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BRASIL

Por que o combustível e o gás estão virando artigos de luxo?

Gibran Jordão*, do Rio de Janeiro, RJ
Fernando Frazão/Agência Brasil

Petrobras reajusta em 12% o preço da gasolina nas refinarias a partir desta quinta-feira

Na semana passada o presidente Bolsonaro convocou uma coletiva de imprensa em conjunto com o ministro da Economia, o presidente da Petrobrás, o ministro da Infraestrutura, entre outras autoridades. O tema era o preço dos combustíveis, que em muitas cidades, no caso da gasolina, já passou de R$ 5,00 o litro. Como também do diesel, que vem sofrendo aumentos sucessivos, e o gás de cozinha, que se aproxima da marca de R$ 100,00. O que tem sido alvo de muitas críticas de trabalhadores do setor de transporte, como caminhoneiros, taxistas, motoristas de App e motoboys entregadores.


 Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na conclusão das falas, o governo deixou claro os seguintes pontos: 1. Não terá nenhuma interferência por parte do governo na política de preços da Petrobras, ela é autônoma. 2. Caso haja crescimento econômico o governo vai discutir o valor dos impostos que estão sob o seu controle e que estão relacionados ao preço do combustível. 3. O governo também pretende discutir o ICMS com os governadores em relação ao preço dos combustíveis.

Nenhuma medida imediata foi anunciada para aliviar os custos para quem trabalha com transportes e nenhuma palavra sobre qualquer mudança na política de preços da Petrobras. Preocuparam-se em pedir paciência aos caminhoneiros, além de agradecer aos mesmos por não terem feito greve recentemente.

Pois bem, menos de uma semana da coletiva de Bolsonaro e ministros para tratar do tema, a Petrobras anuncia novo reajuste do preço dos combustíveis e do gás de cozinha para essa terça-feira, 09 de fevereiro.

Quem controla a política de preços da Petrobras?

Para responder essa pergunta, é preciso compreender a composição acionária da empresa e quem detém o capital total da gigante brasileira. A Petrobras não é mais uma estatal como foi em sua origem em 1953. Trata-se hoje de uma sociedade de economia mista, sob o controle da União, ou seja, há capital publico e privado na composição acionária da empresa. E o controle dos investidores estrangeiros que operam na Bolsa de Nova York deu um salto qualitativo durante o governo Bolsonaro.

Se não, vejamos:

Segundo dados obtidos na própria página da Petrobras, em 2019 o controle do capital total era de 42,62% da União (Grupo de controle), investidores estrangeiros que operam na bolsa de São Paulo e Nova York 38,36% e Investidores brasileiros 19,02%.

Já em 2020, após o governo Bolsonaro vender refinarias, distribuidoras, e ações de propriedade do BNDES entre outras medidas privatizantes o percentual de controle do capital total da empresa privilegiou o controle privado, no qual os investidores estrangeiros passaram a ter 42,76%, a União 36,75% e investidores brasileiros 20,49%.

Em relação as ações preferenciais, que são aquelas que dão mais dividendos aos acionistas, os investidores estrangeiros já controlam ampla maioria com 46,65%, os investidores brasileiros com 34,87% e a União (Grupo de controle) 18,48%.

Por fim, em relação as ações ordinárias, que são ações que garante presença e direito a voto no conselho dirigente da Petrobras, a União mantém um frágil controle, com 50,5% da ações, investidores estrangeiros 39,83%, e investidores brasileiros 9,67%.

Resumindo, em relação a riqueza que a Petrobras explora, extrai, refina e distribui, o governo brasileiro já não tem mais o controle sobre a maioria do capital total. Isso significa que a Petrobras é regida pela logica do custo mínimo e lucro máximo, sendo completamente capturada para atender os interesses dos investidores da bolsa de Nova York. A ultima demanda que a Petrobras vai atender, será os reclames dos motoboys, dos caminhoneiros, dos taxistas e das políticas sociais.

Sob o comando do capital, a politica de preços da Petrobras, necessariamente tem que estar ligada a variação dos preços do mercado internacional, que é muito sensível as variações do dólar, aos desastres ambientais, aos conflitos políticos regionais… Caso contrário as ações da Petrobras perdem valor na bolsa de Nova York, e os investidores estrangeiros perdem dinheiro. Não é difícil entender, que hoje a empresa opera para atender os interesses do mercado, e não do bem estar do povo brasileiro.

