Roni Miranda explicou, em entrevista publicada em 07 de fevereiro de 202213, como funcionaria este modelo: cada docente deveria ministrar aulas para cerca de 700 estudantes ao mesmo tempo; as dúvidas e colocações deveriam ser encaminhadas para monitores.

Como se pode imaginar, este projeto naufragou rapidamente. Mais uma vez (como durante as ocupações de escolas), estudantes mostraram para todo o país o absurdo de tal política. As “aulas” eram, na verdade, transmitidas por televisões nas escolas, sem interações reais, o que revoltou discentes e famílias.

Em resposta, estudantes tomaram as ruas, dizendo “queremos professor em sala de aula” e “televisão eu assisto em casa”14. Em levantamento realizado pelo jornal Folha de São Paulo, mães declararam terem sido surpreendidas por suas/seus filhas/os estarem indo às escolas e ficarem sentados vendo televisão.

Para o governo, porém, o projeto foi inicialmente declarado como um sucesso, uma vez que houve ampliação de 15 mil matrículas nas disciplinas técnicas em 2021, para 37 mil em 2022. Esse foi o vergonhoso modelo que, como citado acima, a mesma Folha de São Paulo15 afirmou servir para “contornar a falta de professores”: uma expansão da “educação profissionalizante” que prova, muito explicitamente, o que significa as reformas educacionais para a população mais pobre: formação rasa, precária e excludente.

No mais, apesar de a gestão Feder/Ratinho Jr exaltar estes números, como se podia imaginar, este experimento social fracassou: a partir de 2023, as aulas via TV, ministradas pela Unicesumar, serão aplicadas apenas para turmas nas quais não há docentes aptos para a contratação16.

Esse recuo não significa que a sanha privatista de Ratinho Jr e Feder acabou. Mais uma vez de modo autoritário, o governo paranaense busca passar 27 escolas estaduais para administração de empresas privadas17. A lista de escolas selecionadas pode ser consultada aqui18.

Qual a solução? Luta!

Se há uma certeza em toda essa história, é a de que o povo paulista terá anos de muitas lutas pela frente.

É urgente organizar trabalhadoras/es da educação e estudantes contra a oficialização de Renato Feder para a Secretaria da Educação de São Paulo. Mais que promessas vazias, a intensidade da destruição imposta à educação pública paranaense serve de alerta.

A entrega do ensino à Unicesumar não teria recuado sem a rápida mobilização de estudantes. Foi virando as costas às TVs e ocupando as ruas que a juventude se fez escutar. Outra vez, é dela que parte a lição.

Fora Renato Feder Já!

*Rodolfo Soares Moimaz é doutor em Sociologia pela Unicamp, professor da rede pública e Conselheiro Estadual da Apeoesp

Confira também:

A Bancada Feminista do PSOL lançou um abaixo assinado contra a nomeação de Feder: http://bit.ly/3U9CfVu. Aproveite e também confira o vídeo da deputada estadual de SP eleita pela Bancada Feminista do PSOL, Sirlene Maciel, sobre Renato Feder:

1 PIOVEZAN, S. Empresário e Secretário no Paraná: quem é Renato Feder, que vai comandar a Educação em SP. Folha de São Paulo (Online). 19 nov 2022. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/11/empresario-e-secretario-no-parana-quem-e-renato-feder-que-vai-comandar-a-educacao-em-sp.shtml>. Acesso em 22 nov 2022.

2 Idem

3 Idem.

4 Nas palavras do ecocida bolsonarista Ricardo Salles.

5 BIASETTO, D. Gestão de Beto Richa ficou marcada por ação violenta contra professores. O Globo (Online). 11/09/2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/politica/gestao-de-beto-richa-ficou-marcada-por-acao-violenta-contra-professores-23057561>. Acesso em 22 nov 2022.

6 GALINDO, R. Secretário de Ratinho quer PM contra “alunos malandros e malfeitores”. Plural (Online). 12 mar 2019. Disponível em: <https://www.plural.jor.br/colunas/caixa-zero/secretario-de-ratinhoi-quer-pm-contra-alunos-malandros-e-malfeitores/>. Acesso em 22 nov 2022.

