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TEORIA

O Brasil à beira do abismo: a crise orgânica e o futuro do povo brasileiro

Sóstenes Brilhante R Silva*, de Feira de Santana, BA

Antonio Gramsci

“É preciso atrair violentamente a atenção para o presente tal qual ele é, se quisermos transformá-lo. Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade “
Antônio Gramsci 

“O tempo está fora do compasso. Loucura e vergonha que tenha eu nascido para consertá-lo“
 Hamlet, de Shakespeare 

1 Breve análise da crise: origens e decomposição do regime político da Nova República, fascistização, cesarismo larvar e as reações espasmódicas da luta de classes 

Para muitos que compõem não só a larga periferia da esquerda brasileira e até mesmo para alguns de seus quadros e correntes principais a solução para os dilemas do país passa apenas pela derrota eleitoral do atual mandatário da República e então “o Brasil vai sorrir de novo”. Oportuno aqui lembrar de passagem o filosofo marxista húngaro Itsvan Meszaros, a crença ideológica quase taumatúrgica de que da reforma da própria institucionalidade vigente possa trazer a solução para os dilemas sócio metabólicos impostos por um determinado tipo de desenvolvimento capitalista implica numa “linha da menor resistência“.

Não é o caso aqui de nos delongar nas complexas e maduras reflexões do autor de Para Além do Capital e do recente lançado Para Além do Leviatã, de passagem apenas assinalamos que a esperança vã do reformismo em todas suas nuances e matizes continua a ser aquele canto da sereia ao qual é muito fácil ceder, isto por que a própria realidade é cruel e perversa demais e pode levar as pessoas a procurar um conforto fácil numa via régia da superação de suas contradições, o reformismo portanto é o “ópio da esquerda” parafraseando Marx.

Deixemos, porém, de aparentemente divagar, muito embora haja uma profunda substância ontológica, no sentido lukacsiano do termo, neste aparente preâmbulo para alguns por demais abstrato.

Desde algum tempo, através deste portal, tenho expresso a opinião de que atravessamos desde os acontecimentos de junho de 2013 o desenvolvimento orgânico e molecular daquilo que o comunista sardo Antônio Gramsci denominava de uma crise orgânica, a saber uma crise econômica, social, ideológica e política onde não existe necessariamente uma correspondência mecânica entre estes diversos aspectos mas sim uma contraditória unidade dialética que não deixa de indicar uma crise total de nossa formação social e do regime político enquanto condensação material de uma relação social de forças (Poulantzas, 2000).

A Nova República foi o resultado da transição do cesarismo militar para a democracia liberal burguesa mediada pelos próprio militares no quadros de uma Autocracia Burguesa (Fernandes, 2020), apesar dos avanços legais/constitucionais que resultaram na carta de 1988, a Autocracia Burguesa como forma de Estado periférico que “leva ao paroxismo a dissociação entre desenvolvimento e democracia” (Fernandes, 2020) impediu que os setores antiautocráticos que emergiam das lutas da década de 80 se tornassem protagonista de uma verdadeira revolução democrática e nacional, fosse ela nos quadros burgueses ou mesmo socialistas.

“…A revolução apenas como e enquanto transformação estrutural da sociedade capitalista representa uma fronteira da qual as classes trabalhadoras (…) não poderão fugir sem consequências funestas. Uma sociedade capitalista semidemocrática é melhor do que uma sociedade capitalista sem democracia alguma. Nesta nem os sindicatos nem o movimento operário podem se manifestar com alguma liberdade e crescer naturalmente. Por isso a revolução dentro da ordem possui um conteúdo bem distinto do que ela assumiu na orbita histórica dos países capitalistas centrais. As classes burguesas não se propõem a tarefas históricas construtivas, que estão na base das duas revoluções, a nacional e a democrática: e as classes trabalhadoras tem que definir por si próprias o eixo de uma revolução burguesa que a própria burguesia não pode levar ate o fundo e até o fim, por causa de vários fatores (a persistência de estruturas coloniais e neocoloniais que afetam as relações de produção, a distribuição e o consumo; a aliança com as burguesias externas imperialistas; o medo permanente de deslocamento que atormenta os setores internos da burguesia – diante dos deserdados da terra e do proletariado, mas também diante dos centros imperiais” (Fernandes, 2018)

A Nova República, portanto, apesar de toda sua relativa novidade histórica carrega a marca de nascença de uma formação nacional-estatal que no dizer de Carlos Nelson Coutinho jamais foi capaz de dar o mínimo caráter nacional-popular a seu Estado, o Estado nasce antes que a Nação e nasce para ser o vigia permanente das classes perigosas. (Coutinho, 2008)

