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MOVIMENTO

Os 66 dias da greve dos servidores de Florianópolis

66 dias de greve sem desconto de salário e com vacina no braço! O exemplo vitorioso da maior mobilização já realizada na história pelas servidoras e servidores públicos municipais de Florianópolis

Coletivo Travessia e Resistência/PSOL Florianópolis

Trabalhadoras e trabalhadores da rede municipal de educação de Florianópolis, juntamente com outras categorias, decidiram hoje (28), em assembleia, aceitar a proposta do Tribunal de Justiça de Santa Catarina para o retorno as atividades presenciais nas unidades educativas a partir da próxima segunda feira (31). 66 dias após a deflagração da greve, a categoria conquistou a primeira dose da vacinação para a educação, ampliada inclusive para as trabalhadoras e trabalhadores terceirizados que atuam nas unidades, além da reposição dos dias letivos não trabalhados no formato híbrido, sem desconto de salário e sem nenhuma perseguição aos participantes do movimento paredista.

Do ponto de partida a conquista das ruas

Nas ruas da cidade de Florianópolis, nas redes sociais das escolas e Núcleos de Educação Infantil, além da caixa de correio de cada morador da cidade, os últimos dois meses foi de muita luta em defesa da vida!

As trabalhadoras e trabalhadores do serviço público municipal deflagaram greve no dia 24 de março, em resposta a ordem da prefeitura de retornar ao ensino presencial em toda rede. 

Com a #EssencialéaVida, a categoria demonstrou sua disposição e combatividade, construindo uma rede de apoio ampla, articulando as comunidades educativas, com apoio de pais e estudantes, além da participação organizada da maioria dos Conselhos de Escola das unidades.

Com transparência e sempre aberto para o diálogo, professores e professoras foram ocupando as redes e aos poucos amadurecendo a ocupação das ruas em atos que foram se ampliando e se massificando, semana após semana.

A primeira vitória veio no campo minado do judiciário, local em que governos e patrões estão sempre com seu poderio jurídico fortalecido contra a classe trabalhadora. Após uma liminar, duas audiências de conciliação e um julgamento colegiado, os desembargadores julgaram como “legal” a nossa greve, a qual já era legítima em toda a cidade.

Apesar do julgamento, o Prefeito Gean e seu secretariado seguiu na política de não negociar com a categoria e buscando comprar a grande mídia para tentar virar a opinião pública a seu favor.

O Ministério Público, após a decisão do TJ, chamou a categoria e o executivo para tentar construir um acordo, porém mais uma vez essa construção foi negligenciada pelo executivo que assinou a proposta e no mesmo dia publicou ofício desautorizando e desacordando o que havia avançado até então.  Isso jogou ainda mais a prefeitura para defensiva e o tom das críticas da população seguiram aumentando.

A Câmara de vereadores atuou em parte buscando construir algum tipo de negociação, mas sem sucesso. Alguns vereadores da base do governo e ainda outros da extrema direita tentaram desmoralizar nosso movimento. Aproveitando as críticas levantadas, o secretário municipal de educação, Maurício, de forma oportunista, além de reforçar a posição cristalizada de não negociar, ainda elogiou a fala de um dos vereadores extremistas que havia criticado os diretores e diretoras das unidades educativas que estavam em greve, dando a entender que os problemas das unidades eram responsabilidades destes e não da secretaria.

Diante de tantas iniciativas e concomitante as mesmas, o comando de greve, juntamente com a mesa de negociação e a direção do Sintrasem foram elaborando e realizando atos de rua, os quais foram se ampliando e incomodando o executivo dia após dia. Em meio a pandemia, respeitando o distanciamento social, utilizando máscaras e sempre higienizando as mãos, nossas fileiras foram esticando ao ponto de termos atos de rua com mais de mil pessoas.

A cada ato o elemento criativo da base da educação demonstrava nosso potencial coletivo, com esquetes e místicas que tanto tratavam da situação da greve, como também dialogavam com elementos da nossa cultura, politizando as apresentações e mantendo o ânimo da categoria que seguia insistindo para arrancar mesa de negociação.

