No dia 05 de fevereiro deste ano, em todas as capitais do País, ocorreram atos em repúdio aos assassinatos do jovem congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, espancado e morto cruelmente em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e Durval Teófilo Filho, 38 anos, baleado e morto com três tiros pelo próprio vizinho, em São Gonçalo (RJ). Os protestos reuniram milhares de pessoas, em revolta e dor com as mortes e as vidas negras perdidas todos os dias no país.
Em Curitiba (PR), o ato foi realizado em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito, convocado pelo movimento negro e movimentos sociais da cidade. Ao término da missa, parte dos manifestantes entrou na igreja, pela porta lateral, e realizou um ato simbólico, em respeito às vidas de Moïse e Durval e de pessoas negras assassinadas. Em seguida, deixaram o local, sem hostilidades e muito menos violência ou depredação da igreja.
Na sequência, uma verdadeira campanha tomou conta das redes sociais no Paraná e em todo o país, classificando o ato como uma ‘invasão’ e exigindo punição ao vereador, com ampla repercussão na TV e jornais. A denúncia prosseguiu na Câmara, com um processo no Conselho de Ética, que teve desfecho favorável ao pedido de cassação, e cujo relatório, nesta quinta-feira, 19, segue para votação em plenário. Caso seja aprovado por 20 de 28 parlamentares, Renato perderá o mandato, ficando inelegível por 10 anos.
Para o vereador e os movimentos sociais e ativistas que estão em uma forte campanha contra a cassação, trata-se de uma perseguição racista a um jovem negro, periférico e de esquerda, cuja simples presença na Câmara e na política já é, por si só, um incômodo. Além do processo, o vereador também tem sido alvo de ameaças e violência política, como outros mandatos negros, feministas e LGBTQIA+s no país. Confira a seguir no que o pedido de cassação se baseia.
As quatro acusações do processo contra Renato
1 – Interrupção de missa
Segundo o mandato de Renato, o próprio relator do processo, o vereador Sidinei Toaldo, descartou essa acusação. De fato, como se pode observar na transmissão do circuito interno da Igreja, a missa já havia terminado, com o padre se despedindo dos fiéis e já tendo deixado o altar. Os manifestantes entraram em seguida, realizaram um ato simbólico, com 12 minutos de duração.
2 – Invasão de Igreja
O relator do processo também descartou essa acusação. Em sua defesa, Renato afirmou que a porta da Igreja estava aberta e que, em nenhum momento, foi pedido pelo padre, que acompanhou o ato, que o grupo se retirasse.
Renato também tem afirmado o sentido histórico da Igreja, como um local construído pelo e para o povo negro escravizado. A edificação da igreja original remonta ao século 18, construída para pessoas negras escravizadas, libertas e livres vinculadas às irmandades do Rosário e de São Benedito, muitas com origem na região do Congo – de onde, séculos depois, o jovem Moïse Kabagambe sairia para refugiar-se no Brasil com a família.
“Em quase todo o Brasil, nós temos uma igreja do Rosário dos Homens Pretos. Essa igreja nasceu no tempo da escravidão, para ser um espaço, do grito e da dor do povo negro”, afirma em vídeo o frei franciscano David. “Todas elas são construídas por escravos ou ex-escravos”, completa Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo. Renato lembra ainda que o cristianismo dominava a espiritualidade da maioria das pessoas que participaram da manifestação, e que portanto, viam o espaço como seu, como um local de acolhimento, o que se opõe a ideia de ‘invasão”. Outros religiosos, como o padre togolês Lionel Dofonnou, de Curitiba, e lideranças, como o escritor Frei Betto, também se pronunciaram sobre a suposta ‘invasão’.
3 – Liderar manifestação
A acusação não procede, pois tratou-se de um amplo movimento, com protestos em todas as capitais e também em outros países, contra o racismo e o assassinato de Moïse Kabagambe, convocado por centenas de entidades, pela comunidade de imigrantes e refugiados africanos e por diversos movimentos sociais.
Ato em Curitiba. Foto: Giorgia Prates / Brasil de Fato.
4 – Promover ato político dentro da Igreja
As acusações tentam dar a entender que foi organizado um ato partidário dentro da igreja, por conta da presença de bandeira de um partido, mesmo não sendo do partido de Renato.
Em sua defesa, Renato aponta que as falas foram de denúncia do racismo e do direito à vida. Não à toa, a própria Arquidiocese de Curitiba divulgou uma nota, onde afirma que “a causa é nobre e merece respeito”, se referindo à luta contra o racismo. Na mesma nota, a Arquidiocese, que seria, na visão dos que o acusam, a principal interessada na cassação de Renato, afirma “excessos”, mas pede aos vereadores que Renato não seja cassado.
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