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Uma hipótese alternativa sobre o erro das pesquisas eleitorais

Divulgação/Tribunal Superior Eleitoral Fonte: Agência Câmara de Notícias

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

Na véspera das eleições, os principais institutos de pesquisa indicavam índices entre 35% e 39,7% dos votos válidos para Jair Bolsonaro (1). Mesmo um instituto claramente alinhado com suas posições, como é o caso do Paraná Pesquisas, errou para menos (indicou 40%). Apurados os votos, seu índice ficou em 43,2%, portanto entre 3,5% e 8,2% acima do que indicavam os principais institutos e 3,2% acima do que indicava o Paraná Pesquisas, portanto fora da alegada margem de erro em todos os casos.

A considerar-se os dados da distribuição regional dos votos divulgados pelos institutos, esta diferença concentrou-se especialmente no estado de São Paulo e em menor medida em Minas Gerais, Paraná e outros estados do Sul e Sudeste. Em contrapartida, nos estados do Nordeste, Bolsonaro não foi além dos índices que as pesquisas indicavam.

O erro levou inclusive à patética proposta de criminalização das pesquisas, defendida em tom de campanha eleitoral por Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro, (2) curiosamente esquecendo-se de mencionar a pesquisa do “Instituto Brasmarket”, que previu a vitória de Bolsonaro em primeiro turno com 50,9% e foi amplamente divulgada pelos bolsonaristas (3).

Hipóteses correntes

Algumas hipóteses buscam explicar a diferença e o índice previsto pelos institutos mais sérios. A primeira delas propõe que frente aos resultados das pesquisas, eleitores de Ciro e Tebet adiantaram sua opção e realizaram o voto útil já no primeiro turno. O problema é que os mesmos institutos indicavam que apenas em torno de 20% dos eleitores destes candidatos tinham Bolsonaro como segunda opção, e portanto esta migração não é suficiente para explicar o aumento da votação de Bolsonaro. Além disso, esta hipótese pressupõe que os eleitores consideraram racionalmente os dados das pesquisas e que teriam se decidido com base no que indicavam as principais pesquisas, sabendo, portanto, que dificilmente Bolsonaro venceria no primeiro turno, não havendo assim muita razão para antecipar a mudança de voto.

Uma segunda explicação indica que teria ocorrido o “voto envergonhado”, de eleitores que se sentem socialmente pressionados a declarar outra opção, mas que efetivamente já pretendiam votar em Bolsonaro. O principal problema com esta hipótese é que se isto tivesse um impacto relevante, teria se verificado especialmente onde a rejeição a Bolsonaro é maior, portanto no Nordeste. Ocorreu justamente o contrário, pois foi justamente no Nordeste que Bolsonaro não superou a projeção dos institutos.

A terceira hipótese refere que ocorreu a recusa sistemática de bolsonaristas a responder pesquisas, em especial as do Datafolha, em virtude da posição pública de seu candidato contra os institutos de pesquisa. Em muitos casos esta hipótese é reforçada por relatos que indicam situações em que pesquisadores foram recebidos com hostilidade ou que receberam a recusa de parte dos que pretendiam entrevistar. Este é, portanto, um fator que pode ter produzido distorção e deve ter em alguma medida, levado à subestimação do índice de Bolsonaro. Ainda assim, é difícil que isoladamente este fator explique a dimensão do erro, o que justifica a tentativa de identificar possíveis fatores de uma mudança de última hora.

Uma hipótese alternativa e complementar

A hipótese abaixo exposta foi formulada com base na experiência pessoal no dia da eleição na cidade de Marechal Cândido Rondon, no Oeste do Paraná, e complementarmente em diversos relatos semelhantes em outras cidades do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Ao longo do dia da eleição atuei como delegado da Federação PSOL-REDE, e nesta condição passei o dia circulando entre oito locais de votação, em uma cidade na qual já era esperada uma maioria bolsonarista, mas na qual houve campanha organizada de Lula. Ao longo do dia da eleição o que vi, tanto no centro quanto nos locais mais periféricos, foi uma expressiva quantidade de pessoas com camisetas da seleção e a total ausência de identificação dos eleitores partidários da candidatura de Lula, passando uma forte impressão de unanimidade. Ao longo do dia, entre muitas centenas de pessoas, não localizei nenhuma delas identificada ao menos com um adesivo de Lula. Em contrapartida, a identificação dos apoiadores do bolsonarismo pelas camisetas amarelas da CBF é simples e muito eficiente, e por conseguir produzir uma aparência de unanimidade, constrange comentários contrários e impõe uma temática pró-Bolsonaro nas filas de votação, tendo assim um forte poder de persuasão. Considerando ainda que em alguns lugares o tempo de espera chegou a superar duas horas, esta “experiência bolsonarista” pode efetivamente ter tido um expressivo impacto entre os eleitores indecisos, entre aqueles que tinham uma intenção de voto pouco consolidada e também naquela parcela que mantém o estranho hábito de tentar descobrir o vencedor para nele votar. É importante considerar que os resultados anunciados pelas pesquisas desconsideravam os indecisos, que eram 2% no Datafolha e 3% no Ipec, e nas condições acima mencionadas, não é de estranhar que a maior parte deles tenha optado por Bolsonaro.

O fato de Bolsonaro não feito uma votação superior ao que indicavam as pesquisar nos estados do Nordeste (exceto, marginalmente, em algumas capitais, onde algo semelhante ao acima relatado pode ter ocorrido, mas em menor escala) é um forte indicativo de que o contraste entre a visibilidade de sua campanha e a invisibilidade da campanha de Lula no Centro-Sul teve um papel relevante, favorecendo o aumento de sua votação.

Uma tarefa urgente

Se esta hipótese estiver correta – ainda que parcialmente e em combinação com as outras acima mencionadas -, há uma consequência incontornável: para vencer a eleição no segundo turno, é necessário e urgente colocar a campanha na rua. Isto torna-se ainda mais relevante considerando-se que as pesquisas estão mais desacreditadas e portanto muitos verão como favorito aquele que tiver mais visibilidade. Desta forma, é necessário construir a mais ampla presença física da campanha de Lula nas ruas, realizar comícios de massa, ostentar adesivos no peito e colocá-los nos carros e com isto demonstrar a força da candidatura.

Os apoiadores de Bolsonaro compreendem a importância de manterem o monopólio do espaço público, e se fortalecem com ela. Assim, não é casual que produzam reiteradas situações de ameaça e intimidação, produzindo medo e inibindo os apoiadores de Lula.

De outra parte, até aqui a campanha de Lula apostou sobretudo na obtenção de apoio de políticos e artistas. Na dinâmica assumida por esta eleição, isto muito provavelmente não será suficiente para garantir a vitória, e portanto é urgente dar um caráter massivo à campanha para conquistas a derrota da candidatura fascista.

Notas

1 35% noAbrapel/Ipespe, 36% no Datafolha, 37% no IPEC e 39,7% no CNT/MDA.

2 https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/02/uol-eleicoes-2022-ricardo-barros.htm