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TEORIA

‘Ninguém disse que seria fácil’, de Valerio Arcary, é um mergulho corajoso na militância política

Novo livro do historiador reúne uma série de artigos escritos ao longo dos últimos anos, período marcado por consecutivas derrotas da esquerda, ascensão da extrema direita e perdas substantivas de direitos

da redação*

Em abril de 2019, pouco depois da posse de Bolsonaro e após seguidas derrotas da esquerda, com destaque para a execução de Marielle Franco e a prisão de Lula, o historiador Valerio Arcary, militante “veterano” desde a Revolução dos Cravos, deu início a uma série de artigos reflexivos tendo como tema a militância política, voltado para as milhares de pessoas que dedicam parte de suas vidas, umas mais outras menos, a ideia de transformar o mundo e as pessoas ao seu redor. Valerio costuma comparar a militância a uma maratona, alertando para o risco de confundi-la com uma corrida de 100 metros, o que faria desistir a cada ladeira ou curva brusca.

Diante de um cenário nada animador como o de 2019, seus artigos pareciam dialogar com esse estado de ânimo, oferecendo esperança e uma perspectiva de longo prazo e, ao mesmo tempo, apontando a necessidade de se questionar sobre os sentidos mais profundos e verdadeiros de uma militância política. Em um de seus primeiros artigos, escreveu:

“Depois de uma grande derrota, é muito razoável que militantes da causa socialista se perguntem sobre o sentido do engajamento, do compromisso, da aposta. A militância exige, em primeiro lugar, honestidade com os outros e consigo mesmo. Uma militância séria pede de nós constância, perseverança, e abnegação. Mas, não poucas vezes, nos sentimos desiludidos, frustrados, e cansados. A transformação da sociedade é um processo difícil. E ninguém é de ferro. Ninguém mesmo. Nesses momentos é preciso refletir sobre si próprio. Porque há uma dimensão subjetiva na militância.´”

Seus textos foram sendo publicados em diversos portais, como o Esquerda Online, e serviram de ponto de partida para o livro “Ninguém disse que seria fácil”, que está sendo lançado pela Editora Boitempo nesta quarta-feira, às 20h30, no Salão do Livro Político, no Tuca, em São Paulo (SP). Em 42 artigos curtos, Arcary lança uma importante reflexão à militância socialista, muitas vezes presa às teorias, análises de conjuntura e trabalho analítico e conceitual. Sem se privar da relação com a teoria, os escritos focam outros aspectos da luta como o sentido humano, as relações entre as pessoas e suas contradições, a necessidade de se deixar de lado o individual ante o coletivo. Para o autor, o momento é de levantar tais questionamentos, como faz em um dos artigos:

“Por que militamos? Por que dedicamos nosso escasso tempo a ser ativistas? Por que debatemos programas e táticas, discutimos ideias com os que nos cercam, vamos a reuniões, distribuímos panfletos, participamos de assembleias, comparecemos aos Atos, convocamos greves, cotizamos nosso pouco dinheiro? Por que fizemos esta escolha?”.

O livro de 160 páginas tem textos de apresentação de Mauro Luis Iasi (PCB), Manuela D’Ávila (PCdoB), Dilma Rousseff (PT), Sonia Guajajara e Talíria Petrone, ambas do PSOL. No prefácio, Iasi escreve:

“(…) nem sempre damos a devida atenção ao problema da subjetividade. Por isso este livro de Valerio Arcary parece-me tão importante. Precisamos conversar sobre a militância, sobre a sensação de isolamento que se segue a uma derrota, sobre o fracionalismo, o embrutecimento, a saúde mental, os valores que nos guiam, os preconceitos, o anti-intelectualismo. Precisamos conversar sobre nós e os outros, os adversários e os inimigos, a classe idealizada e as pessoas reais que compõem nossa classe”.

Arcary é professor titular aposentado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de O martelo da história (Sundermann, 2016), entre outros livros. Trotskista, membro da direção nacional do PSOL e dirigente de uma de suas correntes internas, a Resistência, dedica também vários artigos a refletir sobre os problemas que marcam a construção das organizações políticas, e que muitas vezes levam a ambientes internos pouco saudáveis ou rupturas.

Em um dos artigos do livro, Valerio escreve:

Lealdade entre amigos não pode repousar somente em acordos políticos. Ela se constrói alicerçada na confiança pessoal, que vai além das ideias políticas. Como existem inevitavelmente diferenças de opinião, cultivar amizades exige uma disposição para a tolerância. Ninguém gosta de ser contrariado. Podemos ficar desgostosos ou até aborrecidos quando discordam de nossas opiniões. Mas romper amizades por diferenças de opinião é uma tolice infantil. Estar disposto a acolher ideias diferentes revela maturidade para aceitar graus de dissenso com que podemos conviver”.

Em um mundo onde impera o individualismo e, entre a esquerda, todo tipo de questionamento sobre a forma-partido, a tarefa da construção coletiva de uma organização política exige reflexões como as dos artigos deste livro.

*Com informações da Boitempo.
Ficha técnica
Título: Ninguém disse que seria fácil
Autor: Valerio Arcary
Prefácio: Mauro Luis Iasi
Orelha: Manuela D’Ávila
Quarta capa: Dilma Rousseff, Sonia Guajajara e Talíria Petrone
Capa: Maikon Nery
Páginas: 160
Preço: R$ 49,00
Formato: 16 x 23 cm
ISBN: 978-65-5717-167-7
Editora: Boitempo
Encadernação: Brochura
Ano de lançamento: 2022
Pré-venda com desconto no site da Boitempo

 

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