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BRASIL

A face eleitoral da crise de hegemonia

Marco Pestana*, do Rio de Janeiro, RJ
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Eleitores do Rio de Janeiro votam no segundo turno das eleições de 2020

A visão predominante acerca dos resultados das eleições municipais de 2020 tem sido a de que o sentido geral desse pleito seria o da superação das ondas da antipolítica e da extrema-direita, que caracterizaram os pleitos de 2016 e 2018. Nos principais veículos da mídia empresarial, esse movimento tem sido apresentado como de “afirmação do centro e da moderação” e/ou de “retorno dos partidos tradicionais”, sugerindo, assim, uma retomada da dinâmica política que teria prevalecido em momentos anteriores. O objetivo de tal procedimento é condenar a suposta radicalidade dos polos falsamente equalizados da extrema-direita (Bolsonaro) e da esquerda (em especial, o PT), para oferecer a direita neoliberal mais tradicional como uma alternativa para a disputa presidencial de 2022.

Nesse quadro, longe de efetuar um exame exaustivo dos dados que embasam tais avaliações, o presente artigo se propõe a apresentar algumas tendências gerais que podem ser identificadas na análise dos resultados eleitorais de 2020, para oferecer um contraponto a essa tese a partir da inserção de tais resultados em uma interpretação do processo político recente no país. Trata-se, sobretudo, de matizar a percepção de que o resultado signifique uma ruptura radical com a conformação do sistema partidário que vem se estruturando nos últimos anos. Para tal, foram considerados na comparação não só dos dados de 2016, mas também de 2012, uma vez que esta foi a última eleição antes de 2013, momento a partir do qual se altera qualitativamente a dinâmica política do país, instalando uma crise de hegemonia. Esse olhar um pouco mais alargado em termos cronológicos pode ajudar a perceber fenômenos mais estruturais, que dependem menos das oscilações das conjunturas imediatas. 

Corrosão dos pilares e fragmentação do sistema partidário

Do ponto de vista dos resultados quantitativos restritos à disputa de 2020, é possível identificar facilmente partidos vencedores do pleito. Considerando, por exemplo, os números de prefeitos e vereadores eleitos, as listas são encabeçadas por MDB, PP, PSD, PSDB e DEM, em ordem de desempenho decrescente. Embora possuam históricos distintos, se tratam, sem dúvida, de partidos plenamente identificados com o sistema partidário. Mesmo no caso do PSD, fundado mais recentemente, a composição de seus quadros e sua trajetória de composição de variados governos ao longo da última década não deixam dúvidas quanto a esse aspecto. Entretanto, tomar tais partidos em conjunto unicamente a partir dessa perspectiva, significa tanto perder de vista o histórico de seus desempenhos eleitorais em uma temporalidade mais ampla, quanto seus distintos papeis na estruturação do regime político-partidário brasileiro.

Nesse sentido, parece particularmente importante salientar o fato de que PSDB, MDB e PT (que teve o sexto ou o sétimo desempenho geral, a depender do critério quantitativo adotado) constituíram a espinha dorsal desse sistema ao longo de seus mais de vinte anos de estabilidade, entre meados dos anos 1990 e a eclosão das jornadas de junho em 2013 (governos FHC, Lula e início de Dilma I), a qual marca a transição para um período de instabilidade, caracterizado pela persistência de uma crise de hegemonia. Com efeito, ao longo desse período, PSDB e PT protagonizaram todas as disputas presidenciais, com o MDB destacando-se nos pleitos estaduais e locais, bem como oferecendo o principal pilar de sustentação parlamentar para quase todos os presidentes.

A corrosão desses pilares fica nítida ao considerarmos dados das eleições municipais de 2012, 2016 e 2020. No primeiro desses pleitos, os três partidos somaram cerca de 48 milhões de votos para as prefeituras em primeiro turno. O PSDB obteve 13 milhões, o MDB 16 milhões e o PT, 17. Em 2016, esse total caiu para pouco menos de 40 milhões, alcançando, respectivamente, os seguintes números: 17, 15 e 6 milhões de votos. Já em 2020, nova queda, totalizando 28 milhões de votos, distribuídos em 10, 10 e 7. Nota-se, portanto, que a queda do PT em um primeiro momento foi seguida por significativas reduções – ainda que em menor escala, tomando-se 2012 como patamar inicial – das votações das outras duas agremiações.