7 “Se Vira!”, diz o empresário Renato Feder sobre alunos que não têm equipamentos. APP Sindicato (Online). 18 mar 2021. Disponível em: <https://appsindicato.org.br/se-vira-diz-o-empresario-renato-feder-sobre-alunos-que-nao-tem-equipamentos/>. Acesso em 23 nov 2022.

8 GALINDO, R. De saída para SP, Feder fez gestão de confronto com professores e terceirizações. Plural (Online). 18 nov 2022. DIponível em: <https://www.plural.jor.br/noticias/poder/de-saida-para-sp-feder-fez-gestao-de-confronto-com-professores-e-terceirizacoes/

9 SOARES, G. Consulta para escolas cívico-militares teve voto aberto e ‘boca de urna’. Plural (Online). 09 nov 2020. Disponível em: <https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/consulta-comunidade-escolar-militarizacao-feita-as-pressas-sem-informacoes/>. Acesso em 23 nov 2022.

10 Como mostram as reportagens de ARENZA, M. Policial da reserva é preso suspeito de cometer crimes contra alunos de colégio cívico-militar, no Paraná. G1 (Online). 30 ago 2021.Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2021/08/30/policial-da-reserva-e-preso-suspeito-de-cometer-crimes-contra-alunos-de-colegio-civico-militar-no-parana.ghtml>. Acesso em 23 nov 2022; PEREIRA, N. Subtenente aposentado é preso após denúncias de assédio de alunas de Colégio Cívico Militar. Jornal de Beltrão (Online). 31 ago 2021. Disponível em: <https://jornaldebeltrao.com.br/policiais-arquivo/subtenente-aposentado-e-preso-apos-denuncias-de-assedio-de-alunas-de-colegio-civico-militar/>. Acesso em 23 nov 2022; BARAN, K. Policial da reserva ameaça matar aluno em colégio cívico-militar no PR, diz Procuradoria. Folha de São Paulo (Online). 13 set 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/09/policial-da-reserva-ameaca-matar-aluno-em-colegio-civico-militar-no-pr-diz-procuradoria.shtml>. Acesso em 23 nov 2021.

11 MAROS, A. Paraná quer terceirizar merenda escolar nas 2,1 mil escolas da rede estadual. Plural (Online). 17 nov 2021. Disponível em: <https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/parana-quer-terceirizar-merenda-escolar-nas-21-mil-escolas-da-rede-estadual/>. Acesso em 23 nov 2022.

12 PELISSARI, L. Contrarreforma do Ensino Médio: privatização da educação profissional no Paraná. Brasil de Fato (Online). 04 fev 2022. Disponível em: <https://www.brasildefatopr.com.br/2022/02/04/contrarreforma-do-ensino-medio-privatizacao-da-educacao-profissional-no-parana>. Acesso em 23 nov 2022.

13 MAROS, A. Parceira privada será responsável por aprendizagem, diz diretor da Seed. Plural (Online). 07 fev 2022. Disponível em: <https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/e-responsabilidade-dela-garantir-a-aprendizagem-diz-diretor-da-seed-sobre-aulas-do-ensino-medio-repassadas-a-iniciativa-privada/>. Acesso em 23 nov 2022.

14 PALHARES, I. Alunos se recusam a assistir a aulas pela TV em escolas estaduais do Paraná. Folha de São Paulo (Online). 25 abr 2022. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/04/alunos-se-recusam-a-assistir-aulas-pela-tv-em-escolas-estaduais-do-parana.shtml >. Acesso em 22 nov 2022. Ver também a página do Instagram criada pelas/os estudantes durante a mobilização: naoas_aulaseadunicesumar (https://www.instagram.com/naoas_aulaseadunicesumar/)

15 Ver nota 14.

16 MAROS. A. Parceria milionária com Unicesumar nas escolas do Paraná fracassa e governo Ratinho recua. Plural (Online). 08 nov 2022. Disponível em: <https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/parceria-milionaria-com-unicesumar-nas-escolas-do-parana-fracassa-e-governo-ratinho-recua/>. Acesso em 23 nov 2022.

17 Idem.

18 MAROS, A. Críticas e mudanças afetam consistência de edital que coloca empresas para gerir escolas no Paraná. Plural (Online). 17 nov 2022. Disponível em: <https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/criticas-e-mudancas-afetam-consistencia-de-edital-que-coloca-empresas-para-gerir-escolas-no-parana/>. Acesso em 23 nov 2022.