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TEORIA

100 anos da Frente Única Operária: Construindo a unidade da frente proletária

Este é o quarto artigo da série “100 anos da Frente Única Operária: gênese e atualidade”

Bruno Rodrigues*, de Fortaleza, CE

Homenagem ao quinto aniversário da Revolução russa e ao IV Congresso do Komintern.

“(…) quanto maiores são as massas atraídas ao movimento, mais alta se torna a consciência de sua força, mais segura se torna de si mesma, e mais se tornam capazes de marchar adiante, por mais modestas que tenham sido as consignas iniciais da luta.” Leon Trotsky, Considerações Gerais sobre a Frente Única

Com data fixada para coincidir com o mês em que se comemoraria o quinto aniversário da revolução russa, realizou-se entre novembro e dezembro de 1922, o 4° Congresso do Komintern. Das sessões realizadas entre Moscou e Petrogrado, participaram 343 delegados de 58 países. Este foi o último congresso da IC antes do início de sua stalinização [1] e também o último que pôde contar com a presença de Lênin que, acometido por um atentado à bala, só pôde participar parcialmente de suas sessões. 

Na ordem do dia entraram o ponto de Informe do Comitê Executivo e em seguida o ponto sobre Tática da Internacional Comunista.

O ponto de partida deste Congresso foi a confirmação das teses sobre situação mundial e das teses sobre tática do 3° Congresso:

O 4º Congresso comprova perante todos que as resoluções do 3º Congresso mundial sobre:
1-As crises econômicas mundiais e as tarefas da Internacional Comunista;
2-A tática da Internacional Comunista;
têm sido completamente confirmadas pelo curso dos acontecimentos e o desenrolar do movimento operário no intervalo compreendido entre os 3º e 4º Congressos.

E mais precisamente

Em particular, o 4º Congresso aprova totalmente a tática de frente única, tal como foi formulada pelo Comitê Executivo em suas teses de dezembro de 1921 e posteriormente.

O IV° Congresso em muito avançou na elaboração da ideia consubstanciada na fórmula genérica Às massas, desenvolvendo-a e transformando-a nas vinte e cinco Teses sobre a unidade da Frente Proletária, sem dúvidas um dos documentos mais importantes da história do movimento proletário. Assim, este Congresso foi a culminância da  política bolchevique triunfante sobre a estreiteza política esquerdista, cuja implementação havia produzido fracassos evidentes [2].

Atualidade da Frente Única

A Frente Única completa um século neste mês de junho de 2021 e, mesmo tendo se passado tanto tempo desde a sequência de eventos que a gerou, ela segue tendo importância vital dentro do arsenal de táticas do movimento dos trabalhadores.

Por óbvio que a afirmação de sua atualidade não pode ser confundida com afirmação anacrônica da atualidade das teses no rigor da letra com a qual elas foram concebidas. Escritas há quase um século, as teses versam sobre uma situação muito específica de uma época já passada. Elas seguem, contudo, atuais no seu método e na essência das suas ideias.

Particularmente em uma conjuntura dramática como a do Brasil, marcada por um governo de extrema-direita e genocida que, em seus gestos e declarações, dá todos os indícios de que articula um golpe para impor um aprofundamento exponencial dos ataques aos direitos sociais e às liberdades democráticas, é emergencial contrapor as vacilações do reformismo e as banalidades políticas do esquerdismo, com a política da frente única.

Teses sobre a unidade da frente proletária

1. O movimento internacional atravessa neste momento um período de transição que propõe à Internacional Comunista e suas seções novos e importantes problemas táticos.

Este período está principalmente caracterizado pelos seguintes fatos: A crise econômica mundial se agrava. O desemprego aumenta. Em quase todos os países, o capital internacional desencadeou contra a classe operária uma ofensiva sistemática, cujo objetivo confessado é antes de tudo reduzir os salários e depreciar as condições de existência dos trabalhadores. O fracasso da paz de Versalhes é cada vez mais evidente para as próprias massas trabalhadoras. É inegável que se o proletariado internacional não conseguir destruir o regime burguês não tardará em instalar uma ou até várias guerras imperialistas, o que acabou demonstrado eloquentemente na Conferência de Washington.