Assim, ainda que PSDB e MDB mantenham posições de destaque em números gerais e, principalmente, o PSDB ainda expresse bastante força em grandes cidades cuja importância política é mais significativa, há evidências de uma trajetória de queda para ambos. Especificamente no que se refere ao PSDB, que o partido teve a maior queda no número de vereadores eleitos entre todas as agremiações (menos 999 em relação a 2016) e grande parte de sua força eleitoral se concentra no estado de São Paulo. Relativamente confinado a seu núcleo originário, o partido parece perder parte da capacidade de ampliar seu alcance, tornando mais custosas as tentativas de dirigir coalizões amplas a nível nacional e de repetir seu papel na condução do primeiro momento de consolidação da hegemonia neoliberal no país.

Já o MDB, foi o grande fiador da transição conservadora da ditadura empresarial-militar para o regime democrático ao longo dos anos 1980, alcançando, a partir dali, grande capilaridade em todo o país. Ao longo das décadas subsequentes, a incapacidade de gerar um projeto nacional próprio a ser apresentado nas eleições presidenciais fez com que o núcleo “histórico” perdesse cada vez mais espaço em favor de quadros mais oportunistas e predispostos a todo tipo de negociata.

No que se refere às demais siglas, cabe destacar a recuperação do DEM. Sendo elemento fundamental das coalizões que sustentaram os governos tucanos de FHC (1995-2002), o partido perdeu parcela significativa de sua expressão eleitoral durante os mandatos de Lula, especialmente pelo fortalecimento do PT e seus aliados de então no Nordeste. Na passagem de 2012 para 2016, entretanto, o partido já ensaiara uma recuperação, passando de 4 para 5 milhões de votos para prefeituras em primeiro turno. Agora, em 2020, deu um salto, ultrapassando a marca de 8 milhões. O PSD foi fundado em 2011, a partir de iniciativa do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que buscava escapar do período de declínio do DEM e ambicionava ampliar a flexibilidade na condução de alianças oportunistas ao sabor dos ventos políticos de cada momento. Seu perfil sempre foi inequivocamente conservador. Desde sua fundação, o partido experimenta um contínuo crescimento em pleitos municipais, expresso pelos votos obtidos para prefeituras em primeiro turno: 6 milhões (2012), 8 milhões (2016) e 10 milhões (2020). Por fim, o PP caracteriza-se por abrigar há décadas os extratos mais reacionários do fisiologismo, como Jair Bolsonaro (filiado ao partido em 1993-2003 e 2005-2016) e o ex-delegado Sivuca, a quem se atribui a criação da frase “bandido bom é bandido morto”. Seu desempenho estável em 2012-2016 (5 milhões de votos), cresceu em 2020, chegando à casa dos 7 milhões.

Considerando esses dados, mais do que a ascensão ou a afirmação de qualquer partido ou grupo de partidos em particular, destaca-se a enorme fragmentação que emergiu das urnas à custa dos principais pilares do regime político-partidário, a qual ficaria ainda mais evidente se nos detivéssemos no desempenho de inúmeras siglas médias e pequenas. Essa dispersão dos votos não deve, entretanto, nos impedir de afirmar que as agremiações que colheram os melhores resultados gerais dividem-se entre aquelas que dirigiram a consolidação do neoliberalismo no Brasil e aquelas que desempenharam papel de apoio nesse processo, via de regra a partir de um ponto de vista ainda mais conservador e/ou reacionário. Note-se, ainda, que essas definições gerais não autorizam a suposição de que suas histórias sejam marcadas unicamente por elementos de continuidade. Com efeito, as transformações sofridas por esses partidos na conjuntura pós-2013, tanto nas suas correlações internas de forças, quanto em seus programas, indicam deslocamentos ainda mais à direita, como pode ser exemplificado pela ascensão de João Dória ao posto de principal liderança do PSDB.

