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BRASIL

Passeata em fileiras, máscaras, álcool gel: o que está sendo feito para proteger os manifestantes nos atos do dia 29

Comissões de saúde trabalham em todo o país para reduzir os riscos de contágio

Gustavo Sixel, da redação
Scarlett Rocha

Com quase 500 mil mortes e com Bolsonaro sem recuar dos ataques às liberdades democráticas e direitos, ganha cada vez mais força nos movimentos sociais a avaliação de que não é mais possível deixar as ruas apenas com os apoiadores do governo, que são minoria hoje na sociedade. O crescimento da adesão ao dia 29, com mais de 140 atos no Brasil e no exterior, mostra como vai se tornando maioria a escolha de estar nas ruas, mesmo na pandemia.

Durante essa semana, por todo o país, o que se viu foram esforços para reduzir os riscos de contágio e transmitir segurança a quem for participar dos atos. A preocupação começou nas redes sociais, com cards e dicas sobre os cuidados no dia 29, desde o momento de sair de casa. Foi uma primeira resposta a ideia de que a esquerda, por ir às ruas, estaria se igualando ao negacionismo dos atos bolsonaristas. “Nós temos plena consciência de que nossos atos não são a mesma coisa dos deles. Nosso objetivo é defender a vida das pessoas. Não serão os nossos atos, em locais abertos, que vão gerar aumento da contaminação” afirma Iago Montalvão, 26, presidente da UNE e um dos coordenadores da comissão de saúde do ato de São Paulo.

A distribuição de máscaras PFF2 ocorrerá em praticamente todo o país, para quem quem estiver sem ou para substituir máscaras não indicadas, como as de pano. Rio de Janeiro e São Paulo já contam, cada cidade, com 2 mil máscaras. Em Belo Horizonte, os organizadores já reuniram 1 mil máscaras e, em Fortaleza, 500 unidades. As organizações recomendam que as pessoas saiam de casa com máscaras PFF2 ou N95 e que, se possível, levem uma reserva. 

Em cada cidade, comissões foram formadas. O nome muda – comissão de saúde, brigada sanitária, comissão de biossegurança – mas o objetivo é o mesmo: evitar o contágio. A semana foi de reuniões online, para montar equipes, conseguir mais pessoas, e definir as estratégias, que incluem entrega de máscaras e álcool gel e caminhada em filas ou cordões.

Em São Paulo, que deve sediar o maior ato do País, a brigada de saúde está sendo montada de forma unitária, com representantes das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, da UNE, da Coalizão Negra e centrais sindicais. A comissão já conta com 50 voluntários e esse número vai aumentar muito ao longo do dia. Todos estarão com lenços no braço e a organização está buscando coletes brancos, para ajudar na identificação. Uma tenda será colocada no MASP, onde as pessoas poderão pegar máscaras e se higienizar, com álcool gel.

Em Belo Horizonte, a comissão também é unitária e já conta com 25 pessoas. “Vamos organizar a distribuição das máscaras logo no início e depois, vamos estar identificados, com uma faixa vermelha no braço, para orientar e tentar manter o distanciamento”, afirma Marcus Vinicius Ribeiro Cruz, 21, estudante de Medicina na UFMG e militante do Afronte!

Scarlett Rocha
Karine Rodrigues, no primeiro ato simbólico na pandemia, no 1 de maio de 2020

A enfermeira Karine Rodrigues Afonseca, da Coletiva SUS e da Resistência Feminista, faz parte da comissão de saúde criada para o ato em Brasília, um dos principais do país. Na reunião da comissão, metade era da saúde e já haviam atuado em outros atos. “A gente conhece um pouco como funciona. Durante a caminhada, é um pouco mais tranquilo. O pessoal respeita as orientações. O que nos preocupa mais é durante a concentração e a dispersão, quando as pessoas se abraçam, se reencontram”, afirma. Para isso, uma equipe irá marcar o local em frente ao Congresso Nacional com faixas de sinalização no chão, para que, no ato final, as pessoas permaneçam em fila, mantendo o distanciamento mínimo. Ao longo do percurso, que será feito em seis filas, será repetido a todo o momento no carro de som a orientação de distanciamento, enquanto, no chão, a comissão de saúde, identificada com lenços brancos amarrados no braço, irá atuar orientando e chamando a atenção de quem se aproximar muito. Cicloativistas também irão percorrer a passeata e alertando as pessoas.

“Um passinho para o lado, por favor”

O “se afastem” será ouvido em todo o país. “Em geral as pessoas costumam receber bem as orientações. A maioria reconhece e apoia a nossa brigada, a ideia de ter um grupo destinado para isso é sempre bem vista”, afirma Pietra Alcântara, do Centro Acadêmico de Medicina da UFRJ e militante da UJS, que integra a Brigada de Biossegurança do ato no Rio de Janeiro. A brigada, que ainda está recebendo voluntários, estará identificada no ato por lenços vermelhos ou roupas brancas.

A organização do ato do Rio buscará manter as pessoas com distanciamento, desde a concentração, no Monumento de Zumbi dos Palmares, orientando filas. “Precisa ter 1,5 metro de distância, no mínimo. Tem um jeito simples, que é as duas pessoas que estão lado a lado esticarem os braços um para o outro. Essa é a distância mínima”, explica Carlos Henrique Tibiriça Miranda, 70, o Caíque, da Frente Brasil Popular e da organização do ato carioca. A caminhada deve seguir pela Presidente Vargas, Avenida Passos e finalizar no Largo da Carioca. “Vamos formar filas também no trajeto. Estamos tomando todo o cuidado, até para que o ato seja um diferencial diante da irresponsabilidade feita domingo no Aterro do Flamengo, aquela motocicletada com Bolsonaro”, afirma.

“Não é uma questão de valentia”

Além dos cuidados no dia, os organizadores têm alertado sobre quem não deve ir: pessoas em grupo de risco e não vacinadas ou que tenham tido contato recente com pessoas com covid-19, por exemplo. “Não devemos criar uma divisão, entre quem fica em casa, como medroso, e quem vai ao ato, como corajoso. Não é uma questão de valentia”, avalia Caíque, que, após ter sofrido um infarto, recentemente, está incluído no grupo de pessoas que não devem ir. “Meu médico disse que iria me ligar umas 10h30 para confirmar se estou em casa. Vou ficar em casa, infelizmente, mas atuando nas redes sociais. Todo mundo vai ter o seu papel nessa luta”.

Brigadistas

No dia 29, serão algumas centenas de ativistas da saúde (e de outras áreas) atuando nas ruas. “Também vamos estar disponíveis para qualquer intercorrência, algum problema de repressão policial”, explica Pietra Alcântara, do Rio de Janeiro. Marcus Vinicius, em Belo Horizonte, também se prepara para esse tipo de atendimento. Os dois já haviam participado de brigadas em atos anteriores, como os do dia 13 de maio, com uma quantidade menor de manifestantes, e essa será a primeira vez que atuarão em comissões de saúde em um grande ato.

Com as brigadas, farão mais do que reduzir o contágio. Estarão se conectando ao que já é realidade no Chile, onde cada ato conta com equipes de brigadistas, para cuidar dos feridos pela repressão. Na Colômbia, além da saúde, há uma brigada de mulheres, a “primeira linha das mães”, para resgatar feridos. A pandemia, dessa forma, pode formar uma geração de brigadistas brasileiros, marcada pelo espírito de solidariedade e de unidade, fundamentais para derrotar o bolsonarismo e poder voltar a sonhar.

 

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