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BRASIL

A esquerda na encruzilhada: é preciso abrir o caminho e derrotar o fascismo

Sostenes Brilhante R. Silva*, de Salvador, BA
@tiago_calmon

Ato em Recife

Um pântano ao longo do flanco da montanha.
Compromete todas as minhas conquistas anteriores.
Meus feitos, se eu pudesse secar esse pântano,
 Culminariam , bem como terminariam.
Abrir para milhões um espaço de vida
Não a prova de perigos, mas livre, para que todos corram.
Campos verdes e frutíferos: homens e animais vivendo.
Dessa terra nova, ao mesmo tempo, e florescendo,
Instalados, desde logo, sob esse morro protetor
Desfrutando uma terra tão celestial
E unida a esse conceito como uma Resposta
Encontro a forma final dessa visão:
Só é digno da vida e da liberdade
Aquele que tem de conquistá-la todos os dias
O Fausto, de Goethe

Assistimos mais um 7 de setembro, esta data supostamente da Independência, uma Independência incompleta, onde a imensa maioria da população brasileira permanecia escravizada e portanto no estado contrário a qualquer tipo de liberdade.

Mas este 7 de setembro nos revelou nesta “República sem republicanos” (para usar as palavras de Gyorgy Lukacs sobre a República de Weimar que precedeu a ascensão nazista na Alemanha) e sim, como dizia Hamlet, “há algo de podre no Reino da Noruega”.

Em entrevista ao Programa Faixa Livre na sua edição de 08/09/2021, o militante histórico da esquerda brasileira e vice-presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) Cid Benjamin declarou corretamente que “Bolsonaro virou a chave”. Quero partir desta constatação, a meu modo de ver precisa, para tentar refletir sobre os limites e possibilidades da esquerda na luta contra o fascismo que muito mais que um espectro, agora parece uma hidra de sete cabeças que pornograficamente escancara sua obscena vocação para o caos.

Uma analise marxista da conjuntura não pode ser feita senão com o objetivo de capturar o ser “precisamente assim da realidade” como dizia Gyorgy Lukacs, o método marxista não pode ser uma camisa de força de modelos pré-fabricados onde encaixamos ao sabor de nossas conveniências, medos ou esperanças a realidade, a análise não pode ser instrumental, ela deve ser objetiva, não de uma pseudo-objetividade coagulada e reificada como se a realidade fosse uma fotografia estática, mas sim compreendendo as múltiplas determinações e possiblidades que se encontram na própria vida.

De onde partimos para analisar o atual momento? Qual a chave que nos permite captar o movimento tumultuado e aparentemente caótico da história contemporânea de nosso país?

A nosso modo de ver arena politica atual só pode ser entendida a luz dos últimos cinco tristes anos que se iniciam com as movimentações golpistas que culminaram na deterioração da forma de democracia de cooptação que se estabeleceu com o aggiornamiento da Autocracia Burguesa (Fernandes, 2020) e teve seu auge no ciclo petista, uma democracia limitada, racionada que combinava coágulos de consenso (lastreada pela existência de relativa liberdade democrática de organização mesmo que constrangida por mecanismos autocráticos de diversos tipos, e pela existência de certa expectativa de direitos consolidada na Constituição de 1988) com expedientes típicos de uma contrarrevolução permanente (repressão nas periferias, encarceramento em massa, violência contra militantes e ativistas especialmente no campo, lembremos de Eldorado dos Carajás, da missionária Doroth Stein) .

O golpe de 2016 iniciou a crise terminal da Nova República, infelizmente como diria Hegel “a coruja de Minerva só levanta voo ao entardecer” e ao vivermos o calor do momento ainda não podemos saber qual será o desenlace deste processo, mas já sabemos que o que estamos vivendo e ainda estamos por viver significa uma nova fase da luta de classes no Brasil, há uma crise orgânica e o Estado enquanto “condensação material de uma relação social de forças” (Poulantzas, 2000) sofre uma metamorfose de resultado ainda incerto.

