Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

Encontro da Coalizão Negra por Direitos prepara lutas e discute desafios de 2022

Encontro da Coalizão Negra teve o lema “Enquanto houver racismo, não haverá democracia!”

Thais Santos
Foto mostra uma mesa com sete mulheres negras. Todas estão de máscaras. Na frente da mesa uma faixa escrito encontro da Coalizão negra por direitos. Ao fundo, uma grande bandeira com o símbolo e o nome da coalizão
ASCOM Coalizão Negra

Abertura do encontro

A Coalizão Negra por Direitos, que reúne diversos coletivos negros e coletivos parceiros, representa hoje a maior frente do movimento negro no Brasil, intervindo diretamente no cenário político nacional. Foi a primeira frente a ir às ruas durante a pandemia, protestando contra o Governo Bolsonaro, protocolou o 56º pedido de impeachment e integrou o superpedido. No 13 de maio de 2021, saíram as ruas no país inteiro contra o genocídio do povo negro e pelo fora Bolsonaro, após a chacina do Jacarezinho, que deixou pelo menos 30 mortos na favela do Rio de Janeiro. Neste período a Coalizão Negra por Direitos lançou o mote “Nem bala, nem fome, nem covid. O povo negro quer viver” que deu o tom das lutas que aconteceram posteriormente. Para além da luta política nas ruas e das disputas institucionais pelo impeachment, a Coalizão protagonizou uma das maiores campanhas de combate à fome durante a pandemia. Se encaminhando para a quinta etapa, a campanha “Se Tem Gente com Fome, dá de Comer” já distribuiu milhares de cestas básicas e alimentos orgânicos pelo país inteiro, garantindo a comida na mesa de famílias.

Desnecessário dizer que a maioria da população atingida pela fome e pelo desemprego é a população negra, especificamente mulheres negras chefes de família.

Pensando nos próximos passos na atuação política brasileira, a Coalizão realizou nos dias 1, 2 e 3 de dezembro um Encontro Nacional, que aconteceu em Olinda (PE), e reuniu diversas lideranças políticas do movimento negro e importantes parlamentares negros. O encontro teve como objetivo principal discutir os próximos passos da luta negra no país, assim como a estratégia política para 2022.

O primeiro dia de encontro discutiu quais serão as prioridades da luta negra no próximo período, baseada na agenda de lutas formulada no lançamento da frente, em 2019. A leitura de um documento apresentado pelo Prof. Hélio Santos, baseou o debate estratégico de programa negro para 2022 no Governo Federal. Em relação à Agenda de Lutas, disponível na plataforma da Coalizão Negra por Direitos, há algumas atualizações a serem feitas, como o tema da fome e desemprego em massa, e outras que em certo grau se agravaram com o avanço do governo Bolsonaro. O debate elaborado em grupos de discussão, discutiu três principais prioridades de temas:

1. Fome – O Brasil de Bolsonaro vive com mais de 19 milhões de pessoas em alguma situação de insegurança alimentar. Enquanto isso, Bolsonaro presta suas contas anuais milhões gastos com regalias. Um governo que em nenhum momento esteve e não está preocupado com a fome, pelo contrário, zomba da população (que tem maioria negra) dizendo que devemos comprar fuzil ao invés de comida. Combinado a isso, enfrentamos o país a inflação e a alta dos preços dos alimentos, do gás, gasolina, e até mesmo dos mantimentos mais básicos como o arroz e o feijão. Com o descaso do estado e a ausência de políticas de combate à fome, foram diversos movimentos de solidariedade que se moveram para garantir a comida na mesa de milhares de pessoas. A Coalizão Negra por Direitos liderou uma das maiores campanhas do país, a campanha “Tem Gente com Fome, dá de comer” que se encaminha para a quinta etapa de distribuição de cestas básicas pelo país inteiro.

2. Desemprego em massa – O desemprego no Brasil atinge os seus números recordes, tendo mais de 14% da população desempregada e em média 40% de pessoas que estão no trabalho informal. O avanço da uberização contribuiu para a precarização do trabalho. Hoje, enfrentamos um cenário sem perspectivas de futuro para a maioria dos jovens.

3. Segurança pública, genocídio da juventude negra e radicalização da violência – O processo combinado de genocídio de vidas e sonhos do povo negro mostra aqui umas das faces mais extremas. Mesmo durante a pandemia do covid-19, que matou 600 mil pessoas, sendo a maioria negra – a brutalidade das polícias arrancou de centenas de crianças e jovens o direito à vida. Foram chacinas como a do Jacarezinho, assassinatos como o de Agatha Felix, Kathlen Romeu, os 80 tiros disparados do exército brasileiro contra o músico Evaldo Rosa dos Santos, e o caso de Beto Freitas, assassinado no estacionamento da multinacional Carrefour, que mostram como a violência seguiu exemplos internacionais como o de George Floyd, nos EUA.

