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BRASIL

Contagem à beira do colapso

Cristiano "Baiano", de Contagem, MG
Prefeita em solenidade, mostra cartaz com a frase pacto pela vida. Ela usa máscara.
Divulgação

No dia 09 de janeiro, a prefeita de Contagem, Marília Campos (PT), lançou uma das suas primeiras medidas de governo, o “Pacto Pela Vida”, um acordo entre a prefeitura e os empresários da cidade sobre os protocolos sanitários de funcionamento das atividades econômicas. Apesar do nome pomposo, na prática são apenas definições das medidas de combate à pandemia no município, que incluem conscientização da população sobre a necessidade do distanciamento social, utilização de máscaras de proteção e medidas para conter a proliferação do vírus.

No decreto 004/2021 foram definidas as regras para o funcionamento das atividades comerciais e estabelecimentos. No decreto ficaram suspensas atividades de cinemas, teatros, circos, centros culturais, bibliotecas, parques, clubes, casas de show, eventos culturais, esportivos e de qualquer natureza com mais de 10 pessoas. O comércio, indústria, serviços, igrejas, shoppings foram autorizadas a funcionar com algumas regras. Restaurantes, bares, lanchonetes, padarias, trailers também tiveram definições de regras e horários de funcionamento. O bares e restaurantes, por exemplo, podem funcionar de quinta à domingo até às 23h, sendo permitido a venda e o consumo de bebidas alcoólicas no local. 

No dia 03 de março, a Prefeitura realizou a “Live: Pacto Pela Vida Continua” com a presença de Marília Campos, do secretário de Saúde, Fabrício Simões; do secretário de Desenvolvimento Econômico, René Vilela; do presidente da Câmara de Vereadores, Alex Chiode e de representantes dos empresários da cidades, através dos Presidentes do CDL, da CIEMG (Centro Industrial e Empresarial de Minas Gerais) e lideranças empresariais, comerciais, industriais e religiosas.

Nessa live, foi feita uma avaliação do combate à pandemia pelo “Pacto Pela Vida”, da situação da pandemia no município e das medidas que careciam de adequação.

Na live, foi unanimidade que o “pacto” até então tinha sido um sucesso, que o diálogo da prefeitura com os diversos setores do empresariado tinha sido muito importante, que o “pacto” foi determinante para impedir que as empresas quebrassem. Foi discutido também a necessidade de melhorar, que ainda havia problemas e faltavam muitas empresas aderirem. A todo momento se falava que a situação era grave e que seria necessário manter os protocolos sanitários, a politica de conscientização da população e a fiscalização, principalmente após a apresentação da situação da pandemia feita pelo secretário de saúde, com a previsão de piora para o mês de março. Tanto o secretário de saúde quanto a prefeita enfatizaram que a situação era grave, preocupante, mas estável e, por isso, poderiam continuar como estavam, com quase tudo funcionando.

No dia 08/03, ocorreu a reunião da Associação da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Granbel).  Nessa reunião, foi discutido implementar uma onda “lilás” que seria intermediária entre vermelha e roxa. Com isso, no mesmo dia à noite, cinco dias depois da reunião que avaliou positivamente o “Pacto Pela Vida”, a prefeita fez uma coletiva de imprensa informando que no dia 09/03 teria um novo decreto com mais restrições, inclusive, com o fechamento da maior parte dos serviços não essenciais. Essa decisão foi tomada após análise dos índices da pandemia, como 93% de ocupação das UTI´s e uma taxa de positividade de 41% dos testes feitos na cidade. O secretário de saúde afirmou que os testes ainda não detectaram variações do vírus, mas que acreditavam que provavelmente já estavam circulando em Contagem, assim como constatado em Belo Horizonte e Betim.

Se o “Pacto Pela Vida” foi tão positivo, como chegamos à beira de um colapso em Contagem?

1 – Os decretos

O primeiro decreto do Pacto Pela Vida estava cheio de contradições e incoerências como: parques, que são áreas abertas, não podem funcionar e Shoppings podem; Igrejas podem funcionar com regras e cinemas, teatros, circos e etc, não podem; os bares podem funcionar justamente nos dias e horários mais frequentados. Ao apresentar essas contradições não temos a intenção de defender que então tudo funcione, e sim seu oposto.