O governo Bolsonaro significou um passo preocupante rumo a fascistização do regime politico decadente da Republica de 1988, sendo um governo fascista em um regime em decomposição, contando com uma “Sagrada Aliança” dos reacionários e direitistas brasileiros o mesmo apresenta como seu projeto estratégico a fascistização do regime politico brasileiro, no que inova a medida que a via da Autocracia Burguesa sempre teve a característica de transições pelo Alto, acordos de cúpula, intervenções militares e sempre teve ojeriza aos métodos plebeus, como dizia Trotsky, dos fascistas.

A pandemia do COVID 19 no entanto assestou um golpe a esta corrente de extrema direita fascista que é o núcleo duro do governo Bolsonaro, a gestão “necropolitica” da pandemia a partir de certo ponto contraria os interesses dos “Faria Limers” e dos nada impolutos habitantes dos prédios da Avenida Paulista, de modo que o governo Bolsonaro começou a gerar resistências dentro do próprio bloco no poder e ainda mais a criar profundo mal estar social em amplos estratos da população cada vez mais acossados pela alta do custo de vida, pela morte na pandemia, pela fome, pelo desemprego e pela sensação de estar num navio onde o comandante pura e simplesmente parece uma figura saída do Inferno de Dante.

Aqui estamos nós a beira do abismo. A capacidade que a esquerda demonstrou até agora foi capaz de demonstrar que haverá resistência, que a esquerda não foi derrotada, apesar de se encontrar ferida e machucada.

Diante da crise do governo Bolsonaro, do agravamento da pandemia, os diversos atores da arena politica procuram construir alternativas que contemplam seus interesses de classe. Basicamente a oposição a Bolsonaro possui hoje duas alas: uma moderada que tendo inclusive avalizado a subida de Bolsonaro ao governo e é composta pela direita tradicional e setores da burocracia não eleita do Estado (Judiciário, à frente STF), o objetivo real desta oposição é “ controlar” o fascismo, colocá-lo na coleira e preparar sua substituição dentro da institucionalidade autocrática da República de 1988, substituindo-o por um filho dileto da burguesia brasileira (a verdadeira, segundo eles, não os arrivistas como o malfadado “veio da Havan”).

A anulação das condenações de Lula não é o resultado do entendimento dos doutos juízes dos flagrantes ilegalidades e casuísmos jurídicos constantes das mesmas, é uma ação tática das frações da burocracia estatal não eleita em confluência com o interesse da burguesia brasileira de superar o bolsonarismo mantendo todo o conjunto de atrocidades produzidas desde o golpe de 2016, criando um inimigo real ao qual se acena para um pacto… mas apostando na criação de uma terceira via.

Como reage Bolsonaro e sua claque as manobras da direita tradicional e a crescente insatisfação canalizada pelas manifestações capitaneadas pela esquerda? O mesmo faz ouvidos moucos aos apóstolos da moderação, aos chamados das instituições republicanas ao “respeito a autonomia do Poderes”, a sua convivência pacifica.

Bolsonaro como representante máximo de uma corrente fascista é um demagogo e um agitador, diante de seu enfraquecimento ele procura virar a mesa. A escalada de sua demagogia golpista significa que ele compreende que hoje por hoje ele sairia derrotado das eleições, as alterações feitas no Comando das Forças Armadas, o chamado ao Sete de Setembro procuram sim reafirmar sua posição e criar a possibilidade de uma mudança drástica no regime vigente.

