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BRASIL

Bicha não morre, a gente vira purpurina

Lucas Brito, de Belo Horizonte, MG
Reprodução

Já são mais de 412 mil mortes pela COVID-19 e cada uma delas merece ser homenageada. Toda morte deixa saudade, faz sofrer. Mas essas mortes, em particular, doem diferente, pois sabemos que grande parte delas poderia ter sido evitada, se não fosse um governo negacionista, anti-ciência, defensor da morte e das ruínas.

Ontem, nos tiraram Paulo Gustavo. O Brasil foi dormir em luto por conta do responsável pela maior bilheteria da história do cinema brasileiro. Perdemos uma bicha de Niterói, corajosa, de cara no sol, que acreditava no poder do amor e na capacidade revolucionária da risada. O luto por Paulo Gustavo tem simbolizado a dor de um Brasil que chora e não é acolhido.

Em tempos tão sombrios, a Dona Hermínia, a “titia”, a Iesa, a Marcelina, o Juliano e toda a turma do “Minha mãe é uma peça” fizeram o Brasil sorrir. O terceiro filme foi, para muita gente, a última ida ao cinema, antes da pandemia. Paulo Gustavo mostrou como se poder rir com as bichas, não delas. O humor desse grande artista veio com a coragem da diversidade.

Hoje, o Brasil que chora se reencontra com o Brasil. O país que se orgulha de amar, não de odiar; de sorrir, de se solidarizar… O Brasil que está em luto pela morte de Paulo Gustavo é o país capaz de vencer o mal que cresceu entre nós.

A risada contra a desgraça

Nos últimos anos, o Brasil se perdeu. A eleição de Bolsonaro, desde o começo, representou retrocesso antes inimaginável. Sua eleição coroou o golpe, que já havia iniciado o caminho da retirada de direitos e da escalada do autoritarismo.

Essa eleição foi uma vitória para o bolsonarismo, um movimento de massas a serviço da elite financeira, para a retirada de direitos e das liberdades democráticas, mobilizado por afetos, ódio, amor ao seu “chefe” e medo. Bolsonarismo é o irracionalismo que adotou o discurso conservador extremo e que, apoiado nos valores da família conservadora, defende a ditadura, a censura, a LGBTIfobia, o racismo e tudo mais que há de ruim.

Foi nesse cenário que Paulo Gustavo levou mais de 9 milhões de brasileiros ao cinema para sorrir juntos da diversidade. O “minha mãe é uma peça” se inspirou em uma família chefiada por uma mulher e teve nas mulheres os seus alvos de homenagem. Sorrimos e choramos com a saída de Juliano do armário e nos deliciamos com as peripécias de uma mulher forte e desbocada como a Dona Hermínia. Eu assisti esses filmes com a minha mãe e sei que, juntos, aprendemos muito sorrindo com o Paulo Gustavo.

Vira purpurina!

A gente não morre quando a nossa vida é uma mensagem. Nossas ideias ficam. Paulo Gustavo, apesar de todo o ódio na sociedade, venceu o armário, se casou, constituiu uma família e fez da sua arte uma homenagem bicha. Ele disse assim: “rir é um ato de resistência…a gente não vai deixar de sorrir, de ter esperanças…contra o preconceito, a intolerância, a mentira e a tristeza já tem vacina: o amor”.

Paulo Gustavo nos foi tirado um dia antes de o Brasil completar a primeira década do direito à união civil homoafetiva. Logo ele, que, há sete anos casado e com dois filhos, é parte dessa conquista. Mesmo agora, ele está nos ensinando ao fazer a imprensa, em uma das poucas vezes, tratar seu marido Thales Bretas pelo adjetivo correto: “marido”, no lugar do uso envergonhado da palavra “companheiro”. Obrigado, Paulo Gustavo.

Antes mesmo do que possamos imaginar, essa mensagem irá brilhar no coração de um país que já conheceu o amor, a esperança e a coragem de ser feliz. Paulo Gustavo disse que amor é ação. Ajamos em defesa desse Brasil. Assim, o nosso luto vai poder se cobrir de brilho. E vai ser ele nos jogado purpurinha.