2. As ilusões reformistas que, a raiz de diversas circunstâncias, haviam predominado durante uma época nas grandes massas operárias, são substituídas, diante da presença de duras realidades, por um estado de ânimo muito diferente. As ilusões democráticas e reformistas que, depois da guerra imperialista, haviam ganho terreno em uma categoria de trabalhadores privilegiados, assim como entre os operários mais atrasados desde o ponto de vista político, se dissipam todavia antes de haver sido desenvolvidas. Os resultados dos trabalhos da Conferência de Washington lhes assentaram o golpe de misericórdia. Se há seis meses se podia falar aparentemente com razão de certa evolução até a direita das massas operárias da Europa e América, neste momento é impossível negar o começo de uma orientação até a esquerda.

3. Por outro lado, a ofensiva capitalista suscita nas massas operárias uma tendência espontânea à unidade que nada poderá conter e que se dá simultaneamente com um aumento de confiança de que gozam os comunistas por parte do proletariado.
Somente agora setores cada vez mais importantes começam a apreciar a valentia da vanguarda comunista que instalou a luta pela defesa dos interesses proletários em uma época em que as grandes massas permaneciam indiferentes, hostis ao comunismo. Os operários compreendem cada vez mais que os comunistas realmente têm defendido, frequentemente ao preço de grande sacrifício e em circunstâncias das mais penosas, os interesses econômicos e políticos dos trabalhadores. Novamente, o respeito e a confiança rodeou a vanguarda intransigente que constitui os comunistas. Reconhecendo finalmente a vaidade das esperanças reformistas, os trabalhadores mais atrasados se convencem de que a única salvação que existe contra a exploração capitalista está na luta.

4. Os partidos comunistas podem e devem recolher agora os frutos das lutas que travaram anteriormente em circunstâncias desfavoráveis e em meio a indiferença das massas. Porém, elevados por uma consciente confiança nos elementos mais irredutíveis, mais combativos de sua classe, os comunistas, os trabalhadores dão maiores provas que nunca de um irresistível desejo de unidade. Integrados agora a uma vida mais ativa, os setores com menos experiência da classe operária acenam com a fusão de todos os partidos operários. Esperam deste modo aumentar sua capacidade de resistência diante da ofensiva capitalista. Operários que até o momento quase não haviam demonstrado interesse pelas lutas políticas agora querem verificar, mediante sua experiência pessoal, o valor do programa político do reformismo. Os operários filiados aos velhos partidos sociais-democratas e que constituem uma fração importante do proletariado já não admite as campanhas de calúnias dirigidas pelos sociais-democratas e os centristas contra a vanguarda comunista. Mais ainda, começam a exigir um acordo com esta última. Sem dúvida, ainda não estão totalmente liberados das crenças reformistas e muitos deles dão seu apoio à Internacional Socialista e à Internacional de Amsterdã. Sem dúvida, suas aspirações nem sempre estão claramente formuladas, porém, é evidente que tendem imperiosamente à criação de uma frente proletária única, à formação por parte dos partidos da II Internacional e os Sindicatos de Amsterdã aliados aos comunistas, de um poderoso bloco o qual venha a enfrentar a ofensiva patronal. Nesse sentido, essas aspirações representam um grande progresso. A fé no reformismo está desaparecendo. Na situação atual do movimento operário, toda a ação séria, ainda quando tenha seu ponto de partida em reivindicações parciais, levará fatalmente as massas a pleitear os problemas fundamentais da revolução. A vanguarda comunista ganhará com a experiência e apoio de novos setores operários, que se convenceram por si mesmos da inutilidade das ilusões reformistas e dos efeitos deploráveis da política de conciliação.