O polo de extrema-direita em consolidação

O deslocamento à direita de partidos tradicionais deve ser entendido como uma resposta tanto à dinâmica geral da luta de classes no país, quanto ao avanço eleitoral de forças de extrema-direita nos últimos pleitos. Por certo, o fraco desempenho dos candidatos diretamente apoiados por Bolsonaro em 2020 (vitória em Vitória e em algumas cidades importantes que não são capitais, como São Gonçalo e Ipatinga; derrota no segundo turno em Belém, Fortaleza e Rio de Janeiro) constitui um indicativo da redução do alcance eleitoral dessas forças em comparação com o arrastão que marcou as eleições gerais de 2018. Dentre as razões para explicar tal quadro é possível citar a ausência de um partido propriamente bolsonarista unificado (gerando dispersão das candidaturas por variadas siglas), o avanço (ainda que tímido) nas medidas de controle e bloqueio à propagação das fake news e o contexto imediato no qual se realizaram as eleições, desfavorável para o presidente em nível nacional (queda de popularidade, especialmente, nas grandes cidades) e internacional (derrota eleitoral de Donald Trump, principalmente).

Entretanto, a identificação desse relativo revés não deve obliterar a percepção de que um polo ideologicamente mais definido de extrema-direita vêm se consolidando eleitoralmente no país ao longo dos últimos anos, em marcante contraste com a realidade anterior a 2013. Não estando aglutinado em um único partido e conjugando matrizes variadas (o neopentecostalismo da teologia da prosperidade, a secular tradição brasileira de violência contra os oprimidos, um núcleo propriamente neofascista, entre outras) o desenvolvimento desse polo pode ser identificado em alguns dados eleitorais.

Apesar do notório ecletismo que caracteriza a maioria dos partidos brasileiros, temperados por altas doses de fisiologismo e oportunismo, é possível tomar como principais representativos desse universo político-ideológico o Republicanos, o PSL, o PSC, o Patriota e o PRTB, ainda que também seja possível encontrar candidatos afinados com a extrema-direita em outras agremiações. A comparação do desempenho dessas siglas em 2016-2020 indica um crescimento de 4.942 vereadores eleitos para 6.254. Um ganho de 26% que não se verifica em qualquer outro ponto do espectro ideológico. Em termos de prefeitos eleitos em primeiro turno, o grupo saltou de 244 para 467, avançando em mais de 90%. Ainda mais impressionante é a evolução de votos obtidos para prefeitos em primeiro turno: em 2012, os cinco partidos totalizaram 5 milhões de votos; em 2016, alcançaram 6,8 milhões; e, esse ano, saltaram para 12,7 milhões. Em todos esses quesitos, o Republicanos (partido organicamente conectado à Igreja Universal do Reino de Deus) teve o melhor desempenho, mas os crescimentos de PSL e Patriota são também muito significativos, havendo variações menores nos desempenhos de PSC e PRTB.

O saldo geral desse pleito é, portanto, o de consolidação de um polo de extrema-direita no cenário eleitoral brasileiro, mesmo em um momento desfavorável para seu principal cabo eleitoral e apesar das dificuldades organizativas que ainda persistem. Assim, as dificuldades nas principais eleições majoritárias não invalidam a conclusão de que esse polo atravessa um momento de acumulação molecular de forças, que já garante uma significativa representação legislativa e oferece um ponto de apoio importante para uma provável campanha de reeleição de Bolsonaro em 2022 (nesse sentido, cabe notar que, mesmo nesse momento de queda de popularidade, Bolsonaro ainda lidera com folgas as pesquisas de intenções de votos para a presidência).

O veto à esquerda e a disputa por espaço

Em um cenário adverso, a análise dos resultados eleitorais do conjunto dos partidos que se vinculam à classe trabalhadora deve partir da constatação de que a enorme queda nos resultados quantitativos verificada entre 2012 e 2016 não foi estancada, mas suavizada. Como PT, PCdoB e PSOL foram as únicas forças desse campo a alcançarem resultados estatisticamente significativos, os comentários a seguir considerarão unicamente esses partidos, deixando de lado PCB, UP, PSTU e PCO.