Na coletiva de lançamento do “pacto”, a prefeita informou que iria dialogar com as empresas de ônibus para buscar soluções para evitar aglomerações nos ônibus que estavam lotados. Nada foi alterado, até hoje os ônibus continuam lotados com a mesma frota na rua, quando deveriam ter mais ônibus rodando para evitar aglomerações.

Quem andasse pela cidade perceberia que nem parecia que estávamos em uma pandemia. Muita gente sem máscara, até mesmo em alguns comércios. Muitas atividades que o decreto proibia estavam acontecendo normalmente sem nenhuma fiscalização.

Vamos ver agora como será com o novo decreto mais restritivo, que ainda segue com incoerências deixando de fechar alguns setores que não são essenciais como, por exemplo, as igrejas. As igrejas são um dos maiores locais de aglomeração e com um alto nível de transmissibilidade. Esse é um momento de salvar vidas e os cultos podem funcionar online.

2- Com quem foi construído o “Pacto Pela Vida”?

O diálogo para construção do “pacto” foi feito com os empresários e com as igreja. Ficaram de fora os representantes dos trabalhadores e movimentos sociais que são justamente os que representam os setores que mais estão sofrendo e morrendo com a pandemia. Inclusive, quem poderia dizer se as empresas estão realmente cumprindo todas as medidas e regras definidas são os próprios trabalhadores.

3 – Qual a situação da pandemia em Contagem?

Um espectador desatento nas apresentações dos números da pandemia do secretário de saúde ou mesmo nas falas da prefeita poderia chegar à conclusão de que, apesar da gravidade, a situação estava estável e sob controle, e de que somente no momento da apresentação do último decreto mais restritivo, no dia 08/03, é que chegamos a uma situação que justificava o fechamento dos serviços não essenciais. Mas será que os números realmente dizem isso?

Em 09 de março, Contagem atingiu a triste marca de 758 mortes por COVID-19, com 21.067 casos. Em 2021, já temos 7.606 casos e 241 mortes, números parecidos com os de julho e agosto que tinham sido os piores meses da pandemia. Em pouco mais de 2 meses, já temos 31,7% das mortes e 36,1% dos casos de COVID-19.

Os piores meses da pandemia em número de casos são agosto, com 3980, janeiro, com 3766 e fevereiro que, em 28 dias, tiveram 2942 casos confirmados. Em número de mortes, os piores meses foram janeiro, com 122; julho, com 120; agosto, com 106; setembro, com 89, e fevereiro, com 88 óbitos em 28 dias. 

Os piores meses em número de mortes por dia são janeiro, com 3,94; julho, 3,87; agosto, 3,42, e fevereiro, com 3,14, e agora, em março, 3,44. Contagem tem uma média de 2,23 mortes de COVID-19 por dia. Até dezembro era de 1,9 mortes por dia. Se você acha que esses números são baixos vamos fazer uma comparação com o Brasil. No dia 09 de março, a média de mortes por dia no Brasil era de 748 mortes por dia, proporcionalmente, se Contagem fosse o Brasil, teríamos uma média de 711 mortes por dia e no mês de fevereiro teríamos uma média de 994 mortes por dia. O Brasil tinha 1.257 mortes por milhão de habitantes e em Contagem 1.142. Se fosse um país Contagem seria o 31° com mais mortes por milhão no mundo.

A população de Contagem corresponde a 3,18% da população de MG e as mortes por COVID-19 representam 3,87% das mortes no estado. A ocupação de UTI no mês de fevereiro tem oscilado de 67% à 88% (no dia 08/03 chegou a 93%) e de enfermaria de 55% à 88%. As mortes por COVID-19 já representam 27,5% das mortes por ano, lembrando que são mortes evitáveis.

