Na minha terra carnaval


Publicado em: 13 de fevereiro de 2021

Cultura

Mariana Coimbra, de São Paulo, SP

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Cultura

Mariana Coimbra, de São Paulo, SP

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Compartilhe:

Ouça agora a Notícia:

Na minha _terra Carnaval_ as crianças estão amontoadas nas janelas. Elas olham com espanto a rotina atravessada por essa gente girando pelo asfalto, espremidas entre os carros, dançando no meio fio. As crianças naturalmente se entrincheiram e sabem brincar todos os dias. A nós, só resta o carnaval. Por isso mesmo, as crianças suspeitam que sejamos tolos, nós que estamos embriagados e menos propensos a tolerar que o nosso riso e nossa graça sejam abandonados. É breve, vai acabar tão já, mas é carnaval e as crianças nos autorizam: pode passar. As ruas da minha _terra Carnaval_ são as suas testemunhas.

Há nosso suor. Ficaram os automóveis interrompendo o passo, pobres carros, não sabem o que eu sei sobre a purpurina, o álcool e as mãos tatuadas em sua lataria. As ruas da minha _terra Carnaval_ guardam muitos segredos, mas só os sabem os passantes. Estamos debochando de nossas dores e, mal amantes, amamos melhor na sua nudez, no despudor, no cordão e no coro das vozes embargadas pelo restante dos dias. Na minha terra Carnaval se canta e se grita e até se sussurra, tudo para desatar esses nós do corpo perdido.

No mais dos dias nós não estamos, mas na _terra Carnaval_ a gente se acha. A gente pisa com vontade essa rua que nos vira as costas e nos jogamos, porque não, nas calçadas e nos muros que têm donos. Retomamos o comum – ou sua miragem. Encontra-se certa rebeldia, misturam cores, transam pernas, os peitos arfam e se transtornam. O carnaval é trégua.

Na verdade tudo ainda é engano, foi só um lampejo e minha _terra Carnaval_ recai logo em suspeição. Eu a queria em verdadeira liberdade, toda a gente a andar sem fim pelas ladeiras. Poderíamos largar de todos os batentes e ousar como foliões infinitos que desafiam os relógios de fazer dinheiro. Roubando o tempo poderíamos carnavalizar esse nosso ‘caminhozinho’.

Mas ainda estou nas fronteiras da minha terra Carnaval, estou contrariada e um pouco triste, só que aqui ainda é possível se deslumbrar. É possível o céu desabar em água, o corpo estremecer e abraçar a chuva. Abraçar a menina. Com sorte, dançar no temporal que encerra nossa justa fuga. A quarta-feira de cinzas não tarda, mas é longa e dura um ano inteiro.

– II –

( _a quarta-feira de cinzas que não teve fim_ )

Nessa quarta-feira de cinzas sem fim, não terá carnaval. Esse, que julguei poder ser toda uma terra, há muito nos deixou todos estrangeiros. Não há mais o conhecido meio-fio por onde deixaremos os minúsculos brilhos e nossos corpos sentados por questão de segundos.

Estarmos todos expatriados do carnaval – única pátria possível – é a certeza de que desencantamos e estamos à espera de algo indizível. Irrealizáveis, por perecer nosso tempo resistente à dor. Sem esse lampejo, parece maior e muito mais quieta a nossa solidão.

O lamento é não poder sair às ruas e, bem ali onde estarão as caixas de som, encontrar _os meus_, a quem chamo meus amigos, cúmplices daquilo que permitimos ser uma breve alegria. A cada ano, encontrá-los, todos belos de carnaval, significou me encontrar. E aí talvez resida a semente do que nos faz habitantes dessa terra Carnaval perdida: ela só se faz junto.

(O carnaval vive nos olhos dos meus).

E a ele voltaremos.


Compartilhe:

Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição