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MUNDO

Honduras: Conquistas e desafios estratégicos do governo recém-eleito

Tomas Andino Mencía*. Tradução: Gê Souza
Um apoiador comemora, com uma bandeira vermelha na mão esquerda e com a outra, soltando uma fumaça vermelha.

Através de um resultado eleitoral avassalador e irreversível de 53%, de acordo com a última edição do Conselho Nacional Eleitoral, o triunfo de Xiomara Castro à Presidência de Honduras constitui um marco que, em termos históricos, fecha o período sombrio que se iniciou com o Golpe de Estado de 28 de junho de 2009, e inaugura uma etapa em que as maiorias populares depositam grandes expectativas no novo governo, mas cujo perfil real ainda está por ser definido. Esse triunfo da coalizão liderada pelo Partido Libre gerou muitas expectativas de que Honduras passaria em dois meses (período de transição para o novo governo) de um governo conservador a um governo de “socialismo democrático”, como é definido por Xiomara Castro. Mas é realmente assim? Tudo depende. Vamos dar uma olhada rápida nos números.

O que se ganha

Em um país onde o nível de abstenção tem sido historicamente de 40% a 50%, nestas eleições, 68% da população com direito a voto participou oficialmente (32% de abstenção reconhecida). Em sua atualização de 29 de novembro, a CNE deu a Xiomara Castro uma vantagem de 20 pontos, com 51,45% dos votos processados. Segundo o relatório da CNE, Xiomara obteve 53,61% dos votos, seguido por Nasry Asfura, do Partido Nacional (no poder), com 33,87% e Yani Rosenthal, candidata do outrora poderoso Partido Liberal, com 9,21%. Esses resultados são muito próximos aos de várias pesquisas realizadas no mesmo dia (por exemplo, o Instituto de Pesquisa Synopsis previu 52% para Xiomara, 39 para Tito Asfura e 9% para Rosenthal). Este resultado, que a apuração final está apenas confirmando, indica um triunfo esmagador da coalizão de oposição sobre o partido no poder na eleição presidencial.

Nas prefeituras, a coalizão já venceu 189 das 298 prefeituras (63%). Ainda mais significativo foi o catastrófico resultado eleitoral obtido pelo partido governante na eleição para prefeito de Tegucigalpa, capital de Honduras, outrora reduto do Partido Nacional, onde historicamente venceu 7 das 9 eleições. Nestas eleições desmoronou obtendo entre 25% a 30% dos votos contra 40%-50% do Libre. Um naufrágio semelhante ocorreu em San Pedro Sula, a segunda maior cidade do país. De fato, os candidatos pró-governo reconheceram publicamente sua derrota e parabenizaram os respectivos prefeitos eleitos da oposição.

Isso significa que a coalizão tem uma correlação de forças avassaladora nesses dois níveis eletivos [NT: nacional e municipal], o que lhe permite ter a capacidade de tomar iniciativas no Poder Executivo e nas prefeituras que impactam o bem-estar da população, com as quais pode ter contato direto.

Os limites das conquistas

A vitória foi menos contundente no Congresso Nacional, embora tenha sido positiva o suficiente para, pelo menos, impedir o atual partido no poder de continuar a liderar o Estado à vontade.

Pela primeira vez na história de Honduras, o bipartidarismo perdeu sua maioria automática no Congresso

O atual governo esteve a frente do Estado durante quase todo o século XX e nestes 21 anos do século XXI, através de uma aliança entre o Partido Nacional e o Partido Liberal que lhe permitiu ter uma confortável maioria absoluta de mais de 50% dos deputados. Nesta ocasião, a tendência indica que este controle estratégico foi rompido: o atual governo obteve 42 deputados e o Liberal obteve 20, enquanto os democratas-cristãos e o PAC, também aliados do PN, conquistaram 1 deputado cada, ficando no total com 64 deputados eleitos. Em outras palavras, pela primeira vez na história de Honduras, o bipartidarismo perdeu sua maioria automática no Congresso, junto com seus aliados menores, e com isso perdeu a força necessária para aprovar ou revogar leis, fazer reformas constitucionais e eleger outros órgãos do Estado. Nesse sentido, Honduras foi salva de seguir seu caminho para o abismo, no curto e médio prazo.

Embora a contagem ainda não seja definitiva, a tendência registrada pelo “El Libertador” em sua edição de 1º de dezembro é que a Libre tenha 50 deputados e o PSH 12, ou seja, 62 deputados da coalizão. A estes será necessário somar cerca de dez deputados da Aliança Liberal de Oposição (que não apoiaram Yani Rosenthal) para fazer um subtotal de 72. Isso lhe daria os números necessários para garantir a maioria simples, com a qual poderia implementar as decisões mais importantes que Libre apresentou em seu plano de governo e o orçamento necessário para isso, desde que os aliados da Libre concordassem com isso. Se isso acontecer, parte do status quo que o Partido Nacional construiu estaria condenado ao fim, e assim a ordem estabelecida desde o Golpe de Estado pode ser revertida, pelo menos parcialmente.

Porém, essa relação de forças significa que para eleger a mesa Diretora do Congresso Nacional no próximo ano, bem como um novo Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o Superior Tribunal de Contas, alinhados com a coalizão de oposição, seria necessário o outros 12 votos do Partido Liberal leal a Yani, que já atuou como aliado do “cachurequismo”, e mesmo assim precisaria de votos. Nesse sentido, a falta de maioria qualificada é o principal gargalo para o governo de coalizão realizar o desmantelamento total do regime e levar os bandidos à justiça.

