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TEORIA

O breve verão da revolução: 85 anos da morte de Buenaventura Durruti

Bruno Rodrigues*, de Fortaleza, CE

No dia 20 de novembro de 1936, há 85 anos, morria nas barricadas antifascistas de Madri o lendário dirigente anarcossindicalista espanhol e um dos maiores revolucionários do século XX, José Buenaventura Durruti. Durruti foi, ao longo de toda a sua vida, não só um exemplo de entrega militante à revolução socialista, mas um intransigente lutador da independência de classe.

Durruti nasceu na cidade de Leon, em um berço autenticamente proletário. Aos 14 anos aprendeu o ofício de mecânico junto às primeiras lições de socialismo, através de Melchor Martínez, um operário que também foi seu tutor político.

A greve geral de 1917 foi o batismo de fogo para Durruti, então filiado à UGT, central sindical de corte socialista. Mas em 1920, já vivendo em Barcelona, o coração industrial do país, aderiu à CNT, central sindical de corte anarcossindicalista, na qual militou até o fim da vida. Contudo, mesmo pertencendo ao quadro de filiados da mais poderosa central sindical do país, nesse período Durruti se destacou sobretudo pelas ações insurrecionalistas que realizou ao lado de outras notáveis figuras do anarquismo espanhol.

Los solidários

Em fins de 1923 se iniciava na Espanha a ditadura de Miguel Primo de Rivera, que governou com apoio do rei Alfonso XIII. Nesse período era comum a atuação de grupos conhecidos como Pistoleros, ou seja, matadores pagos para executar lideranças sindicais a serviço de donos de empresas e de altos clérigos. O assassinato do anarquista catalão, Salvador Seguí, foi uma das execuções políticas que mais atiçou a cólera dos trabalhadores. Como forma de resistência começaram a surgir vários grupos de contra-pistolagem e justiçamento, sendo o principal deles o que foi liderado por Buenaventura Durruti, Francisco Ascaso e Garcia Oliver, Los Solidarios.

Los Solidarios. De cima para baixo: Garcia Oliver, José Durruti e Francisco Ascaso.

O ano de 1923 também foi marcado pela intensa atuação de Los Solidarios. Nesse mesmo ano o grupo tomou parte em um mega-assalto à sucursal do banco da Espanha em Gijón, nas Astúrias, e no justiçamento do cardeal Juan Soldevila y Romero, financiador e acobertador de bandos de Pistoleros de Saragoça, em Aragão.

Por conta dessas ações, Durruti e Ascaso tiveram que fugir da Espanha, até serem presos na França, em 1925, acusados de planejar a execução do rei espanhol que estava em visita a Paris. Entretanto, com a queda da monarquia na Espanha em 1931, ambos puderam voltar ao país e se reintegrarem à CNT.

O golpe fascista precipita a guerra civil

A república democrática proclamada em 1931 teve, contudo, sua existência marcada por permanentes convulsões. Insurreições camponesas seguidas de massacres por parte da guarda-civil, motins, greves e quarteladas foram eventos frequentes ao longo da primeira metade da década de 30.

Mas com a vitória do bloco eleitoral da Frente Popular, em fevereiro de 1936, abriu-se uma conjuntura de intensa ofensiva da classe trabalhadora na cidade e no campo. Fábricas e terras foram ocupadas, milhares de presos políticos foram retirados das prisões, os demitidos foram reincorporados e greves salariais começaram a se intensificar.

Nesse quadro, as tensões no país se acirraram ainda mais e os setores reacionários como a CEDA, a Falange e os generais, começaram a agitar abertamente sua disposição para um golpe. Já nos primeiros dias da vitória da Frente Popular, ainda que esta fizesse de tudo para manter uma aparência de ordem, o clima geral no país era de que uma guerra civil se avizinhava de forma inevitável. Nas sessões das Cortes realizadas durante o mês de junho em meio a ondas de greves de operários metalúrgicos e da construção, parlamentares da direita, como Calvo Sotelo, faziam discursos em tom de ameaça: “Diante deste Estado estéril, levanto o conceito de Estado integral (…). A este estado muitos chamam de Fascista. Pois se este é o Estado Fascista, eu, que compartilho da ideia deste Estado, eu que acredito nele, me declaro fascista.” [1]

Francisco Franco e Emilio Mola

Em julho de 1936 finalmente estavam reunidas as condições e apoio político necessário para o início do golpe. Uma junta militar liderada pelos generais Emilio Mola, José Sanjurjo, Queipo de Llano e Francisco Franco transmitiu às tropas aquarteladas e ao conjunto da nação um Pronunciamiento convocando a derrubada do governo legal da Frente Popular. Arriba España era a senha para disparar o golpe em toda a península.

Entretanto, no dia 19 de julho as ruas de Barcelona amanheceram cobertas por dezenas de barricadas, carros apinhados de combatentes circulavam de uma ponta à outra, quartéis eram tomados pelos rebeldes, guarnições da guarda civil se uniam aos operários e as bandeiras da CNT podiam ser vistas em vários prédios e ruas da cidade. O proletariado catalão, apesar dos esforços de apaziguamento feitos pelo governo, se levantou e, em poucas horas, esmagou o golpe na região. Valência, Oviedo e Madrid também se insurgiram contra os generais de Franco e acabaram tomadas pelos operários.

Milicianos organizados na Coluna Durruti

Para passu à resistência proletária ao golpe de Franco, teve início de fato, uma flamante revolução social nas regiões da Espanha liberadas pelos operários. A serviço dessas duas tarefas inseparáveis, Durruti liderou o maior e mais temido batalhão antifascista de toda a Espanha, a lendária Coluna Durruti, batizada em sua homenagem. Formada por 6000 milicianos [2] a coluna Durruti se formou durante os combates em Barcelona contra as tropas do general golpista, Manuel Goded. 

Em uma entrevista concedida em Barcelona no dia 25 de julho a um jornalista canadense, Durruti defende ir além da República e da Frente Popular para combater Franco:

“Todos os trabalhadores da Espanha sabem que se o fascismo triunfa virá a fome e a escravidão. Mas os fascistas também sabem o que os espera se perderem (…) Estamos decididos a acabar de uma vez por todas [com o fascismo], e isto apesar do Governo”, disse Durruti. “Por que você diz apesar do governo? Por acaso este governo não está lutando contra a rebelião fascista?”  perguntou, um tanto surpreso, o jornalista.
A resposta de Durruti sintetiza uma visão da revolução e uma posição oposta pelo vértice diante do Governo, a qual apenas alguns meses mais tarde levaria a García Oliver e companhia a entrar no governo: “Nenhum governo no mundo luta contra o fascismo até suprimi-lo. Quando a burguesia vê que o poder lhe está escapando, recorre ao fascismo para manter o poder de seus privilégios. E é isso que acontece na Espanha. Se o governo republicano quisesse acabar com os elementos fascistas, poderia ter feito isso há muito tempo. E em vez disso, foi complacente, buscou acordos e desperdiçou seu tempo procurando compromissos e acordos com eles. Ainda neste momento, há membros do governo que querem tomar medidas muito moderadas contra os fascistas”. E Durruti sentenciou: “Quem sabe se o governo ainda espera usar as forças rebeldes para esmagar o movimento revolucionário desencadeado pelos trabalhadores”.

E ainda

“Largo Caballero e Indalecio Prieto afirmaram que a missão da Frente Popular é salvar a República e restaurar a ordem burguesa. E você, Durruti, me diz que o povo quer levar a revolução o mais longe possível. Como interpretar essa contradição?” “O antagonismo é evidente -diz Durruti- Como democratas pequeno-burgueses, estes senhores não podem ter outras ideias do que aquelas que professam. Mas o povo, a classe operária, está cansada de ser enganada. Nós lutamos não pelo povo, mas com o povo, isto é, a revolução dentro da revolução. Estamos conscientes de que nesta luta estamos sozinhos e que só podemos contar com nós mesmos. Para nós não significa nada que exista uma União Soviética em uma parte do mundo, porque sabíamos de antemão qual seria sua atitude em relação à nossa revolução. Para a União Soviética, a única coisa que conta é a sua tranquilidade. Para desfrutar dessa tranquilidade, Stalin sacrificou os trabalhadores alemães para a barbárie fascista. Antes foram os operários chineses que foram vítimas deste abandono.”

Esmagado o golpe em toda a Catalunha, Durruti reuniu sua coluna e partiu para Aragão, no Estado Espanhol, com o objetivo de libertar a região. Em Aragão, o batalhão de Durruti lutou unindo guerra e revolução, ou seja, combateu tropas inimigas, libertou povoados agrários e incentivou a coletivização de terras por onde passou, como política para ganhar o apoio da massa proletária rural, secularmente explorada pelo alto clero e pelos militares.

Durruti dirige-se aos combatentes da sua coluna

Os combates na frente aragonesa foram intensos e duraram até outubro, quando os fascistas foram finalmente expulsos e a região terminou comandada pelo Comitê de Defesa Regional de Aragão, presidido pelo pedreiro anarcossindicalista, Joaquim Ascaso.

No dia 4 de novembro de 1936, pouco antes de partir de Aragão, Durruti pronunciou um discurso no qual ficou cada vez mais evidente sua oposição ao governo da Frente Popular em geral, e à ala majoritária da CNT-FAI em particular:

“Os da frente pedimos sinceridade, especialmente à Confederação Nacional do Trabalho e à FAI (…) é necessário começar organizando a economia da Catalunha, estabelecer um Código na ordem econômica. Não estou disposto a escrever mais cartas para que os companheiros ou o filho de um miliciano coma um pedaço de pão ou um copo de leite mais, enquanto há conselheiros que não têm limites para comer e gastar. Dirigimo-nos à CNT-FAI para lhes dizer que, se como organização controlam a economia da Catalunha, deveriam organizá-la adequadamente. (…) O fascismo representa e é, de fato, a desigualdade social, se não querem que aqueles de nós que lutamos, os confundam aos da retaguarda com nossos inimigos, cumpram seu dever. A guerra que estamos fazendo atualmente serve para esmagar o inimigo na frente, mas este é o único inimigo? Não. O inimigo é também aquele que se opõe às conquistas revolucionárias e que está entre nós, e que também esmagaremos da mesma forma. (…) Se essa militarização decretada pela Generalitat é para nos assustar e impor uma disciplina de ferro, se equivocaram. Vocês se equivocaram, conselheiros, com o decreto de militarização das milícias. Já que vocês falam de disciplina de ferro, eu digo a vocês para vir comigo para a frente. Nela estamos aqueles  que não aceitamos nenhuma disciplina, porque somos conscientes para cumprir com nosso dever. E vocês verão nossa ordem e nossa organização. Depois viremos para Barcelona e perguntaremos sobre sua disciplina, sua ordem e seu controle, que vocês não têm.”

Ao libertar Aragão, o batalhão de Durruti chegou à Madri para participar de sua defesa. Todavia, na tarde do dia 19 de novembro, em uma batalha na cidade universitária da capital, Durruti foi ferido por um disparo feito do alto de um prédio, fato até hoje imerso em controvérsia. Durruti ainda foi conduzido ao hospital instalado no Hotel Ritz, em Barcelona, mas acabou falecendo na madrugada do dia seguinte. Morria o gigante do proletariado espanhol. 

O cinismo dos oportunistas no adeus a Durruti

Comoção popular no funeral de Durruti

O funeral de Durruti, realizado no dia 22 de novembro em Barcelona, foi uma cerimônia antifascista de massas. Neste dia compareceram mais de meio milhão de pessoas à capital catalã para se despedir do líder revolucionário.

Garcia Oliver, Lluis Companys e Antonov Ovssenko, o cônsul soviético e fiador dos grupos stalinistas locais, tentaram fazer da cerimônia uma celebração chapa branca, omitindo o fato de que, ao fim e ao cabo, a morte de Durruti foi útil à Frente Popular.

Como narra Abel Paz: 

“Os três concordaram em elogiar a unidade antifascista acima de tudo. O catafalco de Durruti já era uma tribuna da contrarrevolução. Três oradores, proeminentes representantes do governo burguês, do stalinismo e da burocracia da CNT, disputavam a popularidade do ontem perigoso, incontrolado e hoje embalsamado herói. Quando o caixão, oito horas após o início do espetáculo, sem o cortejo oficial, mas ainda acompanhado por uma curiosa multidão, chegou ao cemitério de Montjuic, não pôde ser sepultado até o dia seguinte, porque centenas de coroas obstruíam a passagem, o buraco era muito pequeno e uma chuva torrencial impedia que fosse ampliado. A sagrada unidade antifascista entre burocratas operários, stalinistas e políticos burgueses não podia tolerar descontrolados da magnitude de Durruti: é por isso que sua morte era urgente e necessária. Ao opor-se à militarização das milícias, Durruti personificava a oposição e resistência revolucionárias à dissolução dos comitês, à direção da guerra pela burguesia e o controle estatal das empresas expropriadas em julho. Durruti morreu porque se tornou um perigoso obstáculo para a contrarrevolução em marcha.”
Meio milhão de trabalhadores compareceram ao funeral de Durruti, em Barcelona, no dia 22 de novembro.