Temos portanto uma Nova República que por diversos expedientes (desde as coligações eleitorais e pactos no Congresso, a manutenção de arcaicas tutelas sindicais, os privilégios de casta estamental do Judiciário, a permanente agencia do Exercito como “garante da lei e da ordem”, a completa exclusão da maioria negra por grande tempo de espaços como universidades e postos públicos eletivos ou não e um largo etc) reproduziu  a maneira lampesudiana o ideal de que no terreno da Autocracia Burguesa é possível que “tudo mude desde que permaneça igual” 

Obviamente que como nos ensina Florestan Fernandes a classe possuidora não possui o condão de congelar realmente a história, mas conseguiu infelizmente deformar e conformar as mudanças assim como na sua gênese ela mesma foi “tonalizada” pelo prisma da oligarquia rural e escravocrata que lhe deu não só o parto mas também o regalo e a acalentou em seus braços truculentos.

Desta forma apesar de toda mudança, e estas mudanças no sentido de uma “ocidentalização periférica” (a ampliação de uma rede de aparelhos de hegemonia seja dos dominantes e dos dominados (Coutinho, 2008), a ampliação de direitos legalmente estatuídos e etc) não podem ser pura e simplesmente desprezadas sobre o prisma de um prurido ultraesquerdista, a substância ontologicamente dada de nosso Estado segue dada nos limites estritos de uma Autocracia Burguesa, a saber se trata de uma democracia restrita ao “ povo dos senhores”, que se revela nas reações brutais onde os setores burgueses e da assim chamada “alta classe média”  se ressentem pelo mínimos avanços econômicos, sociais e legais das classes subalternas (desde o horror diante das viagens de avião, passando pelo escândalo pelo fim da escravidão legalizada das trabalhadoras domésticas, as cotas raciais nas universidades públicas etc).

O reformismo caiu sob o canto de sereia da linha da menor resistência ainda agravado pelo quadro truculento de uma formação social periférica que desde sempre luta renhidamente para impedir que os sujeitos subalternos sejam considerados como interlocutores legítimos nos quadro de uma democracia burguesa (Fernandes, 2020 e Coutinho, 2008). A crença do setor majoritário da direção da classes subalternas de que seria possível nos quadro da Autocracia Burguesa de produzir lentas e gradualíssimas transformações resultou num apassivamento das organizações populares, a relativa cooptação de seus quadros para uma estratégia de conciliação pelo alto com a classe dominante possibilitou que as estratégias burguesas de contenção e congelamento da história produzissem o duplo efeito do desarme ideológico e prático dos trabalhadores e a ascensão de ideologias de cunho filo fascistas e autoritárias que procuram conquistar a hegemonia sobre a própria classe trabalhadora e setores subalternos.

As políticas de aggiornamiento constituídas sob a ótica do BIRD (assalto a pobreza, transferência focalizada de renda, gotejamento social, políticas de inclusão etc) e compradas pelo governos populares significaram de fato melhorias significativas na vida das camadas populares mas tiveram como elevado preço a decapitação ideológica e política dos subalternos e o abandono de uma estratégica efetivamente anti-autocrática e revolucionaria no trato da explosiva formação social brasileira.

Como melancólico resultado as forças populares rendidas ao “Estado de Direito”, nome fantasia do aggiornamiento da Autocracia Burguesa, no momento que a burguesia brasileira rompeu o pacto de classes para entrar numa nova fase de acumulação dependente os setores populares foram incapazes de resistir a ofensiva politica e ideológica da burguesia e seus cães de caça da “nova direita” que tinham pacientemente construído suas casamatas no terreno da sociedade civil (Balestro, 2021)

Se Junho de 2013 representou um levante popular acéfalo, a acefalia foi o resultado do abandono da esquerda majoritária do terreno da luta de classes e sua acomodação ao terreno da Autocracia Burguesa remodelada nos pretensos termos daquilo que Florestan havia aventado como uma possível “democracia de cooptação”. A crise aberta por junho expressava os limites econômicos e sociais dos governos petistas e a incapacidade hegemônica produzida pelo transformismo molecular operada neste malfadado intento de “superar o autocratismo dentro dos próprios termos da Autocracia” (parafraseando Marx que disse que Proudhon pretendia “abolir o estranhamento dentro do próprio estranhamento”).

As manifestações de 2015 que culminaram no golpe parlamentar de 2016 abriam a passarela não só para a consolidação da ofensiva burguesa como para a ascensão de uma direita fascista com base de massas.

