O que esperar da direita que vai às ruas contra Bolsonaro?

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Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

O Movimento Brasil Livre (MBL), o Vem Pra Rua (VPR), o Partido Novo e outros grupos da chamada Nova Direita convocaram uma manifestação contra Bolsonaro para o dia 12 de setembro. Alguns podem achar que serão atos apenas simbólicos e que eles estariam se fingindo de oposição. De fato, não podemos confiar. Mas esse pessoal tem bons motivos para fazer uma mobilização de verdade.

Eles se sentiram pressionados pelos atos de maio e junho. Estão encurralados entre uma direita bolsonarista que tomou a base deles e uma esquerda que cresceu com as últimas mobilizações. Se não fosse a “turma de vermelho” se mexendo, com certeza eles iriam ficar quietos. Até pouco tempo, essa direita dita liberal estava em cima do muro, dizendo que “tem fanatismo dos dois lados”. Agora ela precisa fazer alguma coisa em defesa de sua própria sobrevivência política.

De certa forma, a convocação de atos da direita antibolsonarista foi uma vitória nossa. Mais crise para Bolsonaro. Mais uma batata quente nas mãos da classe dominante, que está vendo seus agentes políticos brigarem entre si. O genocida se enfraquece com mais gente nas ruas. Agora não dá mais para falar que são só os “esquerdalhas”.

Temos que entender a fundo esta divisão da direita, que não vem de hoje. Isto é vital para tentar prever os movimentos desse pessoal que rompeu com Bolsonaro e poder calcular os nossos passos. Durante muito tempo, a trincheira adversária já estava sendo balançada por brigas. É importante recapitular esta história.

Entre tapas e beijos: a história das lutas internas da Nova Direita

O dia é cinco de setembro de 2019. Bolsonaro estava em seu início de mandato, que tinha acabado de sair da primeira crise. Ele fez um acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) e abriu mão de articular uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o Poder Judiciário. Parte dos influenciadores que apoiavam o governo ficaram indignados e lançaram a hashtag #moro2022, mostrando fidelidade ao juiz que ficou famoso por mandar prender Lula. Outra parte da direita se mostrou alinhada ao presidente e levantou a hashtag #euconfioembolsonaro. As duas hashtags disputaram em pé de igualdade a dianteira na lista de assuntos com mais engajamento no Twitter.

Quase dois anos depois, essa diferença tomou outras proporções. Os personagens são os mesmos. De um lado, os influenciadores digitais Alan dos Santos, Olavo de Carvalho e Caio Coppola, além da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e os bolsonaristas mais fiéis. Do outro, Kim Kataguiri e seu MBL, “Vem Pra Rua”, o influenciador digital Nando Moura, a deputada federal Joyce Hasselmann (PSL-SP) e outros que nunca foram fiéis ao atual presidente e agora querem o impeachment.

No início, não dava para perceber as diferenças entre os grupos da chamada Nova Direita. Em 2015, todos estavam unidos nas manifestações contra a então presidente Dilma Rousseff. E tinham em comum o uso competente e massivo das redes sociais, as piadas preconceituosas, a defesa do chamado “livre mercado”, o “conservadorismo nos costumes” e a “luta contra a corrupção”. Foi um sucesso. As ruas foram tomadas pelas camisetas da CBF, pela estética tosca e cafona da classe média que sonha em morar em Miami, pelo moralismo hipócrita de quem suborna guarda de trânsito e se diz contra a corrupção e pela defesa dos chamados “valores tradicionais”: o gay de volta ao armário, o negro de volta à senzala e a mulher de volta à cozinha.

A unidade da Nova Direita se manteve durante o governo Temer, entre 2016 e 2018. Nenhum direitista se somou às manifestações contra o então presidente, que estava envolvido até o pescoço em escândalos de corrupção. E o apoio à política de desmonte de direitos foi unânime entre eles. Todos foram a favor da Reforma Trabalhista e da aprovação da emenda constitucional que instituiu um teto de gastos na saúde e na educação. Os memes bobos e preconceituosos, a frase “O PT destruiu o país” como narrativa, tudo continuava lá. O discurso não mudou.

Nas eleições de 2018, começaram a aparecer diferenças. Alguns se alinharam automaticamente com Jair Bolsonaro. Outros grupos e influenciadores vacilaram. Pelo menos no primeiro turno. O MBL, por exemplo, atuou mais como comentarista do que realmente como organização militante. Já no segundo turno, a unidade voltou a reinar na Nova Direita. Os mais truculentos mobilizaram a base radicalizada e os mais “bons moços” ajudaram a tornar a figura de Bolsonaro aceitável. Cada um fez sua parte para que o hoje genocida fosse eleito.

Logo após as eleições, em 2019, as brigas começaram. Em maio daquele ano, o PSL, legenda pela qual Bolsonaro se elegeu, sofreu suas primeiras divisões. O MBL foi o primeiro movimento da Nova Direita a pular do barco. Ainda naquele ano, o movimento chegou a mudar seu discurso para parecer menos radical. O “Vem Pra Rua” acompanhou a mudança. Mas havia uma coisa que ainda unificava toda a direita: a defesa da Reforma da Previdência.

Dificuldade de Bolsonaro em aprovar “reformas” fez a direita se dividir

Os grupos dessa Nova Direita se unem em defesa de propostas que tiram direitos dos trabalhadores e favorecem os grandes empresários. Mas se dividem em relação à qual narrativa montar para defender sua agenda. Uma parte deles usa um discurso vazio e genérico do tipo “contra a corrupção” e “pela renovação política” para convencer a parte mais confusa e despolitizada da população. Outra parte usa um discurso mais radicalóide do tipo “bandido bom é bandido morto” e “em defesa da família tradicional”. Em outros países também existe este padrão de divisão, como na Espanha (Ciudadanos é a direita mais moderada e o Vox a radical) e na Itália (O Movimento Cinco Estrelas é a direita mais moderada e a “Lega” é a mais radical).