Em Contagem, os testes, assim como nas outras cidades do Brasil, só tem sido feitos para quem vai para o hospital e tem demorado em torno de 10 dias para sair o resultado. Sabemos também que os sintomas demoram para aparecer. Se levarmos em consideração também que muita gente que mora em Contagem procura hospitais em BH, perceberemos que a análise da taxa de transmissão é completamente defasada e só observa o passado e não a realidade atual. E mesmo com essas imprecisões as previsões do próprio secretário de saúde são que teremos uma piora na situação no mês de março, baseado no aumento da taxa de positividade que tem aumentado, chegando a 41% dos testes realizados no município.

Analisando esses números, percebemos que a situação não estava estável há muito tempo. Não foi à toa e nem do nada que chegamos à beira do colapso, foram as decisões tomadas lá atrás que nos trouxeram a essa situação. E, em uma pandemia, decisões erradas custam vidas. Se os serviços essenciais tivessem fechado antes agora já poderíamos estar reabrindo com consequências bem menores e menos mortes. Agora irá fechar com dezenas de cpf`s perdidos. Qual o número de mortes são aceitáveis para não se tomar medidas mais restritivas?

4 – As decisões em Contagem tem sido baseadas na ciência?

É bem verdade que, assim como vários governos e prefeituras, aqui em Contagem tem se levado em consideração a gravidade da pandemia, a necessidade do combate à disseminação do vírus, assim como a necessidade das regras básicas de combate à disseminação do vírus, que são: distanciamento, evitar aglomerações, utilização de máscaras e álcool em gel, dentre outros.

Porém observa-se alguns posicionamentos que destoam dos acúmulos científicos adquiridos até aqui. Temos visto uma defesa de que é possível reduzir a disseminação do vírus simplesmente aplicando as regras básicas de combate à pandemia, os chamados “protocolos”. Vemos essa defesa quando se fala que se o comércio implementar os “protocolos” vamos conter a pandemia. Vimos também no debate sobre a volta das aulas presenciais que bastaria implementar os “protocolos” e não haveriam problemas.

Essa é uma meia verdade, porque as regras básicas realmente previnem a transmissão, mas elas sozinhas não impedem, principalmente quando a transmissão está alta. É só observarmos os locais onde, inclusive, existe uma disciplina maior no cumprimento das regras básicas sanitárias e mesmo assim, quando o número de casos e a transmissão aumentam, acabam tendo que implementar o isolamento social, o fechamento dos serviços não essenciais e até mesmo o lockdown, para conter a disseminação do vírus. A utilização somente das regras básicas pode ser implementada em momentos em que a pandemia está controlada, o que não tem nada a ver com a atual situação que vivemos. Achar que se o comércio simplesmente cumprisse os “protocolos” iríamos controlar a pandemia no estágio que estávamos é ir de encontro com a ciência ou, no mínimo, ingenuidade. Temos que ter a noção de que até termos a vacinação de toda população vamos viver momentos alternados de abertura e fechamento. A própria prefeita Marília Campos, em entrevista a rádio 98 FM, disse que decidiu não fechar os serviços não essenciais antes, contrariando os especialistas.

Como pode um governo se basear na ciência e no momento que estamos a beira do colapso da saúde e manter as igrejas funcionando? Como isso pode ser entendido como uma preocupação em salvar vidas?

Um outro aspecto que demonstra um afastamento da ciência é a baixa testagem da população. Como se sabe, uma das formas de conter a disseminação do vírus é a testagem em massa, para podermos rastrear, isolar e, com isso, controlar o vírus. No início da pandemia, realmente existia a falta de testes, mas essa não é a realidade de hoje, portanto não se justifica a atual política de baixa testagem e de demora nos resultados. Sabemos que com o Governo de Bolsonaro as vacinas vão demorar e que, mesmo que o município consiga comprar através do consórcio, ainda teremos um tempo para lidar com a pandemia, sendo a testagem em massa determinante para contermos a pandemia.

5- O governo é novo?