Para Antonio Gramsci o fascismo se apresentou na Itália pós-primeira guerra mundial como um sucedâneo para a constituição de uma nova hegemonia burguesa a medida que criou-se um fosso entre os dirigentes e os dirigidos , o fascismo se apresenta como “um subversivismo reacionário” (Fresu, 2020 o que fica muito explícito nas pretensões de setores  da propalada “nova direita brasileira” (Santos, 2021) em seu amplo espectro de “lutar contra tudo que está aí” e diante do “bom mocismo” da esquerda da ordem seu argumento verborrágico de se constituir numa “nova esperança” ganha alguma base de verossimilhança para os setores populares desde sempre cativos dos expedientes ideológicos burgueses e que não encontram nas organizações das classes subalternas eco adequado para suas necessidade objetivas e subjetivas .

O período posterior a queda de Dilma Rousseff e prolongado no governo tampão de Temer e na atual gestão de Jair Bolsonaro nos apresenta uma serie de sintomas mórbidos : a atuação mais ou menos cesarista/bonapartista de setores do aparelho burocrático do Estado como o Judiciário aval do golpe, as constantes intervenções militares no sentido de condicionar o regime político, o crescimento das hostes fascistas acalentadas por Jair Bolsonaro, sinais esparsos provindos de polícias militares e sem contar o crescente processo de degradação institucional , interferências ilegais no sentido estrito como a ingerência bolsonarista na Polícia Federal, a ingerência da cruzada ideológica sobre universidades e órgãos educacionais como o INEP).

A tudo isto infelizmente como resultado do período anterior se pôde apenas opor uma resistência heroica, mesmo que localizada, desde greves, manifestações de rua capitaneadas pelo movimento sindical,  pelo movimento negro, estudantil que tiveram mais uma postura reativa as sucessivas fases da ofensiva burguesa (desde a Ponte para o Futuro de Temer que expressou o programa de austeridade e rebaixamento de direitos que vieram se instalando na Reforma Trabalhista com Temer, na Reforma Previdenciária com Bolsonaro, nas privatizações do pré-sal e na venda da Eletrobras, nos ataques as universidades e até mesmo ao Enem etc), a superação desta atitude defensiva só pode se dar nos quadro de uma frente única de esquerda autentica e que evite o canto da sereia do reformismo fraco que se acomodaria aos ditames da burguesia reacionária e seria incapaz de fazer frente as hostes neofacistas que não possuem nenhum pudor de violar liberdades democráticas e não tem o respeito atávico pelo assim chamado Estado de Direito.

2 Do abismo da crise, a crise no abismo: Para onde vai o Brasil? 

Como nos ensina a sabedoria popular a desgraça nunca vem sozinha. Como se não bastasse esta série de ataques e destruições das condições de vida já mínimas das massas populares no Brasil, a pandemia de Covid-19 apenas agravou o quadro de perecimento democrático, seja de alternativas econômicas do nosso país.

As mais de 600 mil mortes no país, resultaram de uma politica negligente, relapsa e negacionista como todos estamos cansados e enojados de saber. 

O governo Bolsonaro se sustenta hoje em três suportes que colaboram para a manutenção de um mandatário que poderia ser facilmente enquadrado em uma lista infindável de crimes e omissões.

O primeiro e mais importante fator é a aliança precária e não isenta de contradições que o mantém vivo e operante. O regime politico brasileiro da Nova República sempre se valeu de uma engrenagem azeitada que sob a égide dos interesses das frações dominantes do Bloco no Poder (burguesia financeira, industrial e agrária) articula os interesses particulares de uma infinita serie de grupos e frações burguesas pelo expediente parlamentar de representação política. O Congresso Nacional tem operado historicamente como mediação material e institucional realizando a interlocução dos interesses burgueses específicos com a manutenção do regime de dominação de classes, esta fina arquitetura assentada em clientelismo local se manifesta em redes de lobby, corrupção e negociatas que são responsáveis por garantir “governabilidade” aos governos de turno.

Apesar de sua verborragia, da demagogia fascistóide de ser “contra tudo que está aí” Bolsonaro fez o possível e impossível para chegar a um acordo com o conhecido Centrão e a imensa gama da interesses locais e regionais que nele se articulam, a blindagem congressual e sua possibilidade de aprovar a agenda austericida se ancoram nisto.

