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Braços estendidos para Sônia Guajajara e os povos indígenas

Divulgação/amazonia.org.br

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.

(Publicado no Jornal A Tarde, Salvador, 07/05/2021)

Candidata à vice-presidente de [co-presidenta com] Guilherme Boulos na chapa do PSOL em 2018, a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, foi surpreendida na última semana com um inquérito por fazer críticas à Bolsonaro na série “Agora é a vez de Maracá”. Não fosse em si um absurdo sofrer processo por criticar o presidente da República, um direito garantido pela Constituição, o que é ainda mais grave, no caso, é que Sônia foi acusada pela Fundação de Assistência ao Índio (Funai), justamente uma entidade criada para proteger e assistir os povos indígenas.

Criada em 1967, na Ditadura Militar, a Funai sucedeu o Serviço de Proteção ao Índio, uma entidade que existia desde o início do século XX. Apesar de serem os criadores da Funai, não se pode dizer que os militares tenham sido defensores dos índios. Estima-se que cerca de oito mil indígenas tenham sido mortos durante a ditadura em função de projetos predatórios que pretendiam levar estradas e “desenvolvimento” para a Amazônia. Todavia, é sabido que as concepções mais destrutivas de progresso foram sendo vencidas pela luta dos indígenas, que junto com estudiosos e personalidades diversas, trabalharam na proteção dos povos originais. Por tudo isso a Funai tornou-se uma entidade respeitada, uma ponte necessária entre os interesses das comunidades indígenas e as demandas de um país que precisava ser “civilizado” por aqueles que muitos ainda chamavam de “selvagens”.

Em que pese a importância da Funai e todo trabalho desenvolvido desde o fim da ditadura, a entidade vem vivendo inúmeros retrocessos desde que Bolsonaro chegou à presidência. A começar pelo fato de que o presidente brasileiro continua insistindo na tese de que o melhor que se pode fazer pelos índios é transformá-los em “humanos”, as políticas voltadas para proteção das comunidades vem sendo desmontadas. Atualmente dirigida por Marcelo Augusto da Silva, um delegado da Polícia Federal ligado a ruralistas, a Funai vem se tornando uma entidade inimiga dos povos que devia defender.

A bem do governo de um país que não se cansa de passar vergonha no plano internacional, o inquérito aberto na PF foi trancado na última quarta por decisão do juiz Frederico Viana que apontou uma “distorção teratológica” na peça investigativa acrescentando que a “atividade política e social em defesa da população indígena não pode ser, de forma alguma, perseguida por quaisquer dos aparatos estatais, sejam eles punitivos ou não, pelo simples fato de que traz, em suas considerações, imputações severas contra agentes públicos e a atuação do Poder Executivo”.

Sônia Guajajara mereceria o desagravo da parte de todos os gestores do país, mas na altura em que a luta maior dos indígenas é para continuarem vivos, o mínimo que podemos oferecer, além do respeito, são as nossas mãos e braços para a luta.