As manifestações de terça-feira, onde ele aventou a convocação do Conselho da República, supostamente para declarar uma medida de exceção, mesmo que soe no momento como uma bravata devido à falta de condições reais de proceder a esta manobra, significa que ele está disposto a afrontar a institucionalidade atual e destituir os seus inimigos com um golpe de força. Sejamos honestos, Bolsonaro não possui lastro na classe dominante para um golpe, não possui correlação de forças na sociedade para isto, o fator militar é uma incógnita, mas o permanente tensionamento da institucionalidade e a incapacidade destes de reagir a altura (vide as tíbias colocações de Lira e Pacheco, e veremos a reação do STF…) pode estabelecer as condições para uma aventura golpista, seja diante de um impeachment seja diante de uma esperada derrota eleitoral e a manifestação de ontem demonstra que a serpente, mesmo que enfraquecida, continua viva.

A esquerda por sua vez encontra-se hegemonizada por uma crença atávica nas virtudes do republicanismo, apesar da importância das lutas até aqui travadas, as direções majoritárias da esquerda brasileira (ou seja, principal partido político, o PT, sua direção hegemônica, as principais organizações sindicais como CUT e CTB) parecem não ter retirados as lições do golpe.

Valter Pomar, quadro petista crítico desta orientação, disse em entrevista ao canal no youtube do Opera Mundi, em 08 de setembro, que esta esquerda fala de golpe mas nunca retirou as lições do mesmo. A constituição de uma autêntica frente única deve ser o objetivo da esquerda revolucionária, mas isto só será possível se as direções majoritárias entendam a sua responsabilidade e parem de “jogar parado” esperando o processo eleitoral como se não estivéssemos em uma “República sem Republicanos” e como se não houvesse ocorrido o golpe de 2016.

Setores da esquerda revolucionária criticam esta orientação pela Frente Única alegando que a direção majoritária do PT está comprometida com uma Frente Ampla e, portanto, iludiriam as massas os que defendem um diálogo critico com os setores moderados pela necessidade de uma frente única. Não está na esquerda revolucionária, sejamos honestos, a direção das massas, toda tentativa de se isolar num sectarismo infantil apenas conduzira os defensores mais coerentes de um “programa de esquerda em um governo de esquerda’ sem ignorar o pesadelo do fascismo, a impotência e a marginalidade.

Não devemos estar impressionados com a realidade, nem exagerar o poder do Bolsonarismo e alimentar uma desmoralizante crença no quietismo político, não há hoje correlação de forças para um golpe, mas a corrente fascista é uma ameaça a vida e a liberdade da maioria do povo brasileiro, especialmente a esquerda e os setores oprimidos. Por isto não há que esperar um lento esvair (que pode não se confirmar) até 2022 é preciso unidade e luta. Só a luta de massas na rua e nos locais de trabalho contra a fome, o desemprego,a reforma administrativa, as privatizações em curso pode criar as condições para a queda do cavernícola que ora nos governa. Mas isto só não basta, é preciso um programa de reconstrução do pais, que rompa com o legado do golpe, e para que isto não seja uma mera declaração de fé, mas sim uma práxis autentica com o protagonismo da luta dos trabalhadores que parta das necessidades reais da vida cotidiana e permita criar uma verdadeira nação, que supere o apartheid socio-racial que caracteriza nosso Estado enquanto autocracia burguesa.

O Sete de Setembro demonstrou que existem forças vivas na sociedade que podem sim construir este futuro sonhado por gerações de brasileiros e brasileiras, mas que também do outro lado as forças do obscurantismo, do irracionalismo e do fascismo se alimentam permanentemente das mazelas de 500 anos de muita invasão e escravidão. O fascismo virou a chave… cabe a esquerda compreender a responsabilidade histórica que lhe cabe na luta contra a fascistização da sociedade brasileira, pois como nos ensinou o grande poeta: “só e digno da vida e da liberdade quem tem de conquistá-la todos os dias” (Goethe).

*Licenciado em História, militante do PSOL.

 

Referências Bibliográficas

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Ensaio de Interpretação Sociológica. Curitiba Kotter Editorial; Contracorrente, 2020.

POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder e o Socialismo. São Paulo, Paz e Terra, 2000.

 

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Governo Bolsonaro