Exatamente por isto a burguesia financeira, fração hegemônica do Bloco do Poder, está muito feliz com a gestão Bolsonaro muito embora possa ver nele um “terrible enfant” a ser eliminado no próximo ciclo eleitoral controlado, a agenda do Golpe de 2016 talvez não avance tal a contento mas segue seguindo seu caminho tenebroso. Pois como disse certa vez um alto mandatário do governo americano sobre o ditador nicaraguense Somoza, se trata sim de um “filho da… mas é o nosso filho da…”.

Os militares funcionam como outro braço de sustentação do governo Bolsonaro, estes parecem ter se mantido como fiéis do governo Bolsonaro por interesse próprio nos piores momentos do mesmo, a presença institucional dos militares junto ao governo de plantão dá prosseguimento ao renovado interesse desta “reserva fardada” do capital, acostumada a atuar no Brasil como partido burguês. Parece claro que os militares não vão abandonar facilmente o doublê de capitão apesar de importantes dissidências de generais, alguns dos quais começam a querer guarida ao lado do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro.

Não temos clareza sobre o pacto costurado em diversas instancias do aparato burocrático do Estado e a manutenção de Bolsonaro no poder, mas o que se depreende é que instancias como o STF preferem tutelar o mesmo do que o decapitar e esperam ansiosamente a sua substituição por alguém mais articulado e polido. Estas instituições são cúmplices do fascismo do mesmo, pois permitem que este avance ocasionalmente e apenas lhe oferecem uma resistência interessada em manter sua autonomia e naco de poder.

A complacência com Bolsonaro tem que ser explicada nos quadros de um processo de fascistização que vem desde 2015, onde os setores mais reacionários que representam uma ideologia irracionalista vieram a corporificar uma base de massas para o bolsonarismo, esta base de massas é heteróclita de um lado composto pelos setores mais ressentidos da pequena burguesia , elementos truculentos da burguesia agrária , arrivistas burgueses e por fim um espectro popular influenciado pelo neopentencostalismo conservador que prolifera nas periferias brasileiras .Assim o Brasil se tornou “ um centro da ideologia reacionária” parafraseando Gyorgy Lukacs. A incapacidade do bolsonarismo de criar um partido fascista deve ser contrabalanceada por sua resiliência eleitoral que implica no fenômeno de que um governo que produziu uma imensa tragédia economia, sanitária e social das dimensões de um genocídio se mantenha no páreo das eleições.

Por fim os movimentos populares e a classe trabalhadora apesar da resistência esboçada não têm sido capazes de constituir mobilizações capazes de demover as frações burguesas e burocráticas de seu aval a manutenção de um fascistóide na presidência de um assim pretendido Estado de Direito. Este é o fato chave, somente a classe trabalhadora entendida na sua diversidade racial, de gênero, com suas estratificações de vínculos laborais formais e informais, trabalhadores do campo etc, é o sujeito social capaz de derrubar o governo Bolsonaro. Mas não basta esta necessidade objetiva, pois“ não basta que o pensamento tenda para a realidade é preciso que a realidade também tenda para o pensamento “ como diria Marx.

Ou seja, é necessário que a esquerda seja capaz de apresentar um projeto de país que vá além de uma reedição dos governos de conciliação de classes e sua tentativa de abolir o autocratismo dentro da própria Autocracia, a esquerda precisa apresentar um programa antiautocrático de  enfrentamento das mazelas novas e velhas de nossa sociedade que possa empolgar as massas, inclusive aquelas hoje seduzidas pelo canto da sereia fascista, pois o fascismo sabe que as massas estão sedentas de uma visão de mundo (Lukacs, 2021), de uma ideologia no sentido forte da palavra, que apresente saídas para os graves dilemas que dilaceram a nossa sociedade e condenam milhões a mais brutal inumanidade.

A questão que se coloca hoje não é apenas de uma unidade eleitoral da esquerda necessária para barrar a terceira via do bolsonarismo sem Bolsonaro e a via da hipótese fascista de Bolsonaro de aprofundamento de um regime de cariz militarista e fascista, trata-se da gestação de um programa para uma frente única que tenha claro a necessidade de reverter as medidas golpistas de 2016 até hoje, mas também de avançar na mobilização de massas para realizar tarefas democráticas e nacionais que ficaram abandonadas não só pela burguesia mas pelos governos populares passados, que realize um ataque ao sistema financeiro da burguesia brasileira, que ataque o agronegócio e sua destruição da natureza e dos povos originários, que ataque o racismo estrutural, que ataque o latifúndio e realize uma reforma agrária radical, que reverta a privatização dos ativos nacionais e um largo etc de caráter anticapitalista objetivo.

