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Nazistas que estão na guerra podem acabar no Brasil?

Reprodução/BBC

Faixa de protesto em Brasília mistura bandeira do Brasil com símbolo adotado pelo Right Sector, grupo de extrema direita ucraniano

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

O conflito entre a Rússia e a Ucrânia tem chamado a atenção da esquerda brasileira. Alguns militantes já montaram torcida organizada de guerra. Isto é um absurdo. Por outro lado, não podemos ignorar o que acontece. É correto prestar solidariedade aos civis ucranianos. Mas tem outro aspecto desse conflito que nos interessa diretamente. A relação entre a extrema-direita do Brasil e a do Leste Europeu.  

Em junho de 2020, quando torcidas organizadas fizeram atos contra Bolsonaro em Brasília, um maluco, com uma estranha bandeira vermelha e preta com um tridente, atacou a manifestação. Ele fazia parte do grupo “300 de Brasília”, organizado pela ativista de direita “Sara Winter”. Seu objetivo era causar tumultos e criar um clima favorável a um golpe bolsonarista. O lema de Sara era “ucranizar” o Brasil. E a bandeira que o maluco carregava ficou famosa por ser a favorita do Pravy Sektor, grupo neofascista da Ucrânia. 

Essa relação entre neofascistas daqui e de lá remonta a 2014, quando o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, foi derrubado por grupos favoráveis à entrada do país na União Europeia. Eles se aproveitaram da insatisfação popular contra as elites políticas e promoveram manifestações. Eram atos dos “cidadãos de bem” que queriam ganhar um ingresso para entrar no “clube do Primeiro Mundo”. O protesto se chamou Euromaidan.  Algo bem parecido com os atos pelo impeachment de Dilma no Brasil em 2016. Aqui, os “cidadãos de bem” foram às ruas contra a “corrupção do PT” com o sonho de fazer o dólar baixar e assim ficar mais fácil viajar para a Disneylândia. 

Os “cidadãos de bem” da Ucrânia não realizaram o sonho de entrar para o “clube do Primeiro Mundo” da União Europeia. Os do Brasil não realizaram o sonho de viajar para a Disneylândia com o dólar barato. Mas os dois países caíram no caos político e o ódio floresceu. No Brasil, até há pouco tempo, quem andasse nas ruas com uma camiseta vermelha ou se parecendo com um “sem-terra”, poderia apanhar. Na Ucrânia não foi diferente. Os falantes de língua russa eram discriminados e grupos de esquerda eram postos na ilegalidade. E a coisa ficou pior. Lá, eles elegeram para presidente um bufão que ficou famoso sendo o “cara dos vídeos engraçados”. Aqui, bem, aqui a gente sabe o que aconteceu. Nos dois países, os nazistas cresceram e se multiplicaram. 

A brasileira “Sara Winter” já morou na Ucrânia e teve contato direto com organizadores da Euromaidan. O país aliás, se transformou em um centro de treinamento de ativistas conservadores, neofascistas ou nazistas. Desde 2014, os conflitos com as regiões separatistas de língua russa têm atraído milicianos do mundo todo. O especialista em extrema-direita Alberto Testa disse em entrevista para a revista VICE que a Ucrânia se tornou palco internacional daqueles que querem treinar para uma “guerra racial sagrada”. Sara, dos “300 de Brasília”, viveu no meio dessa gente. Por isso passou a usar o termo “ucranizar o Brasil”. 

É verdade que a maioria dos ucranianos em combate hoje não são militantes de direita. A invasão provocada por Putin obrigou milhares de pessoas a se armar para defender suas cidades. E, em nenhuma hipótese, as ações do governo russo são justificáveis.

Mas é fato que a Ucrânia se transformou em uma espécie de “Cuba” de parte da direita. O país se tornou uma referência ideológica tanto para nazistas à moda antiga quanto para neofascistas mais modernos, que defendem o livre mercado e gostam de memes engraçadinhos. O presidente do país, Volodymyr Zelensky, sempre tolerou grupos com esses perfis. 

Não devemos acreditar na narrativa de Putin de que a Ucrânia se transformou em um covil de nazistas e só uma invasão pode mudar isso. Na verdade, a Ucrânia pode se tornar um covil de nazistas agora, com uma guerra que vai degradar ainda mais o tecido social do país. 

No entanto, é fato que a política ucraniana foi tomada pela narrativa de que existe um “ocidente civilizado”, representado pela OTAN e a União Europeia, que deve lutar contra um “oriente bárbaro”, representado pela Rússia. Este caldo ideológico se transformou em uma referência para alguns militantes de direita em todo o mundo, incluindo o Brasil. 

Falando em Brasil, Bolsonaro ficou neutro no conflito. Por enquanto. Mas alguns bolsonaristas se alistaram nas brigadas internacionais organizadas pelo governo ucraniano. É provável que ali no meio tenha algum maluco que sonha em se tornar um cavaleiro sagrado do mundo ocidental batalhando contra os dragões russos. Esse maluco, em suas fantasias machistas, será recompensado com o amor de uma “deusa loira” encontrada na fila de um campo de refugiados. Na verdade, entre os voluntários brasileiros, deve ter um número considerável pensando dessa forma.  

O problema é que esse pessoal pode voltar para casa com armamento, treinamento e moral alta, se tornando referência para milicianos brasileiros. E o pior, eles podem voltar acompanhados. Vários grupos nazistas estão perdendo batalhas em regiões que hoje já são controladas pela Rússia. E os integrantes desses grupos terão que se esconder. Outra coisa que pode acontecer é o presidente da Ucrânia considerar os nazistas do país como uma companhia indesejada. 

Adivinhe onde os nazistas ucranianos podem parar? Isso mesmo. As conexões entre neofascistas brasileiros e ucranianos podem facilitar as rotas de fuga. E Bolsonaro com certeza fará de tudo para que eles fiquem por aqui. Para o genocida, fascistas de qualquer país serão sempre bem vindos. O Brasil cumpriria agora o papel que a Argentina teve na Segunda Guerra Mundial. 

Em outubro, teremos eleições. Existe 100% de chances de militantes de extrema-direita tomarem atitudes violentas. Corremos o risco do sonho de “ucranizar o Brasil” se tornar realidade. E da pior forma possível. 

Não podemos discriminar os refugiados ucranianos. A maioria absoluta não tem culpa nenhuma nessa guerra. Todos devem ser acolhidos. Isto é um gesto humanitário que deve ser feito sem nenhuma ressalva. Mas também devemos nos preparar para o Brasil ser o novo lar de membros do famoso Batalhão de Azov

Se a situação aqui já era tensa, vai ficar ainda mais. Para nós da esquerda, alerta máximo.  Toda unidade ainda é pouca. Todo preparo ainda é pouco. Toda coragem ainda é pouca. Todo cuidado ainda é pouco. Teremos desafios duríssimos pela frente. Montar torcida organizada de guerra é perder tempo e energia preciosos. Abram os olhos, camaradas. 

*Este texto não representa, necessariamente, a posição editorial do Esquerda Online. Somos um portal aberto às polêmicas da esquerda socialista.