5. Quando começou o protesto organizado e consciente dos trabalhadores contra a traição dos líderes da II Internacional, estes dispunham do conjunto do mecanismo das organizações operárias. Invocaram a unidade e a disciplina operária para intimidar impiedosamente os revolucionários contestadores e quebrar todas as resistências que lhes houvessem impedido de colocar-se a serviço dos imperialistas nacionais na totalidade das forças proletárias. A esquerda revolucionária se viu forçada a conquistar a qualquer preço sua liberdade de propaganda a fim de dar a conhecer às massas operárias a traição infame que haviam cometido – e que continuavam cometendo os partidos e sindicatos criados pelas próprias massas.

6. Apesar de assegurar-se uma total liberdade de propaganda, os partidos comunistas em todos os países se esforçam atualmente por realizar uma unidade tão completa como seja possível no terreno da ação prática. Os dirigentes de Amsterdã e da II Internacional também reivindicam da unidade, porém, todos os seus atos são a negação de suas palavras. Ao não conseguir conter nas organizações os protestos, as críticas e as aspirações dos revolucionários, os reformistas tratam agora de sair do impasse em que se meteram, semeando a desorganização e a divisão entre os trabalhadores e sabotando suas lutas. Desmascarar neste momento sua reincidência na traição é um dos deveres mais importantes dos partidos comunistas.

7. A profunda evolução interior na classe operária da Europa e EUA pela nova situação econômica do proletariado obriga também os dirigentes e os diplomatas da Internacional Socialista e da Internacional de Amsterdã a colocarem no primeiro plano o problema da unidade operária. Mesmo que, entre os trabalhadores que recém ascendem a uma vida política consciente e que ainda não possuem experiências, a bandeira de frente única é a expressão sincera do desejo de opor à ofensiva patronal todas as forças da classe operária, essa consigna só é, por parte dos líderes reformistas, uma nova tentativa de enganar os operários para conduzi-los à colaboração de classes. Na iminência de uma nova guerra imperialista, na corrida armamentista, nos novos tratados secretos das potências imperialistas, os dirigentes da II Internacional, da Internacional II e ½ e da Internacional de Amsterdã não somente decidiram não dar voz de alarme e não colaborar efetivamente na tarefa de conquistar a unidade internacional da classe operária, mas também suscitaram infalivelmente entre eles as mesmas oposições que há no seio da burguesia internacional. Esse é um feito inevitável dado que a solidariedade dos “socialistas” reformistas com “suas” burguesias nacionais respectivas constituem a pedra angular do reformismo.

Essas são as condições gerais em meio das quais a Internacional Comunista e suas seções devem precisar suas atitudes em relação com a consigna de unidade de frente operária.

8. Considerando o já dito, o Comitê Executivo da Internacional comunista estima que a bandeira do 3º Congresso da Internacional Comunista “Às massas”, assim como os interesses gerais do movimento comunista, exigem que a Internacional Comunista e suas seções levantem a bandeira de frente proletária e encarnem sua realização. A tática dos partidos comunistas se inspirará nas condições particulares de cada país.

9. Na Alemanha, o partido comunista, na última sessão de seu Congresso Nacional, se pronunciou pela unidade da frente proletária e reconheceu a possibilidade de apoiar um “governo operário unitário” que estaria disposto a combater seriamente o poder capitalista. O Executivo da Internacional comunista aprova sem reserva esta decisão, persuadido de que o Partido Comunista Alemão, salvaguardando sua independência política, possa deste modo penetrar em setores mais vastos do proletariado e fortalecer a influência comunista. Na Alemanha em maior medida que em outras partes as grandes massas compreendem cada vez mais que sua vanguarda comunista tinha razão ao negar-se a depor as armas nos momentos mais difíceis e denunciar a inutilidade absoluta dos remendos reformistas em uma situação que unicamente a revolução proletária pode resolver. Perseverando nesta atitude, o Partido Alemão não tardará em ganhar para si todos os elementos anarquistas e sindicais que tenham permanecido até agora à margem da luta de massas.

