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Por que em Cuba ainda não prevalece o capitalismo?

Gabriel Casoni

Gabriel Casoni, de São Paulo (SP), é professor de sociologia, mestre em História Econômica pela USP e faz parte da coordenação nacional da Resistência, corrente interna do PSOL.

Os critérios sugeridos por István Mészáros (2011) e Leon Trotsky (2005) — o primeiro para a definição do sistema capitalista e o segundo para a definição dos pilares do regime social não-capitalista — auxiliam na aferição da natureza da formação socioeconômica cubana.

Segundo Mészáros (2011), o capitalismo é aquela fase particular da produção do capital em que: (i) a produção para a troca (e, desse modo, a dominação do valor de uso pelo valor de troca) é predominante; (ii) a força de trabalho, assim como qualquer outra coisa, é considerada como mercadoria; (iii) a busca pelo lucro é a força reguladora fundamental da produção; (iv) a produção de mais-valor, fundada na separação radical entre meios de produção e produtores, assume uma forma inerentemente econômica; (v) o mais-valor economicamente extraído é apropriado privadamente pelos membros da classe capitalista; e (vi) a produção do capital tende à integração global, por meio do mercado mundial, como um sistema absolutamente interdependente de dominação e subordinação econômica.

Quando se busca enquadrar a realidade contemporânea da formação socioeconômica cubana nos critérios estabelecidos por Mészáros, chega-se à conclusão de que não é possível definir Cuba como um país fundamentalmente capitalista. Nenhuma das seis características definidoras elencadas pelo autor predomina, embora elas operem parcialmente e estejam crescendo ao longo dos anos.

Em mais detalhes: na ilha, a produção para a troca (e assim a dominação do valor de uso pelo valor de troca) não é majoritária — o mercado propriamente capitalista regula apenas uma parte minoritária das relações econômicas; a força de trabalho não é, em sua maior parte, tratada como mercadoria — a maioria de trabalhadores cubanos não vende sua força de trabalho no mercado, sendo que uma parte o faz por intermédio do Estado; a motivação pelo lucro não é o vetor essencial da produção — apenas uma parcela minoritária da economia funciona sob a égide do lucro; a produção de mais-valor assume a forma política por meio do controle econômico hegemônico do Estado (não sendo, portanto, inerentemente econômica), embora os produtores não controlem os meios de produção (em razão do caráter burocrático da gestão econômica); o mais-valor produzido, em grande medida, não é apropriado privadamente por capitalistas; e, por fim, a produção de capital que se conecta ao mercado mundial é minoritária no país.

Trotsky (2005), por sua vez, define o regime social não-capitalista (“de transição ao socialismo”, em suas palavras) pela existência de três elementos principais: (i) a expropriação da classe burguesa por meio da estatização dos meios de produção; (ii) a planificação centralizada da economia; e (iii) o monopólio estatal do comércio exterior. Segundo ele, na permanência dessas três características, não se pode falar em plena restauração do capitalismo, ainda que o autor considere que, no processo de transição ao socialismo, especialmente nos países “atrasados” — isto é, dependentes —, o regime social estaria necessariamente caracterizado por uma dupla e contraditória natureza (socialista e capitalista).

nos países que romperam com o capitalismo, em particular nos países periféricos, a condição de subdesenvolvimento das forças produtivas e da produtividade do trabalho comparativamente ao sistema mundial imperialista hegemônico impediria a supressão total da herança capitalista.

Conforme argumenta Trotsky, as normas de distribuição capitalistas (e assim os mecanismos da lei do valor) necessariamente persistiriam — em maior ou menor grau, ao lado das relações de propriedade e produção não-capitalistas — até o estabelecimento da transformação socialista em escala internacional. Isso porque, nos países que romperam com o capitalismo, em particular nos países periféricos, a condição de subdesenvolvimento das forças produtivas e da produtividade do trabalho comparativamente ao sistema mundial imperialista hegemônico impediria a supressão total da herança capitalista. O marxista russo também confere destacada importância a um aspecto especificamente político relacionado à base econômica: o Estado protege e estimula quais relações de propriedade e de produção, as capitalistas ou as socialistas?

Observando os critérios sugeridos por Leon Trotsky (2005), tampouco é possível aferir que a restauração capitalista em Cuba deu o “salto de qualidade” a partir do qual se poderia definir o regime socioeconômico cubano como essencialmente capitalista. Por quais motivos? Os principais meios de produção do país seguem sendo estatais, embora o grande capital privado externo tenha avançado por meio das empresas mistas e das empresas cem por cento estrangeiras; a planificação centralizada se mantém como o principal mecanismo de regulação econômica, não obstante tenha sido reduzido seu alcance e força de comando; e, finalmente, apesar do monopólio do comércio exterior ter sido formalmente extinto, o Estado controla a grande maioria das transações comerciais com o mundo externo.

No que se refere ao papel político do Estado, conclui-se que, até agora, a liderança do Partido Comunista Cubano (PCC), que detém o monopólio do poder político na ilha, defende e patrocina as reformas pró-capitalistas até certos limites cruciais, como a preservação da propriedade estatal sobre a maioria dos principais meios de produção e distribuição. Embora as reformas constitucionais tenham legalizado formas de propriedade privada, permanece a proibição legal da grande propriedade capitalista nas mãos de cubanos, o que impede a formação de uma classe burguesa em Cuba.