3 Epilogo sem final. Da crise fatal da Nova República e o espectro do fascismo 

O dilema da esquerda e especialmente da esquerda antiautocrática e revolucionária é hoje ser capaz de não cair nas ciladas que a atual conjuntura nos impõe. De um lado a via da menor resistência nos indica o plácido caminho de Alice nos País das Maravilhas, a via regia da derrota eleitoral de Bolsonaro que se dirija ao centro para aplacar as veleidades burguesas, ou seja que renuncie aos interesses de classe em nome de uma unidade democrática esvaziada em torno de boas e anódinas intenções como expressas nas frases “ o amor vai vencer o ódio” e outras tolices aparentemente saídas de livros de autoajuda e toda a literatura veleitária que lhe é correlata.

Este caminho não é inédito e parece estar sendo trilhado pelas correntes que detém a hegemonia nos movimentos dos subalternos, trabalhadores e oprimidos. Os acenos de Lula neste sentido são claro e evidentes e indicam que Lula infelizmente saiu da prisão mas a prisão (ideológica) não saiu dele. O itinerário de uma democracia de cooptação desenhado durante os governos petistas, como na construção de entidades como o CDES ( Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) onde burgueses e trabalhadores sentavam e de forma democrática consensuavam uma “agenda nacional” parece fazer a cabeça da esquerda hegemonizada pelo PT.

Precisamos ter claro que só a unidade da classe trabalhadora pode derrotar social e ideologicamente o fascismo, mas esta unidade não pode ser como diria Lenin construída com base “em acordos podres”, a esquerda antiautocrática deve ser capaz de dialogar com as amplas massas e por isso não pode se abandonar ao delírio da “frase revolucionária”, do ultimatismo de um utopismo abstrato carente de mediações. Mas de outro lado para sair deste Abismo sem Fim talvez  tenhamos que fazer como Ulisses na Odisséia, na necessidade de passar pelas sereias e o seu canto sedutor o mesmo se fez amarrar ao mastro e fez os navegadores taparem seus ouvidos, desta forma pode ouvir o Canto da Sereia sem ser por ele seduzido. É preciso derrotar Bolsonaro em 2022 se não for possível fazê-lo antes (e sejamos realistas, é cada vez menos provável sua queda por via do impeachment), para isto é preciso unidade na esquerda, mas esta via através das instituições da Autocracia não pode ser seduzida pela própria Autocracia para uma nova democracia de cooptação destinada a ser uma versão piorada do passado recente.

Por que a tentação da via da menor resistência com a presença de uma ala fascista com base de massas não vai nos conduzir de novo a este abismo, a reedição de políticas incapazes de arranhar a estrutura da Autocracia Burguesa e seu apartheid socio-racial apenas nos conduzirá a um Abismo sem fim diante do qual o atual nos aparecerá como uma pálida prévia do que virá.

Lula precisa se comprometer com um programa de esquerda e com a mobilização de massas em torno deste programa, em caso de não o fazê-lo a esquerda antiautocrática deve se perguntar qual politica adotar no sentido de preservar a unidade dos trabalhadores mas não se render as fáceis vitórias que conduzem a terríveis derrotas logo ali na esquina.

Como Hamlet podemos exclamar: “o tempo saiu do compasso. Loucura e vergonha que tenha eu nascido para consertá-lo”, mas a cada geração cabem as tarefas que lhe foram legados pelo desenvolvimento histórico pretérito, se foi dado a nós a inglória missão de enfrentar os fascistas devemos fazê-lo como ensinou o velho sardo, chamando atenção “violentamente” para o estado de coisas atual mas na convicção revolucionária que não existe destino que não possamos fazer; no momento atual: pessimismo da razão e otimismo da vontade.

Referências Bibliográficas 
Coutinho, Carlos Nelson. Contra a Corrente. Ensaios sobre Democracia e Socialismo. São Paulo Cortez 2008
Fernandes, Florestan. O que é Revolução. São Paulo Expressão Popular 2018
Fernandes, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Ensaio de Interpretação sociológica. ContraCorrente São Paulo 2020
Fresu, Gianni. Antônio Gramsci. O Homem Filósofo. São Paulo Boitempo Editorial 2020
Lukacs, Gyorgy. Como a Alemanha se tornou o centro da ideologia Reacionária. São Paulo Coletivo Veredas 2021Santos, Mayara Aparecida Machado Balestro. Agenda Conservadora e Ultraliberalismo e Guerra Cultural: “Brasil Paralelo” e a Hegemonia das Direitas no Brasil Contemporâneo. Dissertação de Mestrado Marechal Cândido Rondon  Unioeste 2021

1*Licenciado em História. Militante da Resistência/PSOL em Feira de Santana (BA).