10. Na França, o Partido Comunista engloba a maioria dos trabalhadores politicamente organizados. Em consequência, o problema da frente única assume um aspecto diferente do que se apresenta em outros países. Porém, também na França é preciso que todas as responsabilidades de ruptura da frente operária recaiam sobre nossos adversários. A fração revolucionária do sindicalismo francês combate com a razão as divisões nos sindicatos e defende a unidade da classe operária na luta econômica. Porém, esta luta não se detém no marco da fábrica. A unidade também é indispensável contra a política imperialista etc. A política dos reformistas e dos centristas logo de haver provocado a divisão no seio do partido, ameaça agora a unidade do movimento sindical, o que prova que, assim como Jean Longuet, Jouhaux serve, na realidade, de franja da burguesia. A bandeira de unidade política e econômica da frente proletária contra a burguesia é o melhor meio de acabar com as manobras divisionistas.

Quaisquer que sejam as traições da CGT reformista que dirigem Jouhaux, Marrheim e companhia, os comunistas, e com eles todos os elementos revolucionários da classe operária francesa, se verão obrigados a propor aos reformistas, perante toda greve geral, perante toda manifestação revolucionária, perante toda ação de massa, a unidade na ação e, tão pronto os reformistas a rejeitem, deveremos desmascará-los perante toda a classe operária. Deste modo, a conquista das massas operárias apolíticas nos será mais fácil. É evidente que este método de nenhum modo implica para o Partido Francês uma restrição de sua independência e não o comprometerá, por exemplo, a apoiar o bloco das esquerdas no período eleitoral ou a mostrar exagerada indulgência com respeito aos “comunistas” indecisos que não cansam de deplorar a divisão dos sociais-patriotas.

11. Na Inglaterra, o Labour Party reformista havia se negado a admitir em seu seio o Partido Comunista nas mesmas condições que as outras organizações operárias. Porém, devido à pressão das massas operárias cujas aspirações já temos assinalado, as organizações operárias londrinas acabam de votar a admissão do Partido Comunista no Labour Party.

A propósito, a Inglaterra constitui evidentemente uma exceção. A raiz de algumas condições particulares, o Labour Party forma na Inglaterra uma espécie de coalizão que inclui todas as organizações operárias do país. Neste momento é um dever para os comunistas exigir, por meio de uma enérgica campanha, sua admissão no Labour Party. A recente traição dos líderes das trade-unions na greve dos mineiros, a ofensiva capitalista contra os salários etc. provocam uma considerável efervescência no proletariado inglês. Os comunistas devem esforçar-se a qualquer preço por penetrar no mais profundo das massas trabalhadoras com a bandeira de unidade de frente proletária contra a burguesia

12. Na Itália, o Jovem Partido Comunista, que manteve até agora uma das mais intransigentes atitudes com respeito ao Partido Socialista reformista e aos dirigentes social-traidores da Confederação Geral do Trabalho – cuja traição à revolução proletária está agora definitivamente consumada – desenvolve, todavia, diante da ofensiva patronal, uma enérgica agitação em favor da unidade da frente proletária. O Executivo aprova totalmente esta tática dos comunistas italianos e insiste na necessidade de desenvolvê-la mais. O Executivo está convencido de que o Partido Comunista Italiano, dá provas de suficiência perspicácia e se converterá, para a Internacional Comunista, em um modelo de combatividade marxista e, ao denunciar implacavelmente as vacilações e as traições dos reformistas e dos centristas, poderá prosseguir com a campanha cada vez mais vigorosa entre as massas operárias pela unidade da frente proletária contra a burguesia.

É óbvio que o Partido Italiano não deverá descuidar de nenhum detalhe em sua tarefa de ganhar para a ação comum os elementos revolucionários do anarquismo e do sindicalismo.

13. Na Tchecoslováquia, onde o Partido agrupa a maioria dos trabalhadores politicamente organizados, as tarefas dos comunistas são, em certo aspectos, análogas à dos comunistas franceses. Ao afirmar sua independência e manter os últimos nexos que os vinculam aos centristas, o Partido Tchecoslovaco deverá difundir a bandeira da unidade de frente proletária contra a burguesia e denunciar o verdadeiro papel dos sociais-democratas e dos centristas, agentes do capital. Os comunistas tchecoslovacos também intensificarão suas ações nos sindicatos, que estão em grande medida em poder dos líderes amarelos.