A Frente Popular organizou o desmonte da revolução

Compunham o governo da Frente Popular não somente o PSOE, o PCE, o POUM, os burgueses republicanos e os liberais nacionalistas da Catalunha e País Basco, mas também o bloco da CNT-FAI, que entrou no governo com não menos que quatro ministros: Garcia Oliver na Justiça, Federica Montseny na Saúde, Joan Peiró na Indústria e Juan López Sánchez no comércio. A justificativa levantada pela esquerda socialista e anarquista espanhola baseava-se na falsa ideia de que o gabinete da Frente Popular deveria ser o único e principal front a partir do qual se enfrentaria a contrarrevolução dos generais fascistas.

Dentro do campo republicano, criava-se uma divisão à medida que a revolução e a guerra avançavam. Enquanto os setores majoritários do anarquismo, o PSOE e os stalinistas, para manter o pacto com os burgueses republicanos no marco da Frente Popular, afirmavam que vencer a guerra deveria ser a tarefa principal, em detrimento das conquistas socialistas, Durruti foi um dos poucos a defender a ideia de que, para vencer Franco, seria necessário avançar na implementação de medidas socialistas no campo e na cidade, combinando guerra e revolução, o que lhe valeu a pecha de ‘anarco-bolchevique’ dentro da CNT. 

Ruptura com o anarquismo frente-populista e o surgimento de Amigos de Durruti 

Jaime Balius, fundador e dirigente do grupo Los Amigos de Durruti

Como todo bloco conciliatório, a Frente Popular atuou como pôde para desmobilizar a revolução dentro de seu próprio terreno. Assim, em 15 de fevereiro de 1937 foi decretada a requisição de todas as armas nas mãos dos operários, a dissolução das milícias independentes, a centralização das empresas coletivizadas junto ao gabinete econômico do governo e a reconstrução de um corpo policial único e leal à Frente Popular. Tais medidas, equivalentes a um balde de água gelada sobre os milhares de trabalhadores em armas, foram tomadas com a complacência dos ministros da CNT-FAI.

Contudo, as ideias radicais de Durruti, intransigentes para com os chefes vacilantes da Frente Popular, seguiam vivas entre os trabalhadores. Em princípios de 1937 elas deram luz ao grupo Amigos de Durruti, forjado a partir de ex-membros da antiga Coluna Durruti e cujo programa preservava a linha que defendia a combinação entre guerra e revolução como tarefas indissolúveis e intrinsecamente recíprocas.

Assim, em abril de 1937, Barcelona amanhecia toda empapelada com cartazes colados pelos Amigos de Durruti, cujas consignas exigiam: Todo o poder para a classe Trabalhadora e aos organismos democráticos de operários, camponeses e combatentes!

O amigo do povo, imprensa publicada pelo grupo revolucionário Amigos de Durruti

As juventudes libertárias da Catalunha, também inspiradas em Durruti, agitaram um manifesto incendiário no qual denunciavam o grupo stalinista Juventudes Socialistas Unificadas, como um agrupamento contrarrevolucionário. O manifesto na prática marcava sua ruptura com a ala do anarquismo que capitulou vergonhosamente à Frente Popular:

“Negam o envio de armas para o front revolucionário de Aragão. O governo central boicota a economia catalã para termos que renunciar às nossas conquistas revolucionárias. Enviam para o front os filhos do povo, mas mantém forças uniformizadas na retaguarda com propósitos contrarrevolucionários. Amplia-se o terreno para uma ditadura, mas não proletária, e sim burguesa. Estamos decididamente dispostos a não nos responsabilizamos pelos crimes e traições contra a classe trabalhadora. Se necessário, estaremos dispostos a voltar à luta clandestina contra os mentirosos, contra os tiranos do povo, contra os miseráveis mercadores da política. Que não venham certos camaradas nos apaziguar com palavras. Não renunciaremos à nossa luta. Os automóveis oficiais e a vida sedentária de burocratas não nos encanta.”

Havia, portanto, ainda um fio de esperança. Contudo, a situação era muito delicada, já que a Frente Popular tinha obtido bastante sucesso na reconstrução de tropas leais, na dissolução das coletivizações e na desarticulação das milícias independentes. Ao passo que o POUM e a CNT seguiam cumprindo o vergonhoso papel de coro laudatório da Frente Popular.

Para evitar que uma nova faísca incendiasse o país, a Frente Popular chegou inclusive a proibir as comemorações do 1º de maio de 1937. 

Jornadas de Maio de 1937: prisões lotadas de anarquistas e ruas cheias de cadáveres

Em maio, os stalinistas da Catalunha organizaram uma provocação contra a CNT. O prédio da central telefônica de Barcelona era, até então, controlado pelos militantes da central anarcossindicalista. Para os stalinistas, era necessário devolver o controle da central à Frente Popular.