Como é formado o preço do combustível?

Além da composição acionária da empresa e a variação do preço do barril de petróleo no mercado internacional, existem outros elementos que influenciam no calculo do preço da Gasolina e do Diesel no Brasil. É importante conhecer para refletirmos sobre como o governo federal e governos estaduais poderiam elaborar políticas que ajude o combustível não ser o vilão do aumento da inflação no bolso de quem trabalha de sol a sol.

Segundo dados da Petrobrás, a composição de preço da gasolina que chega ao consumidor é a seguinte: Realização da Petrobrás 29%, Impostos estaduais (ICMS) 29%, Impostos Federais (CIDE, PIS/PASEP e COFINS) 15%, Custo Etanol Anidro 15%, Distribuição e Revenda 12%. Veja que o custo dos impostos estaduais e federais no preço da gasolina, somados juntos, é maior que a própria produção do combustível que sai da Petrobrás, 44%.

Já o Diesel, o peso dos impostos é alto, mão não como na gasolina, a realização da Petrobras compõe 47% do preço na bomba do posto, Distribuição e revenda 16%, depois vem impostos estaduais 14%, custo do Biodiesel 14% e impostos federais 9%. No caso do Diesel os impostos todos juntos não chega na metade dos custos de produção desse combustível.

Refletindo sobre todos esses elementos que determinam o preço da gasolina ou diesel nas bombas dos postos de combustíveis, é possível perceber que os impostos tanto federais como estaduais são altos para o Diesel e absurdos no caso da gasolina. Mas tanto governo federal como governos estaduais não querem perder arrecadação, e portanto, se negam a baixar essas tributações. Em 2018, o governo Temer foi obrigado a zerar a Cide, por conta da mega greve de caminhoneiros que paralisou o país por dez dias. Esses governantes não entendem outra língua, e é por isso que sem luta, mobilização e paralisações, muito dificilmente essa situação vai mudar.

As variações do dólar também interferem no preço dos combustíveis…

Já dissemos nesse texto, a política de reajustes de preços da Petrobrás se baseia no valor do barril de petróleo no mercado internacional, que por sua vez é cotado em dólar. Além disso, mesmo batendo recorde de produção de petróleo nos últimos anos, o Brasil aumentou muito a importação de gasolina e diesel, que também são pagos em dólar, e isso acontece pelo fato das refinarias brasileiras não receberem investimentos suficientes, principalmente em tecnologia, para conseguir refinar o petróleo extraído aqui. Pelo contrário, o governo brasileiro está vendendo as refinarias da Petrobras, que por sua vez vai atender os interesses do mercado, sem nenhum compromisso com as demandas do povo trabalhador que precisa de um combustível mais barato para sobreviver.

Segundo a Petrobras, em novembro de 2019 o país superou, pela primeira vez em sua história, a marca de 3 milhões de barris de petróleo por dia. E nesse mesmo ano, fechou com outra marca histórica: 1 bilhão de barris na soma de 12 meses.

Os números da Agencia Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que em 2010 a importação de gasolina ficou em 3,2 milhões de barris. De lá pra cá houve um salto enorme e, em 2019, as importações chegaram a mais de 30 milhões de barris, um aumento da importação quase dez vezes maior em uma década. Já o diesel, em 2000 eram pouco mais de 36 milhões de barris importados, e em 2019 esse número passou de 80 milhões.

A privatização da Petrobras é o elemento fundamental para a alta dos preços…

Mas de todos os dados que citamos até agora que influenciam o preço dos combustíveis, o mais importante é o tema da privatização. Quanto mais banqueiros especuladores da Bolsa de Valores tiverem controle das ações da Petrobras, mais essa empresa vai se negar a atender uma política de preços que faça justiça social. Na logica do capitalismo, as empresas não podem ter uma política social permanente, a ordem é custo mínimo, e lucro máximo.

É exatamente por isso, que Bolsonaro vem dizendo a imprensa que não pode interferir na política de preços da Petrobras, pelo simples fato de não querer contrariar os acionistas que já são quase maioria na petroleira brasileira. Quando o governo não pode mais decidir sobre a política de preços de uma estatal, é porque essa empresa já não é mais do povo brasileiro, só serve a interesses de bilionários estrangeiros, perdemos assim, nossa soberania nacional.