14. Na Suécia, o resultado das últimas eleições parlamentares permite a um Partido Comunista numericamente débil desempenhar um papel importante. Branting, um dos líderes mais eminentes da II Internacional e por sua vez presidente do Conselho de Ministros da Burguesia sueca, se coloca em tal situação que a atitude da fração parlamentar comunista não pode ser indiferente para a constituição de uma maioria parlamentar. O executivo estima que a fração comunista não poderá negar-se a conceder, debaixo de certas condições, seu apoio ao governo menchevique de Branting como por outra parte o fizeram corretamente os comunistas alemães com certos governos regionais (Turíngia). Porém, isso não quer dizer que os comunistas suecos devam perder sua mínima independência ou se abstenham de denunciar o verdadeiro caráter do governo menchevique. Pelo contrário, quanto mais poder tenham os mencheviques, em maior medida trairão a classe operária e os comunistas deverão esforçar-se em desmascará-los perante a massa operária.

15. Nos EUA, começa a realizar a união de todos os elementos de esquerda do movimento operário sindical e político. Os comunistas norte-americanos têm, deste modo, a ocasião de penetrar nas grandes massas trabalhadoras e de converter-se em centro de cristalização dessa união das esquerdas. Formando grupos em todos os lugares onde haja comunistas, deverão assumir a direção do movimento de unidade dos elementos revolucionários e difundir energicamente a ideia da frente única (por exemplo, pela defesa dos interesses dos desempregados). A principal acusação que pesa contra as organizações de Gompers é que estas últimas se negam obstinadamente a constituir a unidade de frente proletária pela defesa dos desempregados. Sem dúvida, a tarefa essencial do partido consistirá em ganhar os melhores elementos das I.W.W.

16. Na Suíça, nosso partido já obteve alguns êxitos nesta campanha. A propaganda comunista pela frente única obriga a burocracia sindical a convocar um congresso extraordinário que se levará a cabo proximamente e onde nossos amigos possam desmascarar as mentiras do reformismo e desenvolver a maior atividade pela unidade revolucionária do proletariado.

17. Em uma série de países, o problema se apresenta, segundo as condições particulares, debaixo de um aspecto mais ou menos diferente. Porém o executivo está convencido de que as seções saibam aplicar, de acordo com as condições específicas de cada país, a linha de conduta geral que acabamos de traçar.

18. O Comitê Executivo estipula como condições rigorosamente obrigatórias para todos os partidos comunistas a liberdade, para toda a seção que estabeleça um acordo com os partidos da II Internacional e da Internacional II e ½, de continuar a propaganda de nossas ideias e as críticas dos adversários do comunismo. Ao submeter-se à disciplina da ação, os comunistas se reservaram absolutamente o direito e a possibilidade de expressar não somente antes e depois, mas sim também durante a ação, sua opinião sobre a política de todas as organizações operárias sem exceção. Em nenhum caso e sob nenhum pretexto, esta cláusula poderá ser contraposta. Por mais que defendam a unidade de todas as organizações operárias em cada ação prática contra a frente capitalista, os comunistas não podem renunciar à propaganda de duas idéias, que constitui a lógica expressão dos interesses do conjunto da classe operária.