Somados, os partidos reduziram seu número de vereadores em relação a 2016, caindo de 3.881 a 3.337 eleitos. Em termos de prefeitos eleitos em primeiro turno, a queda foi proporcionalmente mais significativa: de 337 para 223 (em 2012, foram 682 prefeitos eleitos, considerando primeiro e segundo turnos). Em parte, entretanto, a redução geral foi compensada pela ampliação do peso nas principais cidades do país, exemplificada pelas idas ao segundo turno em capitais como Porto Alegre (PCdoB), São Paulo (PSOL), Vitória (PT) e Recife (PT), além da vitória em Belém (PSOL). De toda maneira, desde um ponto de vista quantitativo, portanto, é difícil escapar à conclusão de que o campo da esquerda de forma geral enfrenta uma relativa falta de dinamismo, ainda decorrente dos efeitos da ofensiva conservadora desencadeada em 2015-6.

Note-se, para além disso, que o fraco desempenho dos partidos de esquerda nos segundos turnos das grandes cidades (derrota em 4 de 5 capitais no conjunto; PT vitorioso em 3 de 15 disputas) parece indicar a persistência de um fenômeno que foi decisivo nas eleições de 2018: o veto à esquerda, que tem a sua expressão maior no antipetismo, mas atinge o conjunto desse espectro ideológico. Com efeito, ante o fortalecimento das candidaturas de esquerda após os primeiros turnos nessas capitais, verificou-se um contramovimento de ampliação do eleitorado dos opositores (de diferentes partidos e correntes político-ideológicas), que bloqueou quase todas as possibilidades de vitória da esquerda.

Apesar dessas dificuldades, uma análise mais esmiuçada da dinâmica interna desse campo político sugere a existência de indícios de que modificações significativas estão em gestação, podendo se acelerar no próximo período. Nesse ponto, o elemento principal é o fortalecimento do PSOL como uma alternativa à esquerda do PT, que hegemoniza esse campo desde finais dos anos 1980 e segue em trajetória eleitoral declinante. Para corroborar essa avaliação é possível citar os desempenhos eleitorais para prefeituras em capitais, em que o PSOL obteve uma vitória contra nenhuma do PT, além de ter ficado à frente em outras disputas, como São Paulo, Belo Horizonte e Florianópolis (isso sem considerar o desperdício do potencial eleitoral de uma eventual candidatura de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro). Em termos de vereadores, ainda que o PT tenha eleito 2.645 e o PSOL apenas 83, o primeiro teve queda de 5,9% em relação a 2016, ao passo que o segundo cresceu 53,7%.

Assim, embora configurando uma corrente de opinião política já consolidada na sociedade brasileira, a esquerda ainda sofre as pesadas consequências de sua mais recente derrota política, consumada a partir do impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Seu espaço eleitoral a nível municipal segue em queda, mesmo que em ritmo mais lento, e são evidentes as suas dificuldades de aglutinar setores mais amplos quando as disputas decisivas se afunilam.

É esse teto de desempenho eleitoral que tem viabilizado a formação de um campo de centro-esquerda capitaneado pela aliança PDT-PSB como alternativa à esquerda. Nesse sentido, embora o resultado das duas siglas tenha sido inferior ao obtido em 2016 (em termos de prefeitos e vereadores eleitos e de votos em primeiro turno para prefeituras), não é desprovido de importância o fato de que, mais recentemente, venham construindo a sua localização em torno do apelo à possibilidade de superação da suposta polaridade entre o PT e o bolsonarismo. Dessa maneira, operam como um elemento capaz de deslocar à direita parte do eleitorado mais propenso a votar na esquerda, afastando-o do campo político das classes subalternizadas.

Uma crise de hegemonia saída das entranhas do transformismo

Em seus Cadernos do Cárcere, o comunista Antonio Gramsci definiu as crises de hegemonia como situações em que as classes dirigentes perdem sua capacidade de produzir um amplo consenso social em torno de seu programa, restando-lhes unicamente a condição de dominantes. Ainda segundo ele, um dos elementos de tais crises seria o descolamento entre os partidos políticos e as classes e frações de classe que tradicionalmente representam. Dessa maneira, a margem de imprevisibilidade das disputas políticas se acentuaria significativamente.