Temos visto algumas pessoas argumentando que o atual estágio da pandemia são de responsabilidade da gestão anterior, só que isso não é bem verdade. Primeiro que, pelo comportamento do vírus, talvez a prefeita não tivesse influência no que aconteceu em janeiro, mas os números de fevereiro já são fruto da sua administração. Segundo que, desde o ano passado, existia o grupo de transição entre os governos, onde a atual prefeita poderia ter implementado ou orientado medidas diferentes, vide a questão do índice de referência para o aumento do valor do IPTU, em que a equipe da atual prefeita propôs a alteração do índice de referência para diminuir o valor do aumento do imposto. Terceiro que desde que assumiu não implementou nenhuma medida diferente do que se estava fazendo anteriormente. Assim, percebemos que a atual gestão poderia ter proposto medidas diferentes de combate à pandemia e o que vemos ainda são questões básicas sem soluções, como a questão de ainda termos ônibus lotados colocando os trabalhadores em risco.

6- A conscientização tem dado certo?

O que cada vez mais temos visto são pessoas fazendo aglomerações, minimizando os riscos da pandemia e cada vez mais pessoas andando sem máscaras. Entendemos que esse é um problema real e nacional, causado pelo presidente e seus apoiadores que têm disseminado desinformações. Mas a Prefeitura poderia utilizar toda sua estrutura para fazer uma ampla campanha de conscientização, assim como a fiscalização, que não estamos vendo na prática.

7- Como lidar com as consequências econômicas?

Sem dúvidas os trabalhadores e o povo pobre da periferia é quem mais tem sofrido com as consequências da pandemia. Desemprego nas alturas, alimentos cada vez mais caros, combustíveis com aumentos praticamente semanais e já sem o auxílio emergencial há alguns meses. Os pequenos comerciantes também têm sofrido bastante com a diminuição das vendas e com os fechamentos recorrentes.

Essa é uma situação difícil, mas é de responsabilidade do estado garantir melhores condições para a população, em momentos como esse de pandemia. Nós sabemos que a maior responsabilidade é do Governo Federal, mas os governos estaduais e também os municipais podem aplicar medidas para minimizar os danos econômicos e garantir o isolamento social e o fechamento dos serviços não essenciais, para que possamos salvar vidas. 

O vírus nos impõe o fechamento por bem, para evitar o aumento da transmissão e das mortes, ou por mal, com colapso da saúde, muitas mortes e o caos. Pesquisas científicas demonstram que os locais que melhor e mais rápido combatem a pandemia, têm retomada mais rápida da economia e menores problemas econômicos. Em Contagem, estamos sentindo na pele as consequências de não termos fechado lá atrás. Na tentativa de salvar os CNPJ’s, na prática, sacrificou-se os CPF’s e não vai salvar os CNPJ’s.

Por isso, não adianta fechar e lavar as mãos abandonando os trabalhadores e os pequenos comerciantes à própria sorte. Precisamos de um auxílio emergencial municipal para garantir que os trabalhadores possam ficar em casa. É preciso também ajudar os pequenos comerciantes com isenção de impostos, subsídios, parcelamento de dívidas e estimular formas de comercialização online.

8- Como ter um verdadeiro pacto pela vida?

Os números demonstram que a situação atual de Contagem é muito grave, beirando o colapso, inclusive, com números proporcionalmente parecidos com os do Brasil. Não existe mágica ou segredo sobre os principais métodos de combate à pandemia e achamos, que a atual prefeita errou ao não fechar lá atrás os serviços não essenciais; as consequências estamos vendo agora e tendem a piorar. Com o agravamento da pandemia, teremos mais mortes que poderiam ser evitadas, além de piores consequências econômicas. 

Sabemos que a situação só poderá realmente ser resolvida com a vacinação de toda população, mas com o atual presidente sabemos que essa saída será demorada, por isso, é necessário que sejam implementadas medidas no município para melhor enfrentarmos a pandemia.

Para termos um verdadeiro “Pacto Pela Vida” em Contagem até termos a vacinação de todos é necessário: 

1- Testagem em massa da população para identificar, controlar e isolar os infectados; 

2- Fechamento dos serviços não essenciais para conter a disseminação do vírus; 

3- Auxílio emergencial municipal para garantir que as pessoas possam ficar em casa; 

4- Subsídios e ajudas para os pequenos comerciantes; 

5- Aumento do número de ônibus circulando na cidade para garantir um maior distanciamento e menor risco para os trabalhadores; 

6- Entrada do município no consórcio dos estados e municípios para aquisição de vacinas de forma independente do Governo Federal.

 

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