19. O Comitê Executivo da Internacional comunista crê ser útil recordar a todos os partidos irmãos as experiências dos bolcheviques russos, cujo partido é o único que até agora conseguiu vencer a burguesia e apoderar-se do poder. Durante os quinze anos transcorridos entre o surgimento do bolchevismo e sua vitória (1906-1917), este nunca deixou de combater aos reformistas, o que é o mesmo que o menchevismo. Porém, durante este mesmo intervalo os bolcheviques subscreveram acordos em várias oportunidades com os mencheviques. A primeira ruptura formal teve lugar na primavera de 1905. Porém, sob a influência irresistível de um movimento operário de vasta envergadura, os bolcheviques formaram neste mesmo ano uma frente comum com os mencheviques. A segunda ruptura formal se produziu em Janeiro de 1912. Porém, desde 1905 até 1912, a ruptura alterna com uniões e acordos temporários (em 1906, 1907 e 1910). Uniões e acordos que não se produziram somente logo das primeiras lutas entre frações, mas sim sobretudo debaixo da pressão das grandes massas operárias iniciadas na vida política e que queriam comprovar por si mesmas se os caminhos do menchevismo se apartavam realmente da revolução. Pouco tempo antes da guerra imperialista, o novo movimento revolucionário que se seguiu originou nas massas proletárias uma poderosa aspiração à unidade que os dirigentes do menchevismo se dedicaram a explorar em seu proveito, como fazem atualmente os líderes das Internacionais “socialistas” e os da Internacional de Amsterdã. Nessa época, os bolcheviques não se negaram a constituir a frente única. Ao contrário, para contrabalançar a diplomacia dos chefes mencheviques, adaptaram a bandeira de “unidade na base”, quer dizer da Unidade das massas operárias em ação revolucionária prática contra a burguesia. A experiência demonstrou que essa era a única tática verdadeira. Modificada segundo a época e os lugares, esta tática ganhou para o comunismo a imensa maioria dos melhores elementos proletários mencheviques.

20. Ao adaptar a bandeira de unidade da frente proletária e admitir acordos entre suas diversas seções e os partidos e sindicatos da II Internacional e a Internacional II e ½, a Internacional Comunista não poderá deixar de estabelecer acordos análogos em escala internacional. Com relação a questão do socorro aos necessitados da Rússia, o Executivo propõe um acordo na Internacional Sindical de Amsterdã. Renova suas propostas em vistas a uma luta comum contra o terror branco na Espanha e na Iugoslávia. Porém, os dirigentes dessas organizações internacionais demonstraram que, quando se trata de atos, renunciam totalmente a sua bandeira de unidade operária. Em consequência, a tarefa precisa da Internacional Comunista e de suas seções será a de revelar às massas a hipocrisia de seus dirigentes operários que preferem a união com a burguesia do que a unidade dos trabalhadores revolucionários. Porém, a negativa às nossas proposições não nos fará renunciar à tática que preconizamos, tática profundamente de acordo com o espírito das massas operárias e que é preciso saber desenvolver metodicamente, sem trégua. Se nossas propostas de ação comum são rejeitadas, haverá que informar isto ao mundo operário para que saibam quais são os reais destruidores da unidade de frente proletária. Se nossas propostas são aceitas, nosso dever consistirá em acentuar e aprofundar as lutas empreendidas. Nos dois casos, o importante é estabelecer que as conversações dos comunistas com a atenção das massas trabalhadoras, em todas as fases do combate pela unidade de frente revolucionária dos trabalhadores.

21. Ao estabelecer esse plano de ação, o Executivo trata de chamar a atenção dos partidos irmãos sobre os perigos que podem representar. Todos os partidos comunistas deverão ser suficientemente sólidos e organizados e devem haver vencido definitivamente as ideologias centristas e semi-centristas. Podem produzir-se excessos que provoquem a transformação dos partidos e grupos comunistas em blocos heterogêneos e informes. Para aplicar com êxito a tática proposta é preciso que o partido esteja fortemente organizado e que sua direção se distinga pela perfeita clareza de suas ideias.