Nas últimas semanas, além dos atos, ganhou força a ideia de dialogar com as comunidades a partir da entrega de cartas e jornais elaborados pelo Sintrasem, os quais causaram grande impacto político na cidade, uma vez que a categoria organizou vários grupos para realizar a entrega de casa em casa, dialogando com a população sempre que possível, ou simplesmente deixando o material nas caixas de correio das residências. Em muitos casos trabalhadoras e trabalhadores pegavam o material e individualmente faziam a entrega das cartas e jornais pelo menos na rua em que moram, o que fez com que nossa posição em defesa da vida chegasse a toda população.

Ainda que sem negociação formal, com o passar do tempo nossa pauta de greve foi sendo atendida, até a última audiência de conciliação realizada no dia 27/05, quinta feira. A seguir fica o registro dos encaminhamentos, bem como a reflexão do que foi conquistado.

Política de testagem

A prefeitura desde o início da pandemia vem realizando a testagem e rastreamento nas escolas, com base nas orientações da Vigilância Epidemiológica. Nossa defesa era por uma política robusta de testagem em massa, contudo a manutenção do cumprimento deste protocolo representa parte do conjunto do que defendemos enquanto política de segurança sanitária. Ou seja, seguirá ocorrendo o afastamento dos casos suspeitos e casos contatos, a suspensão de todas as atividades até o resultado dos testes, além da desinfecção do local.

Planos de contingências de cada unidade educativa (PLANCONs)

A determinação do TJ definiu que as unidades em que os PlanCons não foram atendidos, isto é, em que ainda não há condições para o retorno presencial, esses documentos deverão ser revisados e as respectivas unidades educativas permanecerão com ensino remoto até que a prefeitura dê encaminhamento para o cumprimento do que tais planos determinam. Essa dinâmica se dará a partir do encaminhamento de denúncias de cada unidade educativa para o Ministério Público, o qual se comprometeu a acompanhar o processo de revisão e cumprimento dos PlanCons. Além disso vale o destaque os Plancons podem ser atualizados a qualquer momento, ou seja, diante de alguma nova questão que impossibilite a continuidade do ensino presencial será por sua atualização que teremos força para voltar para o ensino remoto ou mesmo para resolver determinado problema.

Equipamentos de Proteção Individual – EPI’s

Foi o deflagrar de nossa greve que colocou a prefeitura em movimento para compra dos EPI’s, os quais até o início do movimento sequer haviam chegado nas unidades educativas.

Com a chegada dos EPI’s identificou-se que as máscaras faciais não eram adequadas para o trabalho em ambiente fechado, o que nos motivou a defender nas audiências que a prefeitura comprasse máscaras do tipo PFF2 ou N95.

Contudo na última audiência a Desembargadora Betina negou a possibilidade de que a prefeitura tivesse que atender a esta reivindicação, trazendo exemplos de senso comum que não atendem as recomendações da própria secretaria de saúde da prefeitura, a qual oficializou a recomendação das máscaras PFF2 ou N95 para toda a população.

Apesar desse ponto em desacordo, os demais itens já estão nas escolas e creches. Seguindo a linha proposta pelo MP, devemos seguir denunciando quando faltarem os demais EPI’s, bem como retomando o ensino remoto quando a entrega para suprir a demanda local for atrasada.

Retornopresencial: Vitória parcial

Defendemos desde o início que o retorno ao ensino presencial só acontecesse quando houvesse condições sanitárias seguras, o que incluía, por exemplo, a conclusão da imunização de toda a categoria.

Diante de nosso quadro de greve (65% a 70%) e a constatação que não havia mais força nem para ampliar a adesão ao movimento, muito menos para permanecer mais tempo em greve, sob risco de sermos esmagados pela justiça, com desconto de salários, ataque a entidade sindical etc., buscamos amarrar o retorno presencial a vacinação.

