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Lutar para votar: breves considerações sobre o sete de setembro de Jair Bolsonaro

Manifestante ergue cartaz com a frase: Milico recua quando o povo vai pra rua!
@tiago_calmon

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

Socialmente desgastado tanto no “andar de cima” quando no “de baixo”, e a pouco menos de um ano do pleito, o que Bolsonaro pretendia neste insólito sete de setembro era dar uma demonstração de força, e isso ele inegavelmente o fez. Apoiando-se nos “andares do meio”, nos aparelhos de repressão e financiado pela sua lumpemburguesia de “origem e fortuna duvidosas”, o chefe neofascista do Executivo lançou mão de uma retórica tipicamente bonapartista, se colocando como o único legítimo intérprete do povo e desferindo suas diatribes contra os outros poderes da república, partidos, juízes, governadores, imprensa e demais instituições da nossa decadente democracia blindada (o tal “sistema” que, segundo ele, o impediria de governar).

Como já é comum entre os golpistas desde o pós-Segunda Guerra – e os nossos golpistas de 1964 não nos deixam mentir -, Bolsonaro atribuiu intenções golpistas aos seus adversários, transformando, assim, em palavras, as suas próprias intenções golpistas, caso traduzidas em ações, em contragolpes preventivos, norteados pela “defesa das liberdades”, da “democracia” e pelo “respeito à Constituição”. A preservação da ordem burguesa para Bolsonaro, portanto, parece não poder prescindir da liberdade de expressão – isto é, da liberdade de oprimir alguém – , da liberdade de organização – isto é, da liberdade de organizar milícias armadas e digitais -, da liberdade de se defender – isto é, da liberdade de portar e usar armas indiscriminadamente -, e da defesa da democracia – isto é, da defesa de que só são legítimas as eleições em que ele mesmo, enquanto candidato, defina as regras e os procedimentos referentes ao sufrágio do conjunto dos cidadãos votantes.

Desesperada, uma jornalista da burguesia liberal diz ao vivo na TV que, ao emular seu setor “ideológico” e apelar para o conflito com os demais poderes, Bolsonaro perde a oportunidade de “governar como deveria”, de “fazer as reformas que o país precisa”, em especial a implementação da tal “autonomia do Banco Central” – essa gente é capaz de agir como um condenado que, enquanto observa o carrasco afiar o machado, pensa não em tomar-lhe a arma, e sim em lhe pedir encarecidamente alguns trocados.

Em meio a essa ofensiva bonapartista de Bolsonaro, à esquerda socialista – para quem em nada adianta subestimar os acontecimentos de hoje, tentando tomar, para ela, em palavras, a vitória do seu principal inimigo – caberá, ao que tudo indica, se preparar para ferozes lutas no ano que vem, pois, diferentemente do que propaga a fé institucionalista da esquerda moderada, somente a conquista das ruas e a construção de um forte movimento de massas poderão ser capazes de garantir a realização do pleito em outubro de 2022. Assim, a disjuntiva “votar ou lutar” se torna, na prática, totalmente falsa. Aos que achavam que pela simples mágica do sufrágio universal poderiam nos livrar para sempre de todo o mal, talvez valha a pena dizer-lhes: se quiseres votar, trate de lutar!