“Mulherio: Lélia, o que você acha do slogan “mulher vota em mulher”?
Lélia: Esse papo é tão furado quanto aquele de “negro vota em negro’: e ambos se diferenciam daquele que afirma que “trabalhador vota em trabalhador”. Enquanto esse último tem sua coerência apoiada justamente na denuncia da exploração da classe trabalhadora pela classe dominante. os outros dois escamoteiam essa questão. Afinal, existem mulheres e negros que pertencem e/ou fazem o jogo da classe dominante, buscando perpetuar os privilégios dela e, ao mesmo tempo, participar desses privilégios. Tem muita mulher por ai que de comum com as lutas das feministas só tem mesmo uma coisa: o seio feminino. No restante, elas são tanto ou mais masculinas do que muitos homens que a gente conhece.
(…) Nas eleições de 82 nós também teremos o “voto feminista”, o apoio ás candidatas saídas do nosso movimento e aos candidatos que se comprometem com as lutas de libertação da mulher. Mas temos que estar muito atentas, pois há muito candidato e candidatas (não feminista também) por ai que, por mera demagogia eleitoreira, se diz defensor dos direitos das “minorias”.”
(Lélia Gonzalez. Entrevista concedida ao jornal Mulherio, Ano II, n0 9, SETEMBRO/OUTUBRO 1982)
Diante do misógino Bolsonaro de sempre, e do Lula que evitou se opor frontalmente a seu principal adversário, o tom do debate ficou mesmo por conta das mulheres. O reluzente feminismo de Simone Tebet ganhou aplausos entusiasmados de muitas ativistas. Contudo, a sabedoria popular nos alerta: Nem tudo que reluz é ouro.
As mulheres serão decisivas nessas eleições por várias razões. É primeira vez que somos a maioria em todas as faixas etárias. Também é a primeira vez que há uma divisão nítida nas intenções de voto a partir do gênero, com uma alta rejeição ao atual presidente da República entre as mulheres. Por fim, as mulheres também compõem a maioria entre aqueles que ainda não definiram seu voto.
A economia, a gestão da pandemia e a preocupação com a violência são temas de grande interesse para as mulheres. Não por acaso Simone Tebet buscou responder a essas três questões sob o “ponto de vista feminino”. Brilhou ao lembrar o ódio do presidente da República contra jornalistas e mulheres no geral, denunciou a incompetência do governo da condução da pandemia e os escândalos de corrupção na compra de vacinas. Apresentou a urgente necessidade de conter a explosão de casos de feminicídio e abuso infantil doméstico. Defendeu a universalização de creches contra o desvio de recursos por pastores no Ministério da Educação.
Simone Tebet, assim como Luiza Trajano, dentre outras destacadas figuras, demonstram a tentativa reacionária, por parte da classe dominante, de domar e esvaziar a potência revolucionária dos feminismos anticapitalistas.
Um olhar mais atento às propostas e à vida pregressa da candidata, que tem por slogan “Mulher vota em Mulher”, desfaz qualquer ilusão. Exemplos da ofensiva atual do neoliberalismo sobre a progressiva mudança na consciência a partir da explosão da primavera feminista, Simone Tebet, assim como Luiza Trajano, dentre outras destacadas figuras, demonstram a tentativa reacionária, por parte da classe dominante, de domar e esvaziar a potência revolucionária dos feminismos anticapitalistas.
Representante do feminismo liberal, Tebet busca substituir o conteúdo pela forma. Ao afirmar no debate que o feminismo não tem lado, não sendo nem de direita nem de esquerda, Tebet repete o discurso antipolítica que ajudou a eleger Bolsonaro.
Simone Tebet é uma das representantes da bancada ruralista e do agronegócio que vota medidas que aumentam a vulnerabilidade de mulheres e indígenas, camponesas e quilombolas. Cuidar da família e lutar pelas mulheres reais é defender terra pra produção de comida, água pra quem tem sede, segurança pra viver sem medo de terem seus filhos mortos pela polícia ou por milícias. O agronegócio que é uma das suas bandeiras neoliberais é o oposto disso, não produzindo comida, deixando as mulheres vulneráveis, tanto no campo, quanto na cidade.
As mulheres negras que catam ossos em frigoríficos e choram ao não conseguirem alimentar seus filhos são justamente aquelas que primeiro se tornaram mais vulneráveis aos empregadores a partir da reforma trabalhista, que Tebet defendeu, e as que prioritariamente foram despedidas, aprofundando séculos de opressão e exploração. As mulheres trabalhadoras assumiram toda a carga do trabalho reprodutivo intensificada com a precarização galopante dos serviços públicos promovida a partir da aprovação do teto dos gastos, outra medida votada por Simone Tebet.
A solidariedade de Simone Tebet não está dirigida às centenas de mulheres pobres e negras que morrem por abortamento clandestinos no Brasil, pois é uma auto declarada “pró-vida”. Sua identidade está vinculada a Nice Yamaguchi, a médica neofascista, que a exemplo de Mengele, promoveu experiências genocidas, a partir da testagem criminosa da tese de imunidade de rebanho, que levou à morte milhares de brasileiros.
O ressentimento para com o povo brasileiro veio à tona justamente quando a candidata buscou se diferenciar do PT. A crítica a Lula veio não pelos caminhos justos, mas por aquilo que durante anos foi o aspecto progressivo do petismo, seu sentido de classe expresso no slogan “trabalhador vota em trabalhador” utilizado nas primeiras campanhas eleitorais do PT. A depreciação do “nós contra eles” petista, igualando-o ao ódio misógino, racista e homofóbico bolsonarista, demonstra o rancor que a classe dominante nutre contra os explorados/oprimidos e a diversidade que lhe constitui, sendo hoje majoritariamente negra e feminina. O feminismo de Simone Tebet, que foi parte da arquitetura do golpe que derrubou Dilma Rousseff, anseia apenas diversificar a classe dominante. Não nos representa! ós, que compomos os 99%, não desejamos subir ao topo, queremos acabar com os privilégios, superar o racismo e a homofobia, queremos um mundo onde o topo simplesmente não exista. Vamos votar em Lula, para derrotar o projeto neofascista, e nas candidaturas proporcionais que se comprometam verdadeiramente com a luta das mulheres. Não podemos deixar ninguém para trás, e só podemos contar com nós mesmos. Somos a maioria, classe contra classe. É nós por nós!
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