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A desistência de Moro e a decadência da juventude liberal

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

Aquele garoto que iria mudar o mundo ficando bilionário com sua startup agora vê tudo em cima do muro trabalhando 12 horas por dia para a Uber. Os jovens liberais estavam com tudo em 2015, quando eram os maiorais do Facebook e lideravam grandes manifestações contra o PT. A promessa deles era que depois do impeachment da presidente Dilma Roussef o Brasil seria um paraíso de dólar baixo, inflação controlada e oportunidades de emprego. Eles envelheceram rápido e envelheceram mal. O último prego no caixão do delírio liberal juvenil foi a desistência de Sérgio Moro de sua candidatura para Presidente da República. 

Da autossabotagem do MBL à desistência de Moro

O MBL (Movimento Brasil livre) se destruiu depois de uma série de ataques vindos uma organização chamada MBL. O deputado estadual Arthur do Val confessou em áudio o assédio a refugiadas de guerra na Ucrânia. Como se fosse pouco, ele também falou que o líder do movimento, Renan Santos, pratica turismo sexual. O deputado federal Kim Kataguiri se queimou quando disse que é um erro proibir um partido nazista no Brasil. 

Mas a decadência não foi só do movimento que surgiu em 2014 defendendo o livre mercado, a privatização das empresas públicas e a Operação Lava Jato. Monark, foi outro que defendeu a liberdade de expressão para nazistas e acabou saindo do Flow Podcast, então o maior podcast do Brasil. O ex-policial e vereador Gabriel Monteiro teve sua carreira destruída depois de denúncias que vão de assédio sexual até a manipulação de uma criança para se promover. Os dois também eram da geração de influenciadores digitais que ganharam fama defendendo menos impostos para grandes empresários e menos direitos para trabalhadores em nome do “empreendedorismo”. 

Esses escândalos acabaram com a base de apoio do então candidato a presidente Sérgio Moro. Ele ficou famoso com a Operação Lava-Jato, que supostamente combatia a corrupção, mas serviu para tirar o PT do Poder e promover a carreira de juízes e promotores. Isso ficou comprovado depois do vazamento de áudios com articulações escusas ligadas à operação. Também é suspeito que Moro tenha trabalhado para uma empresa de consultoria que tinha como principal cliente a empreiteira Odebrecht, que foi afetada por suas decisões quando ele era juiz.  

Essa nova direita liberal se formou de maneira muito rápida, com figuras que surgiram nas redes sociais. Degenerados de todo tipo viram uma oportunidade de ganhar fama. Era só falar mal do PT, defender o “livre mercado” e fazer macaquices na internet. Se eles eram bons de palanque, eram ruins de organização e estratégia. Caíram tropeçando em suas próprias pernas. Tal como o empresário ambicioso que faz sua empresa falir com planos mirabolantes e depois culpa os impostos altos e as leis trabalhistas.   

Agora eles serão o “bolsonarismo gourmet” 

A divisão entre a direita bolsonarista e a direita dita “liberal” sempre existiu. É uma longa história de tapas e beijos. Os defensores do presidente miliciano são mais boçais. Os “liberais” se apresentam como bons moços. É uma divisão de tarefas.

Os militantes da direita liberal seguem um padrão. Em 2015 eles diziam “primeiro a gente tira a Dilma, depois a gente tira o resto”. Acabaram passando pano para o Presidente Michel Temer em 2017. Hoje eles dizem “Lula e Bolsonaro são dois lados da mesma moeda”. A tática é a mesma. Convencer a parte mais vacilante e confusa da população com um discurso vazio e genérico, usando palavras de ordem sem conteúdo como “vamos acabar com a corrupção” e “pela renovação política”.  Depois de ganhar um público cativo, eles mostram seus verdadeiros interesses. 

Devemos lembrar da história dos que hoje se dizem “democratas” e “civilizados”.  O MBL já acusou o feminismo de promover assassinatos e espalhou Fake News contra Marielle Franco quando ela foi morta por milicianos. Em 2017, o grupo fez um ato contra uma palestra da filósofa Judith Butler. Os “liberais” estavam junto com os fundamentalistas religiosos, que gritavam “queimem a bruxa” ao colocar fogo em uma foto da palestrante. 

A direita liberal pode continuar brincando de terceira via por um tempo. Mas mais cedo ou mais tarde vai apoiar Bolsonaro, como foi em 2018. As diferença entre essa direita e o genocida é apenas de forma, não de conteúdo. Todos servem aos mesmos senhores: os banqueiros, os grandes fazendeiros e os empresários mais ricos. 