Assim, mesmo com medidas que diminua a tributação de impostos sobre os combustíveis, se a política de preços seguir as variações do mercado internacional e se a logica for a ambição dos “lobos” que operam na bolsa de valores de Nova York, muito dificilmente o Brasil voltará a ter valores de combustível acessível a maioria da população de forma permanente.

Queremos uma Petrobras 100% estatal, com controle soberano da sua produção, com investimentos em mais refinarias, em tecnologia, com uma política que tenha como prioridade as demandas do povo brasileiro e não o custo zero e lucro máximo para atender o luxo de estrangeiros. Podemos ter uma empresa que seja viável economicamente, mas que sirva a seu povo e não aos interesses do mercado internacional, na logica capitalista, a Petrobras jamais fará justiça social!

Parasitas da Petrobras no passado, estão com Bolsonaro agora…

Um dos argumentos do ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, quando tenta convencer a sociedade que é preciso privatizar as grandes estatais brasileiras, em especial a Petrobras, é que as empresas públicas são foco de corrupção.

Em primeiro lugar, é preciso desmistificar esse discurso, se queremos ser honestos no debate, é preciso reconhecer que corrupção não existe somente em estatais. Existe em toda a sociedade, pelo simples fato de ser um método comum no sistema capitalista. Podemos citar muitos exemplos de corrupção em vários outros setores da sociedade, como bancos, igrejas, polícia militar, grandes empresas… Recentemente vimos escândalos de corrupção e crime de tráfico internacional de drogas presente na alta cúpula das forças armadas utilizando aviões da FAB para transportar cocaína. A corrupção deve ser combatida em todos os setores da sociedade, publico ou privado, porque está em todo lugar e não só nas estatais.

O ministro Paulo Guedes, como também todo o governo Bolsonaro e seus simpatizantes, estão sem moral para criticar corrupção. Pois acabaram de fechar um grande acordo com o famoso “centrão”, apoiando e liberando verba publica para eleger o atual presidente da Câmara, Arthur Lira( PP-AL).

Essa santa aliança foi feita com partidos e políticos que estão envolvidos em escândalos de corrupção por desvios de recursos da Petrobras, como recebimento de propina de empresas privadas. Em 2019, a segunda turma do STF decidiu aceitar a denúncia do Ministério Público contra três deputados e um senador do Progressistas (PP) por organização criminosa. São eles: O atual presidente nacional do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PP-PI), o atual presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira (PP-AL), o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) e o deputado Agnaldo Ribeiro (PP-PB).

Sem falar, que o líder do governo no congresso, o deputado Ricardo Barros( PP-PR) foi alvo de buscas da operação da GAECO que investiga crimes de corrupção e lavagem de dinheiro relacionados entre o parlamentar em o grupo Galvão, que de acordo com os delatores o deputado recebeu mais de R$ 5 milhões em propina da empresa de 2013 a 2014. Só para te lembrar, o PP é o partido com mais investigados por corrupção no Brasil, e é um dos partido que mais ganhou prefeituras na ultima eleição municipal, é só uma coincidência?

Qual os caminhos para combater o aumento imediato de preços dos combustíveis?

A força da greve dos caminhoneiros em 2018, nos mostra que a única linguagem que os governantes entendem é a pressão das mobilizações, manifestações e paralisações da produção. A alta dos combustíveis traz sacrifícios para todo o povo brasileiro, pois ao sair do controle, acaba influenciando o preço dos alimentos, transporte, produtos de primeira necessidade, remédios, entre outros produtos importantes para a população brasileira.

Isso significa que a disposição de luta dos caminhoneiros, motoristas de App, motoboys entregadores é fundamental para indicar o caminho das lutas, que precisa ter apoio e unidade por parte dos petroleiros, e trabalhadores de outras categorias que sofrem com a alta do preço dos combustíveis.

A pressão pela diminuição do preço dos combustíveis, precisa também vir com a consciência de que o Brasil precisa ser um país soberano, ter empresas publicas sob o controle do seu povo, com a missão em diminuir a desigualdade social entre as brasileiras e brasileiros. A riqueza produzida através de recursos naturais existentes no Brasil, como os combustíveis fosseis, não pode ter a prioridade em atender os interesses de investidores milionários e bilionários da bolsa de valores de Nova York.

 

* Gibran Jordão é membro da Coordenação da Travessia Coletivo Sindical e Popular