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Balanço do 1º turno em quatro pontos

Gabriel Casoni

Gabriel Casoni, de São Paulo (SP), é professor de sociologia, mestre em História Econômica pela USP e faz parte da coordenação nacional da Resistência, corrente interna do PSOL.

Em um momento em que o contágio pelo novo coronavírus volta a crescer no país, mais de cem milhões de brasileiros foram às urnas, no último domingo, em 5.568 municípios. Em 55 cidades com mais de duzentos mil eleitores, haverá disputa no segundo turno. Vale notar que o índice de abstenção cresceu nessas eleições muito em função da pandemia, chegando, na média nacional, a 23,14%. Porém, o patamar de comparecimento foi ainda bastante significativo no país (76%).  
Destaco neste texto quatro aspectos de avaliação dos resultados do 1o turno. Importa ressaltar que esse balanço é ainda provisório, tanto em razão de que a disputa eleitoral ainda não foi concluída como pelo fato de que os dados e informações precisam de uma investigação mais aprofundada. Convém sublinhar também que, em se tratando de eleições municipais, os elementos nacionais se revelam mediados pela realidade política, social e econômica de cada cidade e região. 
  1. Bolsonaro foi derrotado

Como o bolsonarismo não era uma força política de expressão nacional em 2016, é preciso partir da avaliação das eleições de 2018, quando Jair Bolsonaro quase venceu no primeiro turno, foi determinante para eleger governadores em diversos estados (como no Rio de Janeiro e em São Paulo) e fez o nanico PSL obter a maior bancada da Câmara Federal e deputados neofascistas terem votações gigantescas. Ocorreu, dois anos atrás, portanto, um tsunami de extrema direita. 

O primeiro ponto a ser observar é que a grande onda bolsonarista não teve continuidade em 2020, ou mais precisamente, ela refluiu. Bolsonaro amargou derrotas importantes, como o quarto lugar de Celso Russomano em São Paulo e o fraco desempenho de vários de seus candidatos em várias capitais e cidades importantes. Outro elemento que precisa ser evidenciado é que Bolsonaro, além de ter rachado o PSL, não conseguiu formar seu próprio partido. Com isso, houve uma dispersão das candidaturas bolsonaristas em diversas siglas. De 55 candidatos, entre prefeitos e vereadores, apoiados declaradamente por Jair Bolsonaro, apenas 13 venceram. 

A derrota política de Bolsonaro nesse primeiro turno não pode ser compreendida fora do contexto da luta política de classes no país, e também, em certa medida, no mundo (como a derrota de Trump nos Estados Unidos, do golpe na Bolívia e da Constituição de Pinochet no Chile). Embora tenha preservado uma parcela de apoio popular considerável, Bolsonaro perdeu apoio na classe média e na classe trabalhadora assalariada, em especial nos principais centros urbanos do país. O crescente desgaste do governo federal na maioria das capitais é prova dessa afirmação. A política genocida e negacionista de Bolsonaro diante da pandemia não passou desapercebida de grande parte da população, assim como sua sanha fascista, racista, machista, LGBTfóbica e sua política de destruição do meio ambiente e dos serviços públicos. Em resumo, Bolsonaro está em dinâmica de enfraquecimento. 

  1. Oposição de direita e Centrão governista avançaram 

Em 2018, os partidos mais tradicionais da direita brasileira (PSDB, MDB e DEM) saíram fragosamente derrotados. A candidatura de Alckmin terminou com apenas 4% dos votos e as bancadas federais do PSDB e MDB sofreram fortes baixas. Parcela expressiva da base social desses partidos, especialmente na classe média, rompeu com a direita neoliberal e migrou para a extrema direita, abraçando o bolsonarismo. 

Neste ano, o bloco da direita tradicional (PSDB, DEM e MDB) recuperou posições ao vencer já no 1o turno em 05 capitais (Curitiba, Salvador, Florianópolis, Natal e Palmas) e ir ao segundo em 09  (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Teresina, Porto Velho, Cuiabá, Boa Vista, Goiânia e Maceió). Apesar da redução da votação total e do número de prefeitos e vereadores em pequenos e médios municípios, a oposição de direita avançou nos grandes centros urbanos, recuperando parte do espaço político-social que havia perdido em 2018 para o bolsonarismo.