Além da violência policial, a violência civil também aumentou. Durante a pandemia, a violência de gênero contra mulheres aumentou pelo menos 40%. Nestes dados, é evidente a violência do racismo, de tantas mulheres assassinadas, tantas eram mulheres negras. Se expandirmos esses dados para mulheres travestis e transexuais, ficam ainda mais assustadores, são tanto. A violência política consequentemente também se radicalizou contra parlamentares negros, em especial mulheres negras – cis e trans – que vivem recebendo constantes ameaças de morte.

Um projeto de segurança pública eficiente não pode ter suas bases no racismo, que se dá concretamente na destruição de vidas negras, e no encarceramento em massa. Para um projeto antirracista, é necessário que o desencarceramento da população negra esteja em pauta. Sendo hoje o tráfico de drogas o crime que mais encarcera no Brasil, o encontro também debateu a necessidade da revogação da Lei de Drogas de 2006 e descriminalização das drogas – combinada, evidentemente, por uma política antidrogas pela redução de danos e antiproibicionista.

Outros temas importantes discutidos foram:

1. Racismo religioso – A radicalização da violência pontuada acima, atingiu também, através do fundamentalismo religioso por igrejas evangélicas, as religiões de matriz africana. Ataques terroristas às casas e ameaças de morte a babalorixás e ialorixás se tornaram cada vez mais frequentes, e apoiados pelo governo fascista de Bolsonaro.

2. Saúde, educação e assistência (defesa da política de cotas nas universidades) – Bolsonaro se coloca como inimigo número 1º da saúde e da educação, já propôs à privatização do SUS, e o projeto future-se em 2019, que pretendia privatizar as universidades públicas, impedido pela força da mobilização popular. Dando continuidade ao Projeto de Lei de Temer pelo congelamento do teto de gastos da saúde e da educação, Bolsonaro cortou cada vez mais verbas públicas direcionadas para os dois setores. Todos sabem que Bolsonaro, enquanto declaradamente racista, também é inimigo das cotas e das políticas de ações afirmativas. No próximo ano, as ações afirmativas serão colocadas em votação pela permanência, e a mobilização negra e popular será essencial para a garantia das cotas.

No segundo e terceiro dia debateram estratégias políticas de atuação para as próximas eleições, elaboração de um novo projeto de país, que inclua negros e negras nas discussões democráticas.

A ocupação de negros e negras na política, que deu um grande “boom” em 2020, com eleições históricas – como a de Erika Hilton, vereadora mais votada de São Paulo, e a primeira bancada negra eleita na cidade de Porto Alegre, por exemplo – é a principal estratégia da Coalizão Negra por Direitos para as eleições de 2022. Porém, combinado ao processo de ocupação parlamentar e de espaços de decisão política por negros e negras, a resposta gerada pela extrema direita fascista brasileira é através da violência política. São constantes as ameaças de morte recebidas por parlamentares negros já eleitos, assim como perseguições e no caso mais extremo, a violência racista que levou ao assassinato, ainda sem respostas, da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) em 2019. Sabemos que o caso de Marielle teve diversas vezes interferências externas, inclusive do presidente Bolsonaro, que mais de uma vez interferiu no caso, alterando os delegados do caso e/ou seus superiores. Bolsonaro fortalece a rede de milícias que se articula centralmente no Rio de Janeiro, e de onde partiu o assassinato de Marielle. Queremos que nossos parlamentares tenham o direito à vida e a livre circulação e liberdade, assim como queremos que tenham segurança para exercer os cargos para os quais foram eleitos para cumprir.

São muitas as tarefas do movimento negro no próximo período, conforme apontado no texto acima, que juntas aglutinam um projeto de país pautado em uma democracia que não exclua a população negra. Derrotar o bolsonarismo, com certeza será a tarefa mais importante para os movimentos – e para o Brasil – no próximo ano. Porém, derrotar Bolsonaro sem projeto negro e antirracista não nos basta. Nesse sentido, o encontro foi essencial para a construção do projeto que deve ser uma resposta ao fascismo/colonialismo brasileiro. Por fim, quero reforçar a campanha que deu nome ao Encontro da Coalizão Negra: Enquanto houver racismo, não haverá democracia!

Vamos derrotar o bolsonarismo, vamos erguer nossa voz e retomar o que é nosso, por aqueles que vieram, por aqueles que virão: faremos Palmares de novo.