Conclusões

Em suma, os resultados desta eleição representaram um avanço importante de quatro maneiras:

  1. O povo, com sua massiva votação, acabou com a vergonhosa ditadura que se impôs com o Golpe de Estado de 2009, ao expulsar a máfia criminosa do Poder Executivo e da maioria das prefeituras, e que mergulhou o país no mais vergonhoso obscurantismo do mundo, nos últimos 50 anos.
  2. A coligação poderá, a curto prazo, impedir, desde o Poder Executivo, a aplicação da legislação em vigor que é favorável aos interesses mais sombrios da oligarquia e das máfias do crime organizado, visto que tem o poder de substituir os cargos chaves da burocracia do governo que trabalha para os interesses desses grupos de gângsteres.
  3. O bipartidarismo tradicional sofreu uma derrota histórica que o impede de ter a maioria necessária no Congresso Nacional para continuar aprovando leis e dispositivos orçamentários com os quais suga recursos do tesouro para sua corrupção suja, para continuar beneficiando os grupos do poder econômico e entregar a soberania nacional.
  4. A coalizão de oposição tem grandes chances de conseguir uma maioria no Congresso Nacional que lhe permita governar.

Mas existem sérios desafios para a coalizão:

  1. No curto prazo, a coalizão vencedora enfrentará seu momento de maior risco, já que o atual partido do governo e o Partido Liberal detêm o controle do Poder Executivo, do Poder Legislativo, das corporações municipais e das Forças Armadas nessa transição período. E por vários meses eles manterão o controle do Supremo Tribunal de Justiça, do Ministério Público e do Superior Tribunal de Contas, de modo que se espera nesses meses que a oligarquia use essa vantagem para levar a cabo um roubo massivo das instituições públicas, destruir evidências e também bloquear e colocar em xeque o novo governo em vários campos.
  2. Mesmo a maioria simples alcançada pela coalizão no Congresso é frágil porque depende da posse de todos os seus deputados e do acréscimo de deputados do Partido Liberal que não têm um compromisso orgânico com ela. É preciso levar em conta que a prática de compra de votos pelo governo é um risco que no passado já causou perdas significativas às bancadas da oposição.
  3. A coligação não poderá contar com maioria qualificada no Congresso e, portanto, poderá não conseguir desmantelar a arquitetura jurídica e o modelo capitalista neoliberal que foi tecido durante 12 anos do regime golpista, e que trabalha a favor da oligarquia e das máfias governantes. Isso acarreta o risco de que a coalizão seja tentada a diminuir as expectativas de seus planos para amenizar esse gargalo no Congresso, em detrimento da população e a longo prazo de seu próprio apoio político.

O que fazer

A primeira coisa é abandonar as más práticas dos acordos por baixo da mesa e das conciliações com o partido no poder, o que é um hábito, porque com a oligarquia não pode haver espaço para a mínima confiança. Tais práticas poderiam comprometer a aliança que se formou até agora e comprometer a frágil maioria no Congresso.

A segunda é que, neste período de transição do antigo para o novo governo, a coalizão organize a vigilância das instituições públicas para expor e impedir os roubos pelo governo cessante. Trabalhadores e vizinhos dessas instituições podem se organizar para alertar sobre eventos de roubo.

A terceira coisa, e prioritária, é que, uma vez instalado, o Povo, que lhe deu a vitória, precisa ter mecanismos participativos de massa que lhe permitam ser um aliado no enfrentamento da burocracia estatal, do poder legislativo e dos bancos conservadores, que certamente irão para a ofensiva para colocar o novo governo em cheque. Somente por meio de uma mobilização poderosa e de uma organização social ativa, em favor dos interesses do Povo, é que será possível derrotar a máfia conservadora e quebrar a ordem de coisas vigente. Para tanto, é necessário que o povo seja convocado a participar de plebiscitos, referendos, conselhos abertos e, sobretudo, a uma mobilização constante e crescente em favor de suas causas históricas.

A quarta coisa é aproveitar a vantagem que a coalizão dá de ter maioria simples no Congresso, no Poder Executivo e nas corporações municipais para cumprir medidas governamentais que amenizem diretamente a crise econômica e social da maioria, especialmente as medidas que tirem a população do atoleiro em que a corrupção, a pandemia e os furacões a deixaram. É fundamental proporcionar conquistas tangíveis e visíveis à população, em vez de priorizar o apoio aos líderes empresariais.

A quinta coisa é usar o poder delegado pelo Povo ao governo para frear o braço repressivo das Forças Armadas e da polícia nacional e municipal, possibilitando a livre mobilização popular. Para isso, é necessária uma reestruturação imediata dos principais níveis de comando das instituições armadas, inclusive para prevenir a eventualidade de um golpe militar.

A sexta coisa é se livrar da camisa de força da institucionalidade política existente no longo prazo, especialmente do gargalo do Congresso Nacional, começando por não ceder à tentação de priorizar negociações que acabem abaixando as bandeiras que interessam aos e, a médio prazo, iniciando um processo de convocação de uma Assembleia Constituinte Original que consulte diretamente o Povo Soberano e que se torne uma potência democrática, com os poderes necessários para se livrar da legislação em vigor que impede as mudanças.

Em suma, um governo que quer beneficiar o povo não poderá fazê-lo com as velhas práticas políticas conciliatórias, com a velha máquina estatal existente e sem a participação popular. É necessário um novo tipo de estado em que as massas populares sejam as protagonistas. Somente com medidas como essas o novo governo poderá romper os limites que o modelo político oligárquico lhe impôs para governar, e assim imaginar uma outra Honduras. Caso contrário, a longo prazo, o povo ficará decepcionado e a correlação de forças que o sustenta se perderá.

*Publicado originalmente no portal Criterio.hn, em 01/12/2021.
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