Pular para o conteúdo
Colunas

500 mil mortes: Bolsonaro é o maior responsável

Foto mostra velas acesas e um cartaz no chão, escrito 500.000 silêncios. com uma cruz e uma bandeira do Brasil
Volnei Picollotto | Cobertura Frentes de Luta

Ato simbólico em Porto Alegre (RS)

Gilberto Calil

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), integrando o Grupo de Pesquisa História e Poder. Editor da Revista História & Luta de Classes. Presidente da ADUNIOESTE e integrante da direção do ANDES-SN. Tem pesquisas sobre fascismo, hegemonia, Estado e Poder, Gramsci e Mariátegui.

Ainda em março de 2020, quando o Brasil ainda não chegava a uma centena de óbitos, já indicávamos aqui no Esquerda Online que se tratava de um governo genocida, que tinha como objetivo agravar e prolongar ao máximo a pandemia, através da “sabotagem explícita e sistemática, pensada e disseminada pelo gabinete do ódio diretamente ligado ao presidente da República”.1 Naquele momento não havia como imaginar a dimensão e ritmo da tragédia produzida pelo negacionismo bolsonarista, já era ingênuo acreditar que Bolsonaro não sabia o que estava fazendo. Poucos acreditavam que poderíamos chegar à terrível marca italiana de 800 mortes em um único dia que chocava o mundo. As quase então dez mil mortes acumuladas na Itália pareciam distantes, e Bolsonaro bradava que isto só ocorria porque a população italiana é idosa, e análises rigorosas que indicavam a possibilidade de centenas de milhares de mortes no Brasil eram alvo da ridicularização nas redes sociais bolsonaristas.

Hoje é necessário um enorme contorcionismo para negar a intencionalidade de Bolsonaro, e isto se comprova não apenas na reiterada recusa à compra das vacinas. Ainda em 2020, sustentamos que o governo Bolsonaro colocava em prática uma estratégia sistemática, articulada e meticulosamente implementada de agravamento e prolongamento da pandemia.2 De forma mais abrangente, a pesquisa desenvolvida em parceria entre o Conectas Direitos Humanos e o CEPEDISA/USP analisou 3.049 normas jurídicas de resposta à COVID-19 no Brasil e concluiu que apontavam para um mesmo objetivo, que era reduzir os controles e impedir a efetivação de medidas de contenção.3 Em live dedicada à apresentação dos resultados da pesquisa e sintomaticamente denominada “Quem é o responsável pela Pandemia”?, a Profa. Dra. Deisy Ventura expressa de forma clara e enfática a responsabilidade de Bolsonaro.4 Por sua vez o Lowy Institute – um instituto australiano de perfil conservador – qualificou a gestão da Pandemia no Brasil como a pior do mundo em uma comparação internacional de 98 países, atribuindo às políticas do governo brasileiro uma pontuação de 4.3 pontos em 100 (sendo um dos únicos três países com pontuação abaixo de 15 pontos).5 Portanto, já há farto e documentado material comprovando as responsabilidades de Bolsonaro e não será necessário grande trabalho investigativo para que a Comissão Parlamentar de Inquérito, se tiver a necessária vontade política, sistematize sua acusação.

Agência Brasil

Bolsonaro deu 3.185 declarações falsas ou distorcidas

Seria exaustivo listar as incontáveis proposições negacionistas proferidas por Bolsonaro e disseminadas pelos seus seguidores nas redes sociais. A agência de checagem de notícias falsas Aos Fatos indica que “em 899 dias como presidente, Bolsonaro deu 3.185 declarações falsas ou distorcidas”.6 Se o número já é impactante, mais impressionante ainda é observar que mais da metade – 1.615 – tem como objeto a pandemia. Ou seja, não apenas Bolsonaro manifesta-se compulsivamente de forma inverídica, como a maior parte de suas inverdades referem-se à pandemia. Ao longo dos últimos 16 meses, Bolsonaro minimizou a pandemia; colocou em dúvida os óbitos; defendeu uma estratégia de imunização coletiva através da contaminação generalizada; tratou o número de “recuperados” como um dado positivo, ocultando as inúmeras sequelas e omitindo o fato de que o desejável seria impedir a infecção; tratou a pandemia como um dado da natureza (“uma chuva”), contra a qual não seria possível fazer nada; afirmou que um lockdown não é eficaz para conter a pandemia; defendeu reiteradamente medicamentos comprovadamente ineficazes hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e anitta; questionou a eficácia das máscaras e ridicularizou seu uso; e associou a tomada de medidas de contenção com o agravamento da crise econômica.