A desembargadora Betina manteve desde o início da audiência de conciliação uma posição intransigente, de que a escolas e Neims deveriam abrir até no máximo o dia 31/05, ou seja, a próxima segunda feira. Em resposta a mesa de negociação defendeu o estabelecimento de um calendário mínimo de vacinação para que tivéssemos garantias do retorno com pelo menos o início da imunização. Conseguimos!

Até segunda feira, dia 31/05 todas as trabalhadoras e trabalhadores da educação infantil e dos anos iniciais (1º ao 5º ano) serão imunizados e até quarta feira, (02/06) todos dos anos finais deverão já ter recebido a primeira dose da vacina da Covid.

Se é verdade que devemos retornar segunda feira, é também verdade que as unidades educativas que estavam fechadas em razão da greve deverão organizar os espaços para então começar a receber os estudantes e, de acordo com a portaria 032/2021 da PMF, a modalidade de ensino será no formato híbrido, o qual também precisará ser amadurecido a partir da realidade de cada unidade educativa.

Por fim, mas não menos importante

Duas decisões determinadas pelo TJ foram as decisivas para decisão de aceitarmos a proposta e encerrássemos a greve: A não punição de nenhum participante da greve, e o não desconto dos salários.

Nossa entidade sindical ficou com uma multa de 40 mil reais, porém com a possibilidade de defender como utilizar esse recurso. A proposta em amadurecimento é de que o dinheiro seja utilizado para compra de máscaras N95 e distribuir para a própria categoria.

A conclusão é que a nossa resistência ao longo desses mais de dois meses conquistou:

– a preservação das vidas da comunidade educativa;

– a diminuição dos números da pandemia em nossa cidade, única região do estado com essa diminuição, fruto do não retorno ao ensino presencial até o momento;

– a saída da greve com a conquista da primeira dose da vacina;

– a capacidade e a força de conquistar nossos direitos a partir da tomada das ruas de forma organizada e respeitando os protocolos sanitários, elemento que devemos seguir fortalecendo com a campanha FORA BOLSONARO;

– o julgamento de nossa greve como LEGAL, o que permitiu que ficássemos todo esse período em greve sem termos descontos em nossos salários;

– o reposição dos dias letivos não trabalhados no formato híbrido, o qual deverá ser construído a partir da decisão democrática de cada unidade educativa.

– o prova que mesmo sem aceitar negociar com a categoria, o prefeito Gean foi obrigado a atender nossa pauta de reivindicações.

É preciso estarmos atentos agora ao calendário de reposição, o qual foi apresentado em assembleia e que deve ser definido e aprovado, por todas as unidades educativas, sem nenhum tipo de caracterização de punição, em especial por parte das poucas direções das unidades que não aderiram ao movimento grevista.

Dos 66 dias de Greve, 46 são dias que precisam ser repostos. Destes, considerando o fato de que não podemos usar dias do próximo ano, bem como devemos preservar os períodos de Férias dos estudantes, organizaremos a reposição a partir de 16 Sábados, e os demais dias com planejamento remoto, no mesmo molde já oferecido pelas escolas que continuaram atendendo após o início da greve. Ou seja, um planejamento específico para cada semana de atividade assíncrona, totalizando 6 planejamentos semanais para suprir os 30 dias letivos faltantes e assim permitir o desenvolvimento dos objetivos de aprendizagem não trabalhados.

A proposta aprovada não é a que a categoria queria em sua totalidade, mas demonstrou que com força, perseverança e muita, mas muita resistência, conquistamos o retorno presencial com pelo menos a primeira dose da vacina e principalmente, preservamos vidas ao longo desses mais de dois meses de greve, bem como saímos da greve sem desconto salarial.

Esse foi, portanto, a maior greve de nossa história sindical municipal, a qual certamente ficará registrada como o exemplo de luta em defesa da vida, em tempos de pandemia e retirada de direitos da classe trabalhadora.

Que venham as próximas lutas, já aprendemos que a defesa da vida é a verdadeira essencialidade! Se novas ondas da pandemia surgirem, seguiremos na luta para garantir segurança sanitária!

Essencial é a Vida!

Seguimos em Resistência até a vitória final de toda classe trabalhadora!