Em 1888, a abolição significou o fim do ciclo escravista após quase 300 anos de animalização, açoite e lucros para a elite branca. Eram as mãos negras calejadas, com sangue e suor, que extraíam o açúcar que engordava a Europa. A lei Áurea foi o ato formal que não trouxe reparação social pelos séculos de exploração e opressão. Propostas de políticas reparatórias como a reforma agrária para os libertos existiam, mas foram ignoradas pelo regime que estava por morrer e pelo que nasceria no ano seguinte com a República.
Os povos negros obrigados ao trabalho forçado resistiram de toda forma sendo as rebeliões e os quilombos as maiores expressões da resistência. Em qualquer território, de norte a sul do país, negros e negras nunca se adaptaram a escravidão. Após a revolução negra no Haiti de 1791 a casa grande brasileira sofria de insônia e morria de medo da haitização por aqui. Foi a luta negra a força principal para ruir o sistema escravagista.
A escravização dos povos negros africanos é a maior chaga colonial não resolvida do Brasil. A integração do negro a sociedade de classes foi marcada pela perpetuação do racismo e do genocídio físico e cultural. Primeiro vendido como objeto, depois base fundacional da superexploração capitalista. Se antes não tinha alma, agora sua religião é tratada como coisa do diabo.
A falta de políticas reparatórias durante um século pós escravidão dar dimensão do fosso que separa a população negra e a população branca. As chamadas Ações Afirmativas é um conjunto de políticas, públicas ou privadas, que visam diminuir o fosso racial nos países marcados pela escravização negra. No Brasil a Ação Afirmativa mais conhecida são as cotas nas universidades, política tardia mas que foi responsável por uma verdadeira transformação no ensino superior brasileiro e de grande impacto nas relações sociais.
A escravização negra é a base fundamental para a desigualdade brasileira. O racismo, em suas variadas formas, é a chave para entender o país. As políticas antirracistas são necessárias para transformar radicalmente o Brasil. O bolsonarismo, por sua vez, representa a sua antítese, disposto não apenas a bloquear o caminho da transformação, como a reafirmar e qualificar toda engrenagem racista sobre a qual se assenta o Estado brasileiro.
O racismo, no Brasil e no mundo, é uma tecnologia de poder herdada do colonialismo, aprimorada e integrada ao Estado contemporâneo para, entre outras coisas, estabelecer uma linha divisória entre aqueles que merecem morrer e viver. Com a ascensão de Bolsonaro, chegou à presidência da república uma corrente política que tem um programa que vai além, na direção daquilo que o filósofo camaronês Achile Mbembe conceituou como necropolítica ou necropoder.
O discurso ideológico e a política de governo bolsonarista se pautam pela busca da imposição de um Estado de exceção permanente voltado contra os corpos e as comunidades racializadas. A tentativa de ampliação do excludente de ilicitude, bem como as demais medidas do pacote anticrime, seu grande projeto para a segurança pública, são exemplos ilustrativos da pulsão de morte que alimenta a extrema-direita brasileira.
Para o povo negro, derrotar o racista que está no poder é literalmente uma questão de vida.
Com Bolsonaro no poder, milicianos e seus grupos de extermínio sentem-se amparados pelo governo, moralizados e estimulados a ampliar o seu terror sobre as comunidades e a violência política contra lideranças negras, à exemplo do assassinato de Marielle Franco que tanto incomoda o presidente. Também as polícias militares deram um salto no processo de fascistização das tropas. Contra as comunidades quilombolas, a violência de Estado se faz sentir pela negativa na concessão de títulos, que as privam não apenas de direitos básicos como saúde, como as tornam vulneráveis aos avanços do agronegócio, do garimpo ilegal e seus bandos armados.
Muito se diz sobre as eleições brasileiras de 2022 traduzirem um confronto entre “democracia x Ditadura”. Para o povo negro, derrotar o racista que está no poder é literalmente uma questão de vida. Impor um freio ao projeto de radicalização da barbárie, será também um novo fôlego para sua antítese, a afirmação da agenda antirracista como chave para superação dos problemas estruturais da nossa sociedade.
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