Em relação às vacinas, manifestou-se publicamente de forma contraditória; postergou reiteradamente sua aquisição; estimulou desconfianças infundadas; manifestou-se de forma preconceituosa contra a coronavac; sugeriu a possibilidade de efeitos colaterais absurdos; e ainda segue reafirmando que os que foram contaminados não precisam se vacinar. Um conjunto tão vasto e coerente de proposições claramente voltadas à ampliação da circulação do vírus deve levar-nos a reconhecer que este governo tem sim uma política, e que ela é oposta à defesa da vida.

 

O bolsonarismo, como movimento político de caráter fascista que tem no negacionismo um de seus principais eixos, é o maior propagador da pandemia. Sem levar isto em conta, não conseguiríamos compreender como dois estados que foram muito pouco afetados nos primeiros meses da pandemia tem hoje os piores números acumulados de mortes por milhão de habitantes. Rondônia e Mato Grosso são estados em que Bolsonaro venceu por larga margem, e embora não sejam densamente povoados e tenham tido poucos casos nos primeiros meses da pandemia, a força residual do bolsonarismo foi suficiente para colocá-los com índices de mortes tão terríveis que já superam o Amazonas (respectivamente, 3.386, 3.276 e 3.187 mortes por milhão).

O Brasil chega a 2.340 mortes por milhão de habitantes, um índice quase cinco vezes superior à média mundial (496)

Ao completar 500 mil mortes, o Brasil chega a 2.340 mortes por milhão de habitantes, um índice quase cinco vezes superior à média mundial (496). Se estivéssemos apenas na média, estaríamos hoje com 114 mil mortes – 386 mil menor que o total registrado. Mas o Brasil poderia ter números muito mais baixos, pois contou com mais tempo de preparação (os primeiros casos aqui foram registrados quase um mês depois da Europa e dos Estados Unidos), poderia ter controlado as fronteiras de forma eficiente, e, sobretudo, contamos com um sistema público de saúde com enorme capacidade e experiência, que, bem conduzido, poderia ter dado uma excelente resposta. Não é irrealista afirmar que o Brasil poderia ter tido uma contenção exemplar da pandemia. 

Bolsonaro é certamente o maior responsável, mas não o único. Seus apoiadores são cúmplices. Mas também tem uma parcela de responsabilidade os governos estaduais e municipais e os meios de comunicação que afirmam se opor ao negacionismo explícito de Bolsonaro, criticam suas posições mais explicitamente negacionistas em relação a máscaras, vacinas ou remédios ineficazes, mas reiteradamente abandonam sua posição “científica” para subordinarem-se aos interesses dos grandes grupos capitalistas, sustentando absurdos como “retorno seguro às aulas” ou flexibilização das medidas de contenção em datas destinadas à intensificação do consumo (como dia das mães). Estes críticos ao bolsonarismo que não são coerentes com sua posição crítica terminam por reforçá-lo, já que sua posição submissa aos interesses da acumulação capitalista é eivada de contradições e fragiliza uma crítica sistemática, que para ser potente deveria reivindicar a possibilidade de superar a transmissão comunitária através de medidas concretas de contenção, como já o fizeram diversos países. Bolsonaro é o maior responsável, mas só uma crítica radical de sua política pode derrotá-lo. E isto permanece válido com o aumento (lento) da taxa de vacinação, pois já existem diversos exemplos de países que avançaram a vacinação mas, sem que isto esteja associado à medidas de contenção, não conseguiram controlar a pandemia, ao contrário daqueles que utilizaram ambos os recursos articuladamente.


NOTAS

1  https://esquerdaonline.com.br/2020/03/27/coronavirus-ganancia-e-irresponsabilidade-na-producao-da-tragedia/

2  https://www.scielo.br/j/sssoc/a/ZPF6DGX5n4xhfJNTypm87qS/?lang=pt&format=pdf

3 3  https://www.conectas.org/wp-content/uploads/2021/03/Boletim_Direitos-na-Pandemia_ed_10.pdf

4  https://www.youtube.com/watch?v=spvxzjMNYbo&ab_channel=AtilaIamarino

5  https://interactives.lowyinstitute.org/features/covid-performance/#rankings

6  https://www.aosfatos.org/todas-as-declara%C3%A7%C3%B5es-de-bolsonaro

 

Marcado como:
coronavírus / covid-19