Ditadura não se festeja, e se alguém a comemora, de fato, não se constrange em repeti-la. A ordem do dia do ministro da Defesa Braga Netto, em larga medida, é uma admissão de crime, pois o golpe de 1964 é a gênese de múltiplos crimes contra as liberdades políticas e o direto a vida. É esse episódio histórico que ele reivindica. Não ele apenas, mas o governo que representa: o do genocida Jair Messias Bolsonaro, que idolatra torturadores.
Não há o que comemorar, ou seriam motivos de festas os 10.000 torturados, os 7.000 processados, os 10.000 exilados, os 5.000 cassados, os 437 mortos e desaparecidos e as centenas de indígenas que sucumbiram sem ter sequer o direito a constar das estatísticas oficiais?
Nunca foi pela democracia, pela liberdade ou pelo direito. O golpe de 1964, pois esse é o seu nome, foi um ato ilegal, antidemocrático e abriu as portas ao arbítrio, à violência institucionalizada e ao sufocamento das liberdades individuais e públicas.
O golpe de 1964 foi articulado pela alta cúpula das forças armadas, a embaixada dos EUA e o comando maior do empresariado. Isso posto, ensejou um regime político autocrático, entreguista e ferramenta do mercado capitalista para retirada de direitos da classe trabalhadora.
Nos anos que se seguiram, o regime de exceção amordaçou a liberdade de imprensa, apesar do apoio entusiasmado dos barões da mídia (Estadão, Folha, Globo etc.) ao golpe de força. Mas não só isso. O regime político repressivo interveio nas universidades. Afastou, prendeu, torturou e assassinou estudantes e professores. E foi mais longe. Sufocou a livre manifestação artística, impondo a censura e as perseguições políticas como normas irrecusáveis.
Quase ninguém escapou à sanha do sistema de poder implantado: padres, militares pela democracia, artistas, jovens, idosos, crianças, país, mães, avós, educadores, “o preto, o pobre, o estudante, a mulher sozinha”, como escreveu Belchior.
Mas foram os operários e camponeses, a esquerda socialista e comunista e as suas organizações os que mais sofreram os reveses da política genocida da ditadura militar-empresarial, que passou a dominar o Brasil em 1964, e que se estendeu por longos 21 anos.
O Brasil saiu de duas décadas de ditadura humanamente dilacerado, economicamente endividado, dependente e decadente, socialmente mais injusto e ecologicamente mais sofrido.
As mãos úmidas dos torturadores adubaram essa terra com o sangue dos resistentes e deixaram marcas de sofrimento e dor nos corpos e nas lembranças.
Por isso, esse não é um dia de se celebrar nada ou de simples memória. É um dia de indignação, de reafirmar que nunca faremos as pazes com essa memória, é um dia para se descomemorar, e, antes de tudo, é um dia a ser permanentemente repudiado e, nesse sentido, o lugar dos seus defensores é o lixo da história.
Os crimes do passado não podem ser esquecidos. A longa noite das baionetas não será repetida. Os que a reivindicam devem ser rechaçados e punidos. Ditadura, nunca mais! Fora Bolsonaro genocida!
*Professor universitário, militante da Resistência/PSOL, autor do livro 1964 O dezoito brumário da burguesia brasileira
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