“Tem um ditado
Não sei se é inglês ou português
Só sei que o ditado diz
Quem faz uma, faz duas, faz três
Você fez uma, você fez duas
Mas três não vou deixar você fazer”
Adorinan Barbosa (Armistício)
Os versos da música de Adoniran Barbosa, um dos mais geniais compositores paulistanos, com seu humor popular, é um bom introito para analisarmos o papel da direita liberal através de seus órgãos de imprensa e seus jornalistas. Se já não bastasse a campanha e, por tabela, a unidade com os negacionistas pela volta às aulas presenciais em plena pandemia, os liberais desnudam todas suas facetas neste segundo turno das eleições em São Paulo.
O jornal Estado de São Paulo, velho representante da burguesia paulistana, nem quis disfarçar. Assim que saiu o resultado do primeiro turno declarou em um editorial seu apoio explícito a Bruno Covas argumentando que não era hora de “aventuras”. Óbvio que considera aventura a candidatura que escapa ao controle da elite paulista. Engraçado que não usou o mesmo critério quando do segundo turno da eleição presidencial com relação à aventura fascista. Estivesse vivo Adoniran, teria aqui assunto para alguma das suas tiradas bem humoradas.
No programa Roda Viva desta semana, ficou evidente a proteção a Bruno Covas junto à tentativa de emparedar Guilherme Boulos. Tanto é que há uma piada rolando na internet que o Covas recebeu as perguntas com antecedência, mas esqueceu a “cola” ao responder. Até parece que o homem toma calmante em excesso antes dos debates. A jornalista Vera Magalhães, coordenadora do programa, várias vezes demonstrou uma parcialidade irritante. É bom lembrar que em 2016 ela pediu à direção da Folha de São Paulo a demissão de Boulos. Em um post em 14 de dezembro, perguntava se o jornal iria manter Boulos entre seus colunistas: “Uma coisa é pluralismo. Outra é banditismo puro e simples”. Ou seja, luta por moradia na visão desta liberal é “banditismo”. Já Guilherme teve postura oposta ao se solidarizar com ela quando atacada pelos bolsonaristas.
Para quem pensava que não era possível ir mais longe, a sabatina nesta quinta da UOL/Folha mostrou que não há limites para a parcialidade. O tratamento dado na sabatina ao candidato tucano foi completamente distinto do que recebeu o candidato do Psol. Era visível a preferência e apoio implícito do grupo Folha à candidatura Covas/Dória. Porém, a jornalista Tays Oyama não se conteve e tirou a máscara da imagem democrática e imparcial que o jornal buscava passar. Quando faltavam 45 segundos para terminar a sabatina, fez uma pergunta de 38 segundos, deixando 7 segundos para Boulos respondê-la junto às considerações finais. Ficou tão feio e tão antidemocrático que agora ela e a UOL estão pedindo desculpas, que teriam se atrapalhado com o tempo. Não cola. Foi proposital, era uma formulação inclusive falsa e tinha endereço: não haver tempo para respondê-la. Isso para não falar da insistência em perguntar qual o tamanho de uma mansão. Guilherme foi educado demais. Poderia ter perguntado se ela já passou pelos quarteirões dos Jardins América ou Europa para ver que cada mansão ocupa uma quadra inteira.
Já o jornalista César Felício em um artigo no Valor Econômico, do grupo Globo, segue na política de tentar desconstruir a candidatura de Boulos e Erundina. Começa com uma fórmula falsa: Guilherme seria a velha fórmula da esquerda com roupagem nova. Mas o pior é o final do artigo. Afirma de boca cheia que a vitória da candidatura do Psol não interessa a ninguém e acrescenta que se ganhar estará isolado. Esqueceu-se de perguntar à maioria da população da cidade que pode elegê-lo se o deixaria isolado. Obviamente os setores mais explorados da cidade, a juventude, os movimentos sociais por saúde, educação, transporte, moradia, emprego, além dos movimentos contra toda e qualquer forma de opressão não entram na matemática política do articulista.
Aqui se demonstra que a direita liberal tem lado. Há um candidato cujo padrinho é o governador Dória eleito com o voto bolsonarista, o “bolsodoria”, coerentemente apoiado pelo Russomano, o candidato do Bolsonaro, pela Joyce Hasselmann, a direita raiz, coligado com o centrão etc e tais. Covas pinta de bom moço mas se utiliza das velhas práticas coronelistas da política brasileira como a distribuição ilegal de cestas básicas às vésperas das eleições. Utiliza-se da política do vale-tudo. Há outro que vem dos movimentos sociais, da juventude, da luta pela moradia, da luta pelo direito das mulheres, da luta contra o racismo, contra a homofobia, da luta pelos direitos básicos da classe trabalhadora e da população mais pobre e explorada. Entre os dois, a direita liberal escolhe o primeiro pelo acordo com o programa econômico de Bolsonaro e Guedes que no fundo os unifica. Isso fala mais alto. Seria mais honesto, pelo menos, que todos tivessem optado pela posição explícita do Estadão. Nesta reta final, como diz a música do grande Adoniran, “Você fez uma, você fez duas, mas três não vou deixar você fazer, pois você é igual a ovelha, perde o pelo mas não perde o vício”. Vamos virar o jogo.
Comentários