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BRASIL

Notas sobre o encontro: bases filosóficas da educação popular

Confira o segundo artigo da série Educação Popular, sobre o ‘Curso de Formação: Educadores populares’, organizado pelo Cursinho Popular Maria Firmina Dos Reis.

Thainá Rodrigues*, de São Paulo, SP

Leia também: Notas sobre o encontro “O que é Educação Popular?”

Toda a emancipação constitui uma restituição do
mundo humano e das relações humanas ao próprio homem
(Karl Marx)

O presente texto é uma iniciativa de documentação do projeto de educação popular desenvolvido pelo Cursinho Popular Maria Firmina dos Reis, projeto esse desenvolvido na capital de São Paulo, especificamente na região marginal da Zona Leste.

O projeto do cursinho é desenvolvido em três pilares constituintes: educação, cultura e política. Dentre os princípios básicos do projeto, está a demanda por formação continuada e o desenvolvimento de discussões e análises acerca da práxis da educação popular. Deste modo, o presente texto é resultado da síntese do segundo dia de formação sobre Educação Popular, desenvolvido no primeiro semestre de 2021, especificamente sobre o tema de bases filosóficas da educação popular que abarca como bibliografia básica a obra de Paulo Freire – Pedagogia do Oprimido.

A saber, a formação contou com cinco eixos temáticos: 1) O que é Educação Popular; 2) Filosofia da Educação Popular; 3) Política Educacional da Educação no Brasil; 4) Educação Antirracista e; 5) Educação anticapitalista.

Quando pensamos em educação popular e educação humanizadora de prontidão o nome do patrono da educação é logo rememorado. A sua obra Pedagogia do Oprimido é a escrita mais amadurecida de Paulo Freire, na qual o contato com as teorias marxistas o permitiu levar seu método em direção a uma pedagogia libertadora, que pontua as bases do capitalismo, as relações dos oprimidos com os opressores e como a libertação só é possível se pensada de forma coletiva, à medida que ninguém se liberta sozinho, mas todos se libertam em comunhão, diz o autor. E essa comunhão é uma característica fundamental da ação para a liberdade, pois é nessa comunhão que a conscientização alcança seu mais alto nível, permitindo a elaboração de uma consciência de classe e desta se lança a uma consciência revolucionária.

Para nós, a concepção de educação popular tem tudo a ver com o que o Paulo Freire descreve sobre “dizer a palavra” a questão do diálogo e da possibilidade do oprimido “aprender a dizer a sua palavra” autônoma, como exteriorização da “práxis” (FREIRE. 2020 p. 10). No Brasil da colonização, da subalternidade e da marginalização constante fruto do capitalismo imperialista, a luta pela humanização, pela desalienação, pela organização coletiva só é possível, pois, a desumanização não é destino dado, é construído historicamente a favor de uma ordem injusta.

Assim como em Pedagogia do Oprimido, pensar a prática orgânica da educação popular deve estar orientado ao desenvolvimento de uma prática com o oprimido, no nosso caso, com os estudantes periféricos, e não para eles.

Partindo do reconhecimento de uma realidade social injusta, de uma situação existencial de dominação ideológica e cultural, opressora, autoritária e alienadora que precisa ser transformada, os movimentos de educação popular devem reivindicar junto às classes populares a conscientização, ampliação da participação social e política e a deflagração de uma práxis revolucionária e uma organização revolucionária que vise levar a superação das disparidades sociais.

E isto só é possível junto ao povo, sendo o povo, a classe trabalhadora com suas reivindicações e participação o sujeito histórico da mudança. O projeto de humanização defendido pelo cursinho popular deve ser encarado por meio da organização social, que compreende a educação como o acesso para a libertação.

A pedagogia do oprimido ou a pedagogia dos cursinhos populares, como uma pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação (FREIRE, 2020 p. 57).

A discussão acerca da obra de Freire nos forneceu importantes desdobramentos que fundamentam de forma filosófica a necessidade da construção de uma educação no cursinho popular como uma perspectiva militante, aquela responsável por valorizar e estimular em nossas bases uma intelectualidade orgânica genuína, capaz de abrir quaisquer portas e de levá-la, inclusive para além do próprio vestibular.

A necessidade de auto afirmação moral das classes populares, a partir do diálogo e da valorização das produções culturais e artísticas populares capazes de confrontar os controles ideológicos de grupos dominantes. E desta forma, estimular “dizer a palavra” e a partir dela desenvolver resistências e transformações na realidade.

Além de compreender a prática da educação popular como algo democrático, desobediente, refutadora da ordem e em constante transformação, dentro desta discussão, a conscientização política e revolucionária é um processo que se dá na história, através da luta de hegemonias, alcançando seu momento superior quando da unidade entre teoria e prática.

É a partir dos ensinamentos de Paulo Freire que fundamentamos nossa ação popular com a compreensão acerca da libertação enquanto classe social e principalmente, a necessidade de estar junto a ela. Pois, como nos deixa Freire: “não podem temer as massas, a sua expressividade, a sua participação efetiva no poder. Não pode negá-las. Não pode negar de prestar-lhes conta. De falar de seus acertos, de seus erros, de seus equívocos, de suas dificuldades”. (FREIRE, 2020 p.172)

Enquanto movimento social, o encadeamento do programa de formação se pautou em difundir e aprofundar temas que pudessem agregar a uma orientação da prática popular e em desenvolver amadurecimentos e principalmente, contribuições acerca dos diferentes temas que transversalizam o tema da educação popular.

O segundo debate que rege esse texto, sobre as bases filosóficas da educação popular, desencadeou assuntos que atravessam a condição social do nosso país, a necessidade da organização política e como articular os temas sobre opressão e de suas causas, para que resulte um engajamento necessário na luta pela libertação. Não à toa, os termos: como cursinhos populares, trabalho de base, democracia e pluralização dos rostos e das ideias na esquerda, foram utilizados sem economia durante o encontro.

Em debate, compreendemos que a formação dos cursinhos populares deve ser encarada antes de tudo, como uma expressão tática da organização e movimentação da classe trabalhadora, sendo tática enquanto elemento mediador da ação revolucionária.

Por fim, a educação que defendemos nada tem a ver com bases idealistas e ilusórias, muito menos se centra na ideia pessimista e reprodutivista da educação hegemônica, nos pautando pelo caráter da contradição que rege a sociedade capitalista dividida em classes, e da mobilização inerente da sociedade e dos oprimidos.

Referência
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 74a ed. Rio de Janeiro, Paz e terra, 2020.

Marcado como:
Educação popular