22. No próprio seio da Internacional Comunista, nos grupos considerados com razão ou sem ela, como direitistas ou semi-centristas, existem indubitavelmente duas correntes. A primeira, realmente emancipada da ideologia e dos métodos da II Internacional, não tem, contudo, sabido despojar-se de um sentimento de respeito em relação ao antigo poder organizativo e queria, conscientemente ou não, buscar as bases de um entendimento ideal com a II Internacional e, por conseguinte, com a sociedade burguesa. A segunda, que combate o radicalismo formal e os erros de uma pretendida “esquerda”, se inclinaria por imprimir à tática do jovem partido comunista maior flexibilidade e capacidade de manobra a fim de se permitir chegar mais facilmente às massas operárias. A rápida evolução dos partidos comunistas impulsionou algumas vezes essas correntes a unirem-se, quer dizer a formar uma só. Uma atenta aplicação dos métodos indicados anteriormente, cujo objetivo é proporcionar a agitação comunista, um apoio às ações das massas unificadas, contribuirá eficazmente para o fortalecimento revolucionário de nossos partidos, ajudando na educação experimental dos elementos impacientes e sectários e liberando-os de uma vez do peso morto do reformismo.

23. Por unidade da frente proletária é preciso entender a unidade de todos os trabalhadores desejosos de combater o capitalismo, incluídos, portanto, os anarquistas e os sindicalistas. Em vários países, esses elementos podem associar-se utilmente às ações revolucionárias. Desde seu início, a Internacional Comunista sempre preconizou uma atitude amistosa com respeito a esses elementos operários que superam pouco a pouco suas debilidades e aderem ao comunismo. Os comunistas deverão entrar em sucessivos acordos com a maior atenção, dado que a frente única contra o capitalismo está em vias de realização.

24. Com o objetivo de fixar definitivamente o trabalho no atender das condições indicadas, o Executivo decide convocar proximamente a uma assembleia extraordinária na qual estarão representados todos os partidos afiliados pelo dobro de delegados do número ordinário.

25. O Comitê Executivo dedicará a maior atenção a todas as gestões efetuadas no sentido que acabamos de indicar e solicitar aos distintos partidos um informe detalhado de todas as atividades realizadas e dos resultados obtidos.

LISTA DE SIGLAS
IC – Internacional Comunista ou Komintern;
NOTAS
[1] Nos Congressos seguintes, o quinto (1924) e, particularmente, o sexto (1928), o Komintern passou a operar uma nova guinada em sua atuação política. De corte esquerdista, a nova linha batizada como ‘terceiro período’ caracterizava todos os demais partidos proletários, tanto fazia se fosse a social-democracia alemã ou os anarquistas espanhóis, como “irmãos gêmeos do fascismo”. Essa orientação foi adotada à risca pelos PCs em todo o mundo. Em alguns países, como na Espanha, ela jogou os comunistas na marginalidade, diante do PS e da CNT-FAI que tinham influência de massas. Em outros, como na Alemanha, ela fracionou a esquerda, o que ajudou a abrir caminho para o nazismo. É possível atribuir essa orientação ao grupo dirigente em torno de Stalin, que acabou comandando o Komintern depois da morte de Lênin, até sua dissolução em 1943.
[2]  Aliás, na Itália, há pouquíssimo tempo antes da realização do Congresso, Mussolini foi empossado como primeiro-ministro com o aval da monarquia. Sem dúvidas, um fato dessa magnitude, logo em seguida de um ciclo tão forte de mobilizações como foi o biênio vermelho, não tinha como não impactar em cheio as mais de 3 centenas de delegados ali presentes e a Lênin em particular: “Em Moscou, durante o IV Congresso da Internacional, Lênin abordou a delegação italiana e a questionou, querendo saber o que houve. Bordiga, que preferia dar-lhe argumentos de salão contra a frente única, no entanto fez um esforço de explicar-lhe que não havia diferença substancial no domínio da classe burguesa, que o fascismo não era nada de novo e que não duraria. Conta-se que Lênin parecia abismado. (Broué, 1997, p. 258)”. Diante do desastre que se abateu em seu país, os delegados italianos permaneceram calados ao longo de todo o debate.
BIBLIOGRAFIA
BROUÉ, Pierre, Histoire de l’internationale communiste 1919-1943, Fayard, Paris, 1997. Trad. Bruno Rodrigues.
III Internationale communiste, Manifestes, thèses et résolutions du quatrième congrès (1922), l’Archive Internet des Marxistes – Section française. Disponível em: http://bit.ly/3wxGcIs. Trad: Bruno Rodrigues.