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Do marxismo ao liberalismo (ou Dos Trabalhadores aos Tucanos): uma nota sobre Francisco Weffort

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

Em 2009, a convite do amigo e professor Marco Aurélio Santana, dividi, em sua disciplina na pós, uma aula sobre Gramsci com Francisco Weffort. Cheguei até a corrigi-lo sobre a influência do marxista sardo em seus primeiros e fundamentais artigos sobre o populismo, escritos nos anos 60 – de memória, Weffort afirmara em aula que só utilizaria Gramsci a partir dos anos 1970, depois de um curso que deu sobre o mesmo.

Foi curioso, e ele gostou. Depois da aula, falamos sobre minha tese (então em construção, e que o tem como um dos objetos e referências teóricas principais), e lhe perguntei sobre Trotsky (bonapartismo sui generis – populismo) e sua aproximação com o posadista POR nos anos 1950, do que ele, diferentemente de Ruy Fausto, a quem eu havia entrevistado, já não se lembrava – enquanto FHC, por sua vez, certamente se lembra, mas nos pediu para esquecer… Como uma espécie de sina que recaiu sobre os uspianos marxistas daquela incrível e fértil geração, Weffort foi tornando-se gradativamente um liberal, tanto nas concepções teóricas sobre a democracia, como, um pouco depois, na politica propriamente dita.

A obra de Weffort segue sendo fundamental para os interessados em compreender um pouco sobre a dialética da modernização capitalista brasileira que, se um dia, combinou a coerção e a manipulação com industrialização, direitos e reformas, hoje parece só poder combiná-las com destruição e distribuição aos miseráveis das migalhas e sobras.

Se, em 1985, era o secretário geral de um Partido dos Trabalhadores que expulsou os três deputados rebeldes que votaram em Tancredo Neves nas maculadas eleições indiretas para a Presidência, em 1995, depois de ter estado na coordenação da campanha de Lula no ano anterior, aceitou o convite do seu velho amigo da USP, vitorioso no pleito, e se tornou ministro da Cultura durante os dois mandatos do “Príncipe da sociologia”, então convertido em dublê de banqueiro – pra resgatar aqui as palavras de Chico de Oliveira, outros marxista uspiano que nos deixou recentemente.

Contudo, diferentemente da maioria de seus colegas intelectuais transformados em homens de Estado, a começar pelo próprio presidente, Weffort, como numa espécie de exceção à regra do liberalismo brasileiro, não parece ter enriquecido com a passagem pelo poder, o que, por óbvio, não abona em nada sua deletéria opção política. Nunca soube muito sobre sua gestão ministerial, mas parece que foi, para além dos efeitos do contingenciamento de gastos neoliberal, bem pobre culturalmente – mas, como tudo é relativo, vale lembrar que hoje temos à frente da cultura um sujeito do naipe de Mário Frias, cujas credenciais para o cargo remetem à época Malhação…

O fato de ter tomado comigo um café horrível do terceiro andar do IFCS, onde então lecionava como professor convidado (pra uma turma cuja presença girava em torno de 4 alunos, e numa salinha velha e sem ar condicionado) me disse bem de Weffort naquele dia, de quem eu era um admirador crítico de sua rica teoria e um adversário declarado de sua perfídia política.

Por fim, vale lembrar que se a “teoria do populismo” de Weffort e Ianni (este nunca mudou de lado, convém lembrar) sofreu inúmeras críticas na produção acadêmica, as quais, em sua maioria, levantaram aspectos teóricos e empíricos importantes sobre o tema, nenhuma delas chegou a superar as incontornáveis páginas da coletânea “O populismo na politica brasileira”.

A obra de Weffort segue sendo fundamental para os interessados em compreender um pouco sobre a dialética da modernização capitalista brasileira que, se um dia, combinou a coerção e a manipulação com industrialização, direitos e reformas, hoje parece só poder combiná-las com destruição e distribuição aos miseráveis das migalhas e sobras.