“É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”
Paulo Freire
Neste domingo, o pernambucano Paulo Freire completaria 100 anos. Ele é considerado um dos fundadores da chamada pedagogia crítica e um dos pensadores mais notáveis da história mundial da Educação. Seu legado é imenso e necessário, especialmente nesses tempos sombrios, em que o governo Bolsonaro e seu atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro, atacam a educação pública de diversas formas, e na piora geral das condições de vida em decorrência dos impactos profundos da pandemia da COVID 19. Resgatar a contribuição do mestre, constantemente vilipendiado pelos reacionários de toda sorte e, particularmente, pela corrente neofascista que hoje dirige o país, é fundamental.
Paulo Freire, homenageado com mais de 35 títulos Doutor Honoris Causa de universidades da Europa e América, é o terceiro autor mais citado no mundo, com uma das mais importantes contribuições para educação. Ele desenvolveu uma metodologia de alfabetização de adultos que apresenta como ponto de partida o conhecimento trazido pelos educandos, baseada no contexto comunitário, e fundamentada no diálogo e na abordagem contra as opressões.
Não por acaso, o atual governo e seus aliados reacionários atacam constantemente a sua memória. Em entrevista ao Deputado Federal Eduardo Bolsonaro, o ex-ministro Weintraub afirmou que Paulo Freire é “feio, fraco e não tem resultado positivo”. Os ataques ao educador também partiram do próprio Bolsonaro ao afirmar que Paulo Freire era um “energúmeno” e sinalizar sua intenção de retirar o título de patrono da educação. Uma grande mobilização nas redes, além da sua incontestável influência e importância para o mundo, impediu o atual governo de executar a retirada do título.
Desde o anúncio de sua vitória no segundo turno das eleições de 2018, Bolsonaro demonstrou de forma inequívoca sua disposição em colocar a educação e a classe do magistério no centro de seu projeto contrarrevolucionário. Além da manutenção da política econômica ultraliberal, iniciada pelo governo Temer com o Teto dos Gastos, os ataques do governo Bolsonaro também assumiram a dimensão ideológica, que já havia ficado notabilizada na campanha eleitoral com uma série de factóides mentirosos (como os famigerados “kit gay” e “mamadeira de piroca”). Com as fake news e valores conservadores, o governo vive uma cruzada contra a “doutrinação” nas escolas, no combate do “marxismo cultural” e da “ideologia de gênero”. Sob a capa da “Escola Sem Partido”, o que vemos na realidade é que a extrema direita quer impor às escolas um partido único, de uma percepção atrasada, elitista, racista, machista e lgbtfóbica.
Por outro lado, ainda de acordo com os seguidores do ideólogo do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, a pedagogia freireana seria a responsável pelo desempenho negativo de estudantes brasileiros nas avaliações internacionais e nacionais. Reivindicam o retorno aos métodos tradicionalistas de educação (o “beabá” da cartilha Caminho Suave), que, apesar de tradicionais e muito presentes no cotidiano escolar, nunca apresentaram resultados satisfatórios e primam por um ensino enciclopédico, sem estímulo ao pensamento crítico e transformador na comunidade escolar. De outro lado, a metodologia de nosso patrono contribuiu com a surpreendente alfabetização de mais de 300 adultos em uma experiência em Angicos, no Rio Grande do Norte. Para sua melhoria, a Educação necessita de investimentos, que hoje são insuficientes decorrentes da política econômica aplicada no país desde a Constituição em 1988, a qual não foi acompanhada por um salto nos investimentos capazes de garantir o direito à universalização da educação básica pública com qualidade, e agravada nos últimos anos pelo Teto de Gastos. Além de investimentos, defendemos uma educação socialmente referenciada, que sempre foi parte das pautas de reivindicação do movimento, seja nas greves e mobilizações das categorias docentes de norte a sul do país, seja nas greves e mobilizações do movimento estudantil.
Construir a luta contra os retrocessos e pelos nossos direitos
O fato é que Bolsonaro e sua turma querem aprofundar a dinâmica de entrega de cada vez mais recursos para seus aliados, que deveriam ser investidos na educação pública, sejam eles integrantes da burguesia nacional e internacional, membros das corporações militares (contemplados pelo avanço das escolas militares e cívico-militares), ou mercadores da fé (interessados no “homescholling”, que beneficiará as editoras ligadas às grandes igrejas neopentecostais, ou nas verbas do FUNDEB). Os tubarões do ensino privado seguem interessados em abocanhar fatias ainda superiores dos investimentos públicos, por meio dos diversos mecanismos de privatização das verbas públicas, que se diversificaram através de muitos mecanismos das parcerias público-privadas.
Ademais, a necessidade da educação à distância diante da pandemia piorou ainda mais as condições de trabalho. Falta de preparação dos educadores, desigualdade no acesso a tecnologias e a precarização das aulas sem o contato humano tornaram exaustivas e adoecedoras as aulas nesse período. A isso se soma o problema da sobreposição das jornadas de trabalho, especialmente sobre as mulheres. Afinal, realizar as atividades docentes durante o isolamento significou para muitas famílias a coincidência com o cuidado com a casa e a família, o que é fruto de estresse diário.
Para aplicar seu projeto a serviço do capital, Bolsonaro necessita desmoralizar uma das principais trincheiras da resistência contra os ataques à educação pública. Esse é o sentido de sua sistemática ofensiva ideológica contra o magistério e as universidades públicas, que reúne a vanguarda do movimento estudantil, como ficou evidente no “tsunami da educação”, ainda em 2019. E esta é a base da persistente campanha ideológica contra uma das principais referências do debate educacional no Brasil e no mundo, numa perspectiva emancipatória e comprometida com as classes populares: o professor Paulo Freire. Bolsonaro, Weintraub e Milton Ribeiro são a representação, afinal, do anti-Paulo Freire.
Nesta conjuntura marcada pelo enfraquecimento relativo do governo e pela retomada das ruas pelos movimentos sociais, a partir da construção da Frente Única que se constituiu na Campanha Fora Bolsonaro, é fundamental resgatar o conceito de esperançar de Paulo Freire. É necessário fortalecer a unidade para encerrar este pesadelo que assola o povo brasileiro, como também para construir uma alternativa política da classe trabalhadora e dos movimentos de luta contra as opressões, sem alianças com a direita e o golpismo. É necessário levantar um programa que reverta os retrocessos vividos pela educação pública no país desde o golpe para cá e que permita que avancemos no sentido de aplicar uma concepção de educação comprometida com as classes populares, e que concretize o efetivo direito a uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade, numa perspectiva emancipadora.
Em sua última entrevista, Paulo Freire afirma: “Eu morreria feliz se eu visse o Brasil cheio, em seu tempo histórico, de marchas. Marcha dos que não têm escola, marcha dos reprovados, marcha dos que querem amar e não podem, marcha dos que se recusam a uma obediência servil, marcha dos que se rebelam, marcha dos que querem ser e estão proibidos de ser…”. Devemos nos inspirar em Paulo Freire e construir uma grande marcha no dia 02 de outubro. Vamos às ruas pelos nossos direitos!
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