Tanto a direita liberal quanto os bolsonaristas defendem propostas que retiram direitos dos trabalhadores. Estiveram juntos durante a reforma trabalhista, a reforma da previdência e a aprovação da mudança na Constituição que limita gastos com saúde e educação. Agora que Bolsonaro é a maior figura da direita, resta à direita liberal se tornar o “Bolsonarismo Gourmet”. 

“Anarcocapitalismo”, machismo no mundo “gamer” e outras maluquices da juventude liberal

Quem já colocou a saúde mental em risco para estudar o submundo da internet sabe muito bem que a juventude dita liberal vai muito além de defender a mão invisível do mercado. 

Alguns aderem a uma masturbação ideológica chamada “anarcocapitalismo”. Em resumo, é a defesa da ausência total do Estado, mas com a manutenção da propriedade privada. Não peça a eles detalhes de como isso vai funcionar. Eles vão responder que cada indivíduo tem o direito de comprar o seu próprio tanque de guerra. Ninguém vai dizer como manter a propriedade privada se não existirem cartórios, polícias e um sistema de Justiça para dar segurança aos contratos. 

Essa turma finge não saber que a maior intervenção do Estado na economia é justamente a manutenção da propriedade privada. Na prática, eles acabam defendendo uma espécie de neofeudalismo, em que cada “senhor” poderá ditar as regras em seu pequeno rincão, impondo seu poder à força com sua milícia particular. Por isso alguns “anarcocapitalistas” defendem os valores de uma Idade Média idealizada, como o youtuber Paulo Kogos

Outra maluquice da juventude liberal são os fã-clubes de bilionários. Monark, por exemplo, tem o empresário Elon Musk como ídolo. Esse pessoal é atraído pelo mito do empreendedor que teve uma ideia brilhante, começou do zero na garagem de casa e mudou o mundo. Em nenhum momento alguém questiona o fato de  Elon Musk ser herdeiro de uma família que lucrou com o apartheid na África do Sul. Os jovens bilionários, em geral, começaram com “dinheiro emprestado do pai”, nunca correram o risco de passar fome e tiveram acesso desde cedo ás melhores escolas e a redes privilegiadas de contatos. Em geral, eles enriqueceram em cima de práticas desleais de comércio e da exploração abusiva dos seus funcionários. 

Mas os adoradores de ricos acreditam no discurso do empreendedor visionário que promove o desenvolvimento da tecnologia e sonha em colonizar marte. De acordo com esta ideologia, uma pessoa como Jeff Bezos seria um gênio que muda o mundo com seu talento, uma espécie de Tony Stark da vida real. 

A ciência de verdade é feita coletivamente pela comunidade científica, composta por milhares de pesquisadores, em geral assalariados, em várias instituições espalhadas pelo mundo. Pelo fato de ser algo coletivo e realizado por assalariados, os liberais mais radicais rejeitam a ciência. E promovem a pseudociência, alimentada pelo mito individualista do cientista “gênio e louco”. Os que encarnam esse arquétipo são burgueses como Elon Musk.

Esse deslumbramento com as novas tecnologias torna os jovens liberais presas fáceis para o gasto irresponsável de dinheiro. Um exemplo são os  NFTs, arquivos de mídia criptografados com uma “assinatura digital” que não pode ser copiada. Eles usam a tecnologia de blockchain, a mesma usada nos famosos Bitcoins. A moeda digital, além de instrumento de especulação financeira, é usada pela juventude deslumbrada como exemplo de “livre mercado sem mediação de governos”. Eles não confiam no Estado, mas depositam total confiança em Satoshi Nakamoto, personagem fictício que representa o criador do Bitcoin, que nunca revelou sua identidade.

Otimismo tecnológico, culto ao individualismo, está faltando alguma coisa? Claro, a masculinidade tóxica. Essa é bem disseminada dentro da chamara “cultura gamer”. Esqueça aqueles fliperamas precários dos anos 90. A indústria de videogames lucra dezenas de bilhões de dólares e, de acordo com algumas fontes, já é maior que as indústrias do cinema e da música. 

Os “streamers” fazem um enorme sucesso promovendo lives onde jogam videogame e fazem comentários. O sueco PewDiePie se tornou uma celebridade mundial com essa atividade. Algumas dessas celebridades digitais até tem ideias progressistas, como o recém-famoso Casimiro. Outros aproveitam sua audiência para fazer comentários machistas, racistas e homofóbicos, ou para defender que a Terra é plana. A própria indústria de videogames já mostrou preocupação com isso. 

Já dava para ver desde o início que essa juventude liberal iria dar errado. Hoje eles pagam o preço de suas ilusões em empregos precários. Ganham mal, não têm descanso e não têm perspectivas de se aposentar. Se deram mal na vida e, aqui no Brasil, levaram o país junto com eles. Que a próxima geração conserte o estrago que eles fizeram.