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OPRESSÕES

BBBifobia ao vivo

Guilherme Cortez, de Franca, SP
Lucas Koka Penteado e Karol Conka
Reprodução

A 21ª edição do Big Brother Brasil começou há apenas duas semanas, mas já rendeu muitas polêmicas dentro e fora da casa. O elenco é dividido entre “famosos” e pessoas que se inscreveram para participar do programa e, pela primeira vez, o BBB tem paridade racial entre seus participantes.

Logo na primeira semana, a edição foi protagonizada pela reação da maior parte dos brothers contra o participante Lucas Koka Penteado. O jovem ator, uma das lideranças do movimento de ocupações de escola em São Paulo, se envolveu em uma série de brigas durante a primeira festa do programa. O que chamou a atenção, no entanto, foi a reação desproporcional dos participantes, que o excluíram e isolaram dentro da casa, além de praticarem contra ele todo tipo de violência verbal e psicológica.

A tensão contra Lucas se intensificou. Durante uma festa, o jovem protagonizou o primeiro beijo entre homens da história do Big Brother com o doutorando Gilberto. O que era pra ser um momento histórico para o programa se transformou em um ato de violência e apagamento da sexualidade de Lucas.

Após o beijo, Lucas foi duramente questionado por outros participantes do programa, que o acusaram de tentar se promover. O ator revelou que nunca tinha assumido sua bissexualidade. Pressionado, pediu para sair do programa.

As pessoas que acompanham o Big Brother acordaram arrasadas no domingo com a saída de Lucas. Sua corajosa trajetória contra o isolamento dentro da casa estava despertando cada vez mais solidariedade do lado de fora. Sua saída, fruto de um ato de intolerância e extrema insensibilidade, após duas semanas de perseguição, chocou o público e tocou em questões muito sensíveis

A invisibilização da bissexualidade

Em um contexto de hiperexposição e da perseguição por parte dos outros jogadores, Lucas teve uma atitude de coragem e assumiu a sua bissexualidade em rede nacional. No entanto, a reação dos outros participantes foi, infelizmente, muito comum.

Historicamente, a bissexualidade é marcada pela invisibilização. Com frequência, as pessoas bissexuais são acusadas de terem essa ou aquela sexualidade, de acordo com o gênero das pessoas com que se relacionam. Dentre e fora da comunidade LGBT, são vistas como pessoas promíscuas, desajustadas e confusas em relação à sua própria identidade, até mesmo como afetivamente infiéis e vetores de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Mulheres bissexuais, como fetiches. Homens, como gays. Como Lucas, costumam ser acusados de se só envolverem com esse ou aquele gênero por influência de drogas ou em ambientes específicos. Todas essas expressões configuram a bifobia, a opressão contra as pessoas bissexuais.

Lucas sofreu ao vivo e da forma mais explícita possível a negação da sexualidade que estava acabando de assumir. No momento em que precisava de acolhimento e compreensão por parte de seus colegas, os mesmos o acusaram de estar dissimulando sua sexualidade para “aparecer”, de estar sob influência de bebida e de não ter condição de dizer a respeito de si próprio. Acusações comuns sofridas por pessoas bissexuais.

Decepciona, mas não surpreende, que esse ato tenha sido praticado ou contado com a conivência de outras pessoas da comunidade LGBT dentro da casa. Afinal, pessoas bissexuais estão acostumadas a terem sua sexualidade apagada também por outras “letras” do movimento.

As opressões se combinam

Lucas, um jovem negro e bissexual, foi vítima de uma série de atos de violência e opressão ao longo de sua curta trajetória no reality. Depois de se envolver em confusão com os outros participantes, ele passou a ser visto como um indivíduo desajustado e perigoso, que precisava ser isolado. A cantora Karol Conká chegou a dizer que iria esconder as facas da casa, com medo de Lucas, e sugeriu que o jovem estava possuído por demônios. Outro participante, o Nego Di, disse que tinha medo do que ele poderia fazer em uma rua escura com uma mulher. Di também acusou o ativista pela educação de “defender vagabundo”. Esses mitos e estereótipos servem muito bem à criminalização da população negra do lado de fora do BBB. Angela Davis fala da construção histórica do “negro estuprador” em seu livro Mulheres, Raça e Classe.

O racismo e a intolerância religiosa se combinaram com a bifobia sofrida por Lucas, forçando-o a deixar o programa. Ao jovem negro visto como potencialmente perigoso, negado do convívio social, também foi negada sua própria sexualidade. Longe da presença de Lucas, alguns participantes revelaram a intenção de abalar sua saúde mental. Concatenando todas essas formas de opressão, explícitas e veladas, conseguiram.

Do lado de fora da casa, a intersecção das opressões buscar excluir os corpos negros da sociedade – seja através do sistema penitenciário ou do extermínio. Não à toa, os jovens negros de 10 a 29 anos são o perfil que mais comete suicídio no Brasil. Na TV, impediu Lucas de continuar no programa.

Opressão não é entretenimento

O Big Brother é um produto da Rede Globo. Com a alta da audiência nos últimos anos, o programa tem faturado cifras recordes em publicidade. Brigas e tensões dentro da casa rendem muito para a emissora, porque aumentam a audiência e, com isso, os anúncios.

Nos últimos anos, a Globo tem apostado na pauta das opressões para detonar crises e alavancar a audiência do programa. Em 2019, colocaram dentro da casa uma participante declaradamente racista, que acabou vencendo a edição. No ano passado, a narrativa do programa foi construída em cima da reação das mulheres ao machismo dos participantes e do racismo sofrido por Babu.

Na edição prometida como “Big dos Bigs”, lamentavelmente os episódios de maior violência foram praticados pelos participantes que se identificavam com a luta contra as opressões, como Conká e a psicóloga Lumena. Diante do clima de solidariedade do lado de fora da casa, a Globo tem apostado na narrativa de perseguição do lado de dentro, a custa da saúde mental dos próprios participantes.

A violência e a exclusão que Lucas sofreu até deixar o programa foram televisionadas sem nenhuma interferência. Em áudio vazado durante a saída de Lucas, a produção do programa o acusou de esconder seu problema com bebidas, corroborando a narrativa dos participantes que o taxaram como um indivíduo desajustado para encobrir a própria opressão. A Globo e os anunciantes do Big Brother não podem lucrar às custas da exibição de violência e opressão explícitas na TV.

Daqui do lado de fora, recebemos Lucas com toda a nossa solidariedade. Saudamos a atitude corajosa de assumir sua sexualidade em rede nacional e sua resiliência para enfrentar a opressão dentro da casa. Lucas não tinha a obrigação de continuar se sujeitando à violência para gerar entretenimento. Será um grande reforço para as nossas lutas aqui!

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