Sem dúvida, a trajetória política e social do Brasil pós-2013 apresenta fortes traços desse tipo de situação histórica e a crescente fragmentação da representação partidária se alinha entre eles. No interior desse quadro analítico geral, a especificidade do contexto brasileiro resulta do fato de que a crise de hegemonia estourou no momento em que a presidência era ocupada há mais de uma década pelo principal partido constituído pelos subalternizados no ciclo histórico iniciado com a queda da ditadura empresarial-militar, como resultado de um longo processo de transformismo e acomodação à ordem. Com isso, a crise de legitimidade atingiu antes e com maior força não apenas o PT, mas o conjunto do campo da esquerda, ao mesmo tempo em que conferiu tempo para que muitas forças burguesas se reposicionassem e lançassem uma ofensiva contra as classes subalternizadas a partir do golpe de 2015-6.

O sucesso logrado até o momento por essa ofensiva não significa que a crise de hegemonia esteja resolvida, o que é evidenciado, dentre outros fatores, pelo crescente número de abstenções e votos brancos e nulos nos últimos pleitos eleitorais, o que ultrapassa o contexto de pandemia de 2020. Nesse cenário, o desenvolvimento, em 2021, das inúmeras crises que atravessam o país (econômica, sanitária, social, política) aponta para uma contínua e, possivelmente, crescente instabilidade. Diante disso, as soluções burguesas passam longe de qualquer retorno a um equilíbrio anterior, ou uma pretensa “normalidade”, como sugerem os principais veículos da mídia empresarial.

Mantida como coringa a ser acionado em situações de dificuldades (como o segundo turno da eleição presidencial de 2018), a extrema-direita em seu processo de normalização política cumpre, ainda, o papel de viabilizar um deslocamento generalizado do espectro partidário à direita, por meio do efeito de comparação que gera. A violência repressiva que constitui o cerne do projeto da extrema-direita pode, assim, ocupar um espaço cada vez maior na política dos demais forças burguesas sem parecer excessiva, tornando-se um elemento cada vez mais central na gestão social do neoliberalismo em crise de hegemonia, o que é evidenciado, inclusive, pelas crescentes ameaças a parlamentares e militantes de esquerda. Em paralelo, segue forte a lógica do veto à esquerda nas principais eleições majoritárias, delineando um cenário eleitoral tributário das forças políticas e sociais que se articularam para viabilizar o golpe de 2015-2016.

As possibilidades de reversão desse quadro em favor das classes subalternizadas passam necessariamente pela superação do baixo grau de organicidade e coesão de suas forças. Ao longo dos últimos anos, ainda que tenham sido construídos importantes movimentos de resistência a ataques específicos a direitos ou outras ações dos governo Temer e Bolsonaro, não se delineou um projeto hegemônico alternativo. A tônica da esquerda segue sendo pautada pela dinâmica de resistência/refluxo, sem um avanço mais significativo na organização de base e na ampliação de sua capacidade dirigente.

Necessariamente, a superação desse quadro impõe a ultrapassagem do predomínio petista no campo da esquerda, de forma a oferecer não apenas uma alternativa eleitoral, mas um novo projeto político, que não se oriente centralmente pelo calendário eleitoral. Nesse sentido, o partido melhor colocado é, indubitavelmente, o PSOL, tanto pelo seu posto de crescente referência em meio à juventude e aos setores mais oprimidos da classe trabalhadora (mulheres, negras/os e LGBTTs), que têm constituído a vanguarda das últimas grandes mobilizações sociais (e, consequentemente, se destacaram nos resultados eleitorais de 2020), quanto pelo potencial para construir uma política calcada na conexão orgânica com os movimentos sociais e na mobilização de base, como expresso pela campanha de Boulos em São Paulo e pela aliança com o MTST. Para tal, entretanto, é fundamental escapar a duas armadilhas que, ao fim e ao cabo, comprometem a independência política que deve constituir o eixo central desse projeto: de um lado, a tentação de disputar o antipetismo de caráter reacionário, que afastaria as forças de esquerda da base social histórica desse campo; de outro lado, a possibilidade de completa diluição programática em uma frente ampla com setores burgueses cujo projeto se assenta sobre o aprofundamento da espoliação e da exploração das próprias classes subalternizadas, o qual constitui outro dos fundamentos do projeto golpista de 2015-2016.

* Professor do INES e militante da Resistência/PSOL.

 

EDITORIAL

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