Coube ao stalinista PSUC a execução deste trabalho sujo. Contudo, eles não contavam que a central telefônica, sendo um símbolo do levante de julho de 1936 na capital catalã, despertaria um sentimento tão forte de defesa da revolução. Foi este o estopim para as jornadas de maio de 1937. 

Antigo prédio da Central Telefónica de Barcelona, ocupada pela CNT e retomada pelo stalinistas do PSUC

Nas barricadas de maio de 1937, solidarizaram-se e lutaram ombro a ombro, os militantes de Amigos de Durruti, as Juventudes Libertárias, segmentos minoritários do POUM e os militantes da pequena organização bolchevique-leninista, ligada à IV Internacional, contra o desmonte da revolução promovido pelos stalinistas, pelo PSOE, pelo PC e demais partidos da Frente Popular.

O trotskista polonês e combatente da frente militar de Aragão, M. Casanova, narrou em seu livro de memórias que os Amigos de Durruti chegaram até a distribuir o jornal Voz Leninista, editado pelos trotskistas, nos bairros operários de Barcelona.

Em unidade, esses grupos defenderam as bandeiras da revolução e convocaram a formação de uma junta revolucionária para impor um programa sem margem de conciliação com a Frente Popular: socialização da economia, dissolução da GNR – Guarda Nacional Republicana e a dissolução dos partidos adversários da insurreição. Essas ideias, intensamente agitadas nas incendiárias jornadas de maio de 1937 foram, contudo, o canto do cisne da revolução espanhola. 

O PSUC retomou a central telefônica até então ocupada pela CNT, logo depois que Garcia Oliver e Federica Montseny desembarcaram em Barcelona e se dirigiram à rádio local convocando as massas insurrecionais à calma e à volta ao trabalho. Foi mais um balde de água gelada despejado sobre o proletariado que constituiu o coração da revolução no Estado Espanhol.

Assim, as jornadas de maio de 1937 terminaram derrotadas à bala pelos revólveres e fuzis empunhados pelos stalinistas. Como desenlace desta derrota, os Amigos de Durruti foram finalmente postos na ilegalidade e seu jornal, fechado. Algo similar ocorreu com o POUM, que teve sua imprensa e seu quartel fechados.

Desarticulada a revolução, estavam dadas as condições para o avanço fascista, o que de fato acabou ocorrendo, com a ofensiva militar dos generais de Franco até Madrid, Saragoça e finalmente Barcelona, os três principais centros revolucionários do país. Foi o começo do fim para uma das revoluções mais espetaculares do século XX[3].

Em memória de José Buenaventura Durruti

Ao longo de toda sua existência o Anarquismo se caracterizou como uma corrente indiscutivelmente combativa em seus métodos, embora limitada em sua estratégia política. O anarcossindicalismo, ou seja, a ideia baseada em uma estratégia segundo a qual a luta corporativa-sindical, regida por uma espécie de romantismo laboral, é o caminho para a libertação social é, na verdade apenas uma variação quente do velho reformismo já tão criticado por Marx, Engels, Lênin e Trotsky.

Contudo, Durruti e, posteriormente, os militantes organizados no grupo Amigos de Durruti, merecem um justo lugar na memória dos revolucionários do século XXI, porque simbolizam, à sua maneira, mas com veemente honestidade, a intransigência revolucionária frente a conciliação de classes; a independência proletária diante do frente populismo que, em toda sua história, semeou indiferença e arquitetou derrotas. Não titubearam, nem rebaixaram suas bandeiras, mesmo quando muitos de seus antigos camaradas, como Garcia Oliver, do alto dos palácios ministeriais da Frente Popular, os pediam para também fazê-lo; defenderam sem arrodeios a tomada do poder, quando uma parte ortodoxa do anarquismo seguia balbuciando amenidades contra a ideia de tomada do poder. Nem o exílio, nem a tortura nos cárceres stalinistas e nem mesmo o fuzilamento os impediu de defender de forma intransigente estas ideias revolucionárias.

NOTAS
[1] Todas as citações foram retiradas do livro Durruti en la Revolución española, do historiador espanhol Abel Paz. Disponível em: https://bit.ly/3DIspT3 
[2] O termo miliciano aqui se refere à milícia operária, ou seja, aos núcleos armados compostos de sindicalistas e ativistas proletários em geral. Não confundir com grupos paramilitares mafiosos que vivem da coação e extorsão de moradores em muitas comunidades pobres do Brasil.
[3] Também publicamos no portal Esquerda online uma série de três artigos sobre a guerra civil espanhola, que pode ser conferida nesse link: https://esquerdaonline.com.br/tag/serie-revolucao-espanhola/
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