A realidade que nos cerca é marcada por incertezas e estado constante de alerta. A situação política do país exige, e não é de hoje, que estejamos sempre vigilantes dada a realidade marcada por dúvidas em se tratando da manutenção de direitos historicamente conquistados, inclusive nas ruas e na luta.
Vivendo em um governo cujo modelo de governança prioriza a economia acima de tudo (embora a inflação tenha voltado a ser como na época dos nossos pais, com os preços dos alimentos e combustíveis nas alturas, e o salário mínimo com baixo poder de compra), as Políticas Sociais, como por exemplo, a das Cotas raciais, vêm sendo alvo de ataques e ameaças de extinção, como já ocorreu inclusive com pastas e ministérios.
Notícias recentes sobre cotas raciais, somadas a projetos de lei, junto às declarações da equipe do governo e às perspectivas para as políticas sociais nessa atual conformação política, econômica e social, reforça a sempre e constante alerta de que a qualquer momento seremos mais uma vez boicotados no processo de tornar o racismo e todas as suas formas de manifestação uma página virada na história desse país.
Não é segredo que tramitam em conjunto dois projetos de lei que, se aprovados, poderiam limitar as cotas apenas ao critério social. São elesoPL2.525, de 2011, de autoria do deputado federal Carlos Manato (PDT-ES), que determina reserva de 20% das vagas de concursos públicos federais para candidatos de baixa renda, e o PL 5.008, de 2016, do deputado Vinicius Carvalho (PRB-SP), que estabelece a cota social como único critério de seleção para ingresso na educação pública superior e em concurso, eliminando as cotas raciais. Os projetos aguardam análise na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara. Um outro projeto é o de lei federal nº 1.531/2019, da Sra. Dayane Pimentel (PP) que visa alterar os arts. 3º, 5º e7º
da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para retirar o mecanismo de subcotas raciais para ingresso nas instituições federais de ensino superior e de ensino técnico de nível médio.
Como bem ressalta o professor Kabengele Munanga, as cotas fazem parte das ações afirmativas cujo intuito é buscar reparar/compensar desigualdades sociais históricas e discriminações sofridas por uma parte da população. Comisso, foram criadas as cotas para ingresso nas instituições federais de ensino superior em 2012 e, posteriormente, em 2014, as cotas para inscrição em concursos públicos. No entanto, essa política antirracista assim como outras políticas sociais, vem sendo alvo de ataques.
Para melhor compreender a importância das cotas, é importante que se reconheça as marcas do colonialismo, e leve em consideração o contexto histórico de formação do nosso país e suas chagas das desigualdades sociais, geradas e aprofundadas pela violência do racismo, a não reparação em nossa conformação como povo. Compreender a necessidade das cotas passa por esse exercício, de refletir sobre os mais de 300 anos de escravização do povo preto, e entender, como bem explica o professor Silvio Almeida, que o racismo não só alicerça, como também estrutura uma realidade social em que gerações de pessoas não brancas foram e continuam sendo afetadas, mesmo após o embrolho da assinatura da Lei Áurea e sua falsa abolição “celebrada” pela narrativa dominante todo 13 de maio. É preciso levar em consideração todos esses aspectos da nossa história, pois eles ressoam e respingam no cotidiano até hoje.
Dentro de tudo que já foi dito, é importante ressaltar que a Lei de Cotas não foi criada para ser eterna. Como bem aponta a filósofa Djamila Ribeiro quando ressalta em suas falas que cotas não são pensão da previdência, são medidas emergenciais temporárias que devem existir até as distâncias diminuírem. Desde a criação, tanto a Lei nº 12.711/12 como a 12.990/14 já estavam condicionadas a uma avaliação e revisão programada, prevista para quando completarem dez anos, conforme artigo 7º da Lei no 12.711/12.
Portanto, é interessante reforçar que essa política será revisada e poderá acabar em 2022, para as instituições federais de ensino superior, e em2024, para os concursos públicos. No entanto, dado os ataques ao que já fora conquistado e perdas de direitos para a classe trabalhadora nos últimos anos, é preciso, como diz Caetano Veloso em Divino Maravilhoso, “estar atento e forte” para a possibilidade do fim precoce das cotas, antes mesmo ao tempo para revisão previsto em lei.
Em 2022 não apenas se cumpre os 10 anos da lei de revisão das cotas como também é ano de ir ás urnas decidir mais uma vez os rumos do país. É preciso discernimento para escolher aquelas e aqueles que tomarão decisões importantes para os rumos do país e da nação, que tenham compromisso com as pautas que buscam diminuir o abismo social que acompanha o desenvolvimento do Brasil, refletindo a conjuntura atual na busca por caminhos alinhados à luta, à resistência, manutenção e fortalecimento de direitos, da democracia e soberania do povo que faz e constrói essa nação.
Bibliografia consultada
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Kabengele Munanga diz que políticas de cotas podem corrigir quadro gritante de discriminação no Brasil. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/noticias/2104982/kabengele-munanga-diz-que- politicas-de-cotas-podem-corrigir-quadro-gritante-de-discriminacao-no-brasil acesso em 14 de Mai. 2022.
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SANTOS, A. Bandeira de Bolsonaro, projeto de Dayane põe fim às cotas raciais nas Universidades. Bahia.ba, 15 mar. 2019. Coluna Política. Disponível em: http://bahia.ba/politica/dayane-apresenta-na-camara-projeto-que- poefimascotasraciaisnasuniversidades/?fbclid=IwAR1xPeKL7gomKRbLe1uXpCJybqCIbgoLvBzGUDRXQvGa8P8Czkdm-pnTD4M. Acesso em: 14 mai. 2019.
* Gizelya da Silva Morais é membro do NEABI (núcleo de estudos Afro-brasileiros e Indígenas) UENF – Darcy Ribeiro
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