Foi justamente depois da aprovação da Reforma da Previdência que as duas alas da Nova Direita se distanciaram ainda mais. Bolsonaro perdeu a capacidade de articular no Congresso a aprovação dos projetos que favorecem as elites. A privatização dos Correios e a Reforma Administrativa não avançaram. Ou seja, não foi o respeito à vida ou a interferência do Presidente na Polícia Federal. Essa direita que rompeu com o genocida estava impaciente com o não andamento das medidas que podem gerar lucros para seus patrocinadores.

Com a péssima gestão da pandemia no Brasil, uma parte dos grandes empresários perdeu a confiança no Presidente. Por isso, já no início de 2020, Uma ala da Nova Direita sem Bolsonaro se articulou. Um exemplo deste giro foi Nando Moura, um músico fracassado que se tornou um dos maiores influenciadores digitais do país com xingamentos de quinta série e teorias da conspiração. Ele era um dos maiores defensores de Bolsonaro e Olavo de Carvalho, guru intelectual do presidente. Em 2019, já mostrava algumas diferenças com o governo. Em 2021, rompeu de vez com a ala bolsonarista e queimou os livros do “professor Olavo”.

Outro exemplo foi o movimento “Vem Pra Rua”, um dos mais ativos nos atos pelo impeachment da Dilma. Ao criticar o Presidente em posts no Facebook, o grupo foi duramente xingado pelos próprios seguidores. As brigas internas desse pessoal é uma baixaria sem limites, mostrando o quanto eles são degenerados.

Quem acabou ganhando até agora nessa disputa foi o bolsonarismo. O Presidente ainda se mantém com cerca de 25% de popularidade, mantendo a maior parte da base da direita em torno de si. MBL e outros perderam muitos seguidores. Mas agora eles se aproveitam da possível queda de Bolsonaro para virar o jogo. E com um novo governo, mais estável, as “reformas” podem voltar a ser encaminhadas no Congresso.

No fundo, esta briga é para mostrar aos “patrocinadores” quem é mais eficiente em iludir a população e fazer a agenda econômica favorável à burguesia andar no Congresso. De um lado, aqueles que apostam na normalidade das instituições do Estado. Do outro, aqueles que apostam no autoritarismo.

Mas e aí, o que fazer?

MBL, “Vem pra Rua”, Nando Moura, todos defendem interesses de classe contrários aos nossos. Não há a menor dúvida disso. Mas é um fato concreto que eles foram obrigados a enfrentar Bolsonaro. E não há, hoje, risco maior para a classe trabalhadora e para própria vida civilizada no Brasil que o genocida. Não podemos perder isto de vista.

Estes grupos de direita podem dar um giro e se alinhar com Bolsonaro novamente. Se o governo avançar na privatização dos Correios e na Reforma Administrativa, essa turma pode achar melhor negociar com o genocida. É por isso que a privatização dos Correios está sendo acelerada. O governo quer se mostrar capaz de dar andamento na agenda em favor da burguesia e unir o campo conservador.

Se a paz entre o bolsonarismo e a oposição de direita for selada, a incoerência dos que hoje chamam atos contra o governo ficará explícita. Muitos dos que ainda confiam no MBL e seus aliados vão se decepcionar. Essas pessoas podem se tornar audiência para a esquerda. Caso não ocorra um acordo nas trincheiras inimigas, o resultado será mais crise para eles. Ganhamos nos dois casos.

Na Segunda Guerra Mundial, a bestialidade de Hitler foi vencida com uma ampla unidade que ia de um imperialista conservador como Winston Churchill até os trotskistas. Foi necessário estar na mesma trincheira que muita gente ruim para combater um inimigo que colocava em risco a existência da própria raça humana. Imagina ter que estar do mesmo lado em uma guerra que Churchill, o governo dos Estados Unidos e o ditador Stalin? Pois é. Foi o que a necessidade histórica obrigou os revolucionários a fazer.

Hoje vivemos em uma situação parecida no Brasil. Bolsonaro é um fascista. Isso não é uma mera palavra de ordem. E sendo um fascista, ele é um risco imediato e de curto prazo para nossas vidas. Qualquer inciativa que combata esse inimigo, que ainda é poderoso, deve ser vista como uma vitória nossa.

A convocação dos atos do dia 12 de setembro tem um lado positivo. Um setor que até então estava em cima do muro passou a ser contra o fascismo. O lado negativo é que esta ala antibolsonarista da direita quer apagar a participação da esquerda e cooptar para sua agenda todo o sentimento de indignação com Bolsonaro. É uma unidade e ao mesmo tempo um enfrentamento. A esquerda tem responder pela positiva e continuar se mobilizando. Que eles tragam gente para as ruas. Vamos lutar para trazer mais gente ainda.

Agora somos amigos do MBL? Não. Confiamos no Partido Novo? Não. Nós temos consciência de que, depois da derrota do genocida, o “Vem pra Rua” e outros grupos de direita vão se voltar contra os trabalhadores? Sim. Dentro deste momento histórico peculiar, podemos ter uma unidade de ação temporária com quem luta contra um inimigo em comum? É possível. Essa unidade acontece junto com a disputa pelo protagonismo da luta contra o fascismo? Não há dúvidas. A vitória contra o fascismo é do interesse da classe trabalhadora? Com certeza.