Os resultados do primeiro turno das eleições para presidente produziram uma espécie de ressaca emocional naqueles e naquelas que esperavam eleger Lula de primeira. Ganhamos, mas não levamos. Já circulam algumas análises e avaliações que nos ajudam a traçar rumos táticos e estratégicos para a etapa que se iniciou dia 3 de outubro, como o fizeram os colunistas do EOL, Marcelo Badaró e Felipe Demier, ontem e hoje. Todavia, o proposito deste texto de ocasião é enriquecer nossas estratégias militantes, destacando a necessidade de superar a tática do “retrovisor” como mecanismo de enfrentamento ao candidato Jair Bolsonaro no segundo turno. Se a comparação entre um e outro governo teve sua importância no primeiro turno, a nova etapa da eleição requer novas metodologias, pedagogias e táticas para darem força argumentativa e política à militância. Isso não elide a busca de alianças e articulações institucionais e partidárias para enfrentar Bolsonaro e seu séquito, mas elas trazem mais dificuldades que aportes políticos para qualificar as diferenças e antagonismos entre os dois candidatos. Lula dispõe do programa da Frente, uma programática cujos pontos chaves são a revogação da EC 95, a revisão da reforma trabalhista, da reforma política, tributária, ambiental e outras mais no campo das políticas urbanas, de Assistência Social, Saúde e Previdência, para destacar os principais. Não restam dúvidas sobre o peso da cultura e ideologias bolsonaristas que certamente não serão abatidas com a eleição, mas estarão na mira da formação e construção de sociabilidades libertárias e emancipadoras por parte da esquerda democrática. Sabe-se que o imediatismo das necessidades de sobrevivência das classes que vivenciam a pauperização é permeável ao oportunismo político das ideias das classes dominantes que tentam tornar subjetiva a objetividade requerida pelo projeto neofacista do atual presidente e seus cupinchas.
Contudo, aprendemos com a tradição crítico-dialética e materialista que enquanto o velho não morrer, o novo não poderá radicalmente nascer… e para isso, precisamos dizer o que se pretende no futuro imediato, prenhe de potencialidades para deslanchar novos tempos no Brasil. Obviamente, além da programática da Frente Democrática, Lula pode incorporar novas propostas dos partidos que o apoiarem nessa etapa, desde que tenham unidade com o seu programa… mas, diferentemente do que fez nos últimos debates e agora contando com mais tempo de TV, precisa explicitar esse programa (coisa que sabe fazer com maestria, sem freio de mão), traduzindo em medidas e ações efetivas, claras e compreensíveis, as iniciativas e ações para seu governo, sem deixar-se pautar pela truculência dos ataques do adversário. Bolsonaro precisa ser colocado num canto de cerca como se diz no Nordeste!
Note-se, por exemplo, a questão da pobreza que esteve em todos os discursos dos candidatos – mais como substantivo, do que como fenômeno real, determinado pelas relações capitalistas de produção. No entanto, Lula não conseguiu sair do mais do mesmo, ainda que tenha todas as condições de fazê-lo, restringiu-se, por vezes, a dizer o que fez há mais de 10 anos, quando muitos dos seus eleitores eram praticamente crianças.
Enfrentar a pobreza absoluta em todas as suas dimensões, em particular a fome, a falta de moradia, a doença, o abandono social, dentre outros, exige dizer que irá implementar a renda mínima, robustecer a política de Assistência Social, reverter a EC 95, a DRU, criar escolas integrais, transporte para os estudantes, implementar novo programa de moradia social, priorizar a infraestrutura urbana, com dados, exemplos, constatações. A Renda Mínima por si só não supera a pobreza, mas é um mecanismo republicano, reformista e democrático para mediar o seu enfrentamento, num período de transição. Esperamos a defesa intransigente da renda mínima aliada a outros incentivos e meios materiais e infra estruturais que atendam necessidades da população pauperizada, tais como o fortalecimento dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), a rede socioassistencial, destacando em grandes linhas as fontes orçamentárias e expondo o horror do orçamento aprovado para 2023. É preciso dizer à população que mais de 300 mil processos dormem no INSS, que segurados e usuários estão na fila das perícias, doentes não recebem os seus auxílios previdenciários, idosos se arrastam para provar que estão vivos.
Da mesma forma que devemos avermelhar as ruas, sem medo de ser feliz, no segundo turno, as acusações morais e mentirosas de Bolsonaro devem virar memes porque importa enfrentá-lo com novas e renovadas programáticas. Criar espaços onde a firmeza dos princípios robusteça estratégias concretas e viáveis é velha lição gramsciana.
Enfrentar a fome – um propósito da Frente, abraçada ferozmente por Lula, requer qualificação e implica discorrer sobre a política de segurança alimentar que foi destruída e que tem orgânica vinculação com o aumento do salário mínimo, da renda, ademais do incentivo a agricultura familiar, a medidas de desoneração da cesta básica, além de incentivos federais aos restaurantes populares, a merenda escolar, ao consumo de proteínas e a defesa de uma alimentação saudável para encarar a obesidade como um problema de saúde pública.
E mais, é importante um vigoroso trato das violências urbana, miliciana, contra populações da periferia, idosos, crianças, mulheres, negros e negras, população LGBTQIA+ que ora são questão de segurança pública, ora significam distopia da família margarina, ora são consideradas como anomias sociais a serem curadas com o arsenal neofacistas de ação: o do uso de armas, a desqualificação social, o combate moralista e ultraconservador; enquanto que no programa da Frente que sustenta a candidatura de Lula, elas são objeto de políticas que se propõem a abraçar as novas e reais questões que presentes na sociedade brasileira.
Sem apresentar essas e muitas outras propostas, o que, de fato, a militância tem para mostrar à população? Se olhar pelo retrovisor é uma recorrência à memória da vida social brasileira, a visão pelo para-brisa é a do futuro que clama por presentificar-se nessa conjuntura de desmonte, mercantilização da vida, truculência e ignorância.
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