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BRASIL

2020, o ano da pandemia acabou, mas e 2021?

Coletivo TSTs Cariri, de Juazeiro do Norte, CE
Vista aérea da Esplanada dos Ministérios ao amanhecer. Foto foi tirada por trás do prédio do Congresso Nacional, com o sol ao fundo, refletindo no eixo monumental e nos prédios. Há uma nuvem mais escura acima do prédio, ao fundo nuvens claras, em torno do sol.
Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Vista aérea da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

A eclosão da pandemia em 2020 espalhou um sentimento de medo em toda a classe trabalhadora do planeta. O vírus dominou a política, absorvendo a agenda de notícias e reconfigurando o nosso cotidiano. No Brasil, desde que as primeiras vítimas sucumbiram à Covid-19, quase 200 mil vidas foram ceifadas pela irresponsabilidade de quem toma as decisões amparadas pela lógica capitalista da recuperação implacável das taxas de lucros. No último ano, milhões de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros perderam seus empregos e foram empurrados para a informalidade de trabalhos precários e sem direitos. O mundo pré-coronavírus já estava em crise e era profundamente desigual. Com efeito, o vírus ampliou essas desigualdades em vários níveis. Em resumo, 2020 foi um ano de destruição. Mas 2021 trará o signo de reconstrução ou retomada? Essa questão vai permear todos os tipos de debates e aqui vamos fazer breves apontamentos que indicam o sentido geral das tendências.

Haverá um programa de vacinação para a maioria?

Notícias sobre tratamentos e vacinas nos dão esperanças, mas todos serão beneficiados? Até agora os governos de diferentes matizes políticas falharam completamente diante da tarefa de controlar a doença. Na maioria dos países, as infecções por Covid-19 ainda estão se espalhando e isso significa muito mais mortes. Ou seja, apesar das diferenças, todos esses gestores estão fundamentalmente a serviço do capitalismo e se mostraram incapazes de resolver uma equação que coloca, de um lado, o isolamento social e os gastos com saúde para atender a maioria, e do outro, o pleno funcionamento da economia e o ajuste fiscal para atender a uma minoria.

O capitalismo em escala nacional (e até mesmo regional) provou que, apesar dos discursos, já fez sua escolha e, na atual fase da dinâmica da economia, depois de uma década de crise, deixa pouca margem para manobrar. Já na escala global, as coisas não são tão diferentes. No início houve por parte de todos os países certa “hesitação” em aplicar o isolamento social. Agora parece haver uma “hesitação da vacina”.

Quase um quarto da população mundial pode não receber vacina contra a Covid-19, até pelo menos 2022, porque os países ricos com menos de 15% da humanidade reservaram 51% das doses das vacinas mais promissoras. Os países de renda baixa e média – que abrigam mais de 85% da população mundial – teriam que compartilhar o restante. Esse comportamento “egoísta” dos países imperialistas ficou nítido ainda no início da pandemia em abril quando Trump obrigou que a 3M direcionasse toda a produção e vendas de máscaras N95 para os Estados Unidos e ainda impediu que a 3M parasse de exportar o produto para o Canadá e a América Latina. Isso sinaliza que o caráter imperialista das grandes potências vai reservar para si as melhores vacinas sem nenhum constrangimento público, enquanto os países dependentes, semicoloniais ou extremamente pobres vão continuar a amargar a espera pelas sobras que se sabe lá quando podem chegar.

Ninguém melhor que Lênin explicou o capitalismo contemporâneo em sua obra “Imperialismo: etapa final do capitalismo”, escrita na Zurique de 1916, no meio da primeira guerra mundial, pouco antes de partir para a Rússia. Na verdade, todas as previsões de Lenin sobre a concentração do capital, o domínio dos bancos e do capital financeiro, o crescente antagonismo entre os estados-nação e a inevitabilidade da guerra decorrente das contradições do imperialismo foram comprovadas pelos acontecimentos nesses mais de 100 anos.

Ocorre que a longa fase depressiva do capitalismo não gera simplesmente repetidas crises econômicas, mas também empurra o capital, por meio do Estado, para fazer incursões cada vez mais profundas no âmbito político-jurídico e tocar contrarreformas a fim de reconfigurar o próprio Estado e permitir maximizar os lucros. Em suma, conter as despesas públicas, privatizar os setores sob controle público, vender as estatais por meio de programas de privatização, e, sobretudo, retirar direitos previstos em lei e reduzir a capacidade de organização e resistência da classe trabalhadora. A crise mundial do capitalismo que se arrasta desde 2008, ainda não superada, prejudica cada vez mais a capacidade do próprio capitalismo de se reproduzir sem deslocar uma camada gigantesca da população para o desemprego, miséria, fome, doença e morte.

O ano novo anuncia um importante ciclo de lutas!

Apesar do seu imenso poderio, o ataque sistemático à classe trabalhadora promovido pelo imperialismo associado às oligarquias nacionais, por meio de seus representantes governamentais, acabam por criar regimes políticos instáveis. O grau de fracasso dos governos diante das necessidades mais elementares da população como trabalhar, comer, morar, estudar e ter acesso a saúde, incluindo à vacina, provoca cada vez mais um mal estar geral, um descontentamento popular que não se resolve com facilidade.

Tanto o governo Bolsonaro, como Doria, em São Paulo, demonstraram ao longo de 2020 não ter nenhum interesse na imunização massiva da população, já que durante a pandemia aprovaram inúmeras medidas contra a população. Interessante notar que enquanto Bolsonaro trava uma batalha contra a vacina, Dória declara que irá reabrir escolas a partir de fevereiro, apesar do recrudescimento da pandemia e das incertezas em relação à imunização. No plano internacional, a forma como negligenciou a Covid-19 certamente contribuiu para a queda de Trump, sob o qual um terço dos americanos passa fome regularmente, não pode pagar o aluguel, se endividou e não tem acesso a saúde. Aqui no Brasil, apesar da rejeição ao governo Bolsonaro ter aumentado, ainda não há sinais da sua queda iminente.

É fato que a causa da privatização e dos mercados livres conquistou audiência em todo o mundo. Contudo, as insurreições, greves e grandes manifestações mostram que não sofremos uma derrota histórica, pois a classe não foi completamente ganha para as ideias ultraneoliberais a que está submetida com toda intensidade pelos regimes. Os índices apontam que está em curso um processo crescente de insatisfação, com tendência à polarização, diante da volta da inflação e agora da falta da vacina. Fenômenos refletidos, mesmo de forma distorcida, na última eleição. Contudo, o impasse está longe de um desfecho. É cada vez maior a parcela da classe trabalhadora que sabe não poder contar com a justiça, o parlamento, o governo (nem mesmo com os chamados governadores “progressistas”) para garantir a imunização plena da população.

Para nós, socialistas, é preciso enfrentar a ultradireita neofascista entrincheirada e disseminada por todo aparelho de Estado e também encontrar uma maneira de construir uma esquerda socialista capaz de enfrentar a crise atual com um programa que abra espaço para o socialismo que parta das demandas mais urgentes da classe trabalhadora como a vacinação, mas também com um componente antirracista, feminista e antilgbtfóbico.

2021 não será um ano fácil e certamente haverá lutas. E essas são a fonte de renovação da esquerda. A presença dos socialistas é certa, pois não só entendemos a urgência de enfrentar o agravamento da crise, mas também porque sabemos que, no capitalismo, não há horizonte possível de transformação social e que precisamos construir outro mundo.

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coronavírus / vacina