Por sua vez, o chamado Centrão governista, diversas siglas de direita que estão na base de apoio ao governo Bolsonaro (Republicanos, PP, PSD, PTB, Cidadania, entre outros), também obteve uma clara vitória nesse primeiro turno, avançando no controle de pequenas e médias prefeituras em todo país e tendo bom desempenho em algumas capitais. A vitória da direita governista atenua a derrota do executivo federal e deve aumentar o poder de barganha deste bloco no interior do governo e no Congresso. 

  1. Esquerda foi melhor nas capitais e PSOL se destacou 

Nas eleições de 2016, que ocorreram logo após o golpe parlamentar que depôs Dilma Roussef, o PT amargou uma dura derrota, perdendo boa parte das suas prefeituras e vencendo em uma única capital, Rio Branco. O PSOL passou, em 2016, ao segundo turno no Rio de Janeiro e em Belém, mas não venceu em nenhuma delas. O PCdoB, por seu turno, não ganhou ou foi ao segundo turno em nenhuma capital. 

Neste ano, observa-se uma recuperação relativa da esquerda nos grandes centros urbanos. O PSOL vai o segundo turno em São Paulo e Belém; o PT em Recife e Vitória; e o PCdoB em Porto Alegre. Além disso, o PT disputará o segundo turno em mais 13 cidades de grande e médio porte no país. 

Em termos de votos totais, a esquerda (PT, PSOL, PCdoB, PSTU, UP, PCO, PCB) fez 10,4 milhões de votos, número ligeiramente superior ao resultado de 2016. Contudo, no tocante ao número de prefeitura e vereadores, houve um recuo considerável, em grande medida pela diminuição do espaço do PT e do PCdoB nos pequenos e médios municípios. 

No bloco da esquerda, o destaque sem dúvida alguma é o PSOL, que ganha posição de maior força na esquerda e na política nacional de modo geral. Primeiro, pelo fato de que o partido está no segundo turno na maior e principal cidade do país, com 11 milhões de habitantes. Boulos ficou a frente do candidato de Bolsonaro, de Ciro e do Lula. Pela primeira vez, o PSOL fica a frente do PT na capital paulista, cidade em que o PT vencia ou ficava em segundo desde 1988. Um acontecimento político-eleitoral histórico, portanto. Além disso, o PSOL vai ao segundo turno em Belém, com Edmilson Rodrigues, em 1o lugar. Em Florianópolis, o partido ficou na segunda posição, com 18% dos votos, com o Professor Elson. 

Para as Câmaras Municipais, o PSOL elegeu 88 mandatos de vereador espalhados pelas cinco regiões do Brasil, crescendo 50%. Desse total, quase 40% são mulheres, quase a metade é de negros e negras, além de 4 mandatos encabeçados por mulheres trans e outros 9 mandatos coletivos. 53 desses mandatos foram eleitos em capitais ou cidades acima de 200 mil habitantes. 

A capital que mais elegeu mandatos de vereador do PSOL foi o Rio de Janeiro, com 7 parlamentares eleitos, incluindo o mais votado da cidade, Tarcísio Motta, com 86.243 votos. Em seguida aparece a cidade de São Paulo, que triplicou a bancada de vereadores e agora tem 6 mandatos do PSOL eleitos, incluindo o primeiro mandato coletivo, com a Bancada Feminista, que foi a sétima candidatura mais votada na cidade, com mais de 46 mil votos. Em Porto Alegre, o partido foi o mais votado para a Câmara Municipal, tendo dois jovens negros como primeiro (Káren) e quinto (Matheus Gomes) mais votados da cidade. Em Belo Horizonte, a vereadora mais votada do PSOL foi jovem negra e trabalhadora, Isa Lourença. Em Juiz de Fora, importante cidade mineira, o partido pela primeira vez elegeu uma vereadora, com a eleição da professora  da rede pública Tallia Sobral. 

  1. Centro-Esquerda (PDT e PSB) não decolou

O objetivo de Ciro Gomes nessas eleições era ganhar posições para que o bloco de centro-esquerda ultrapasse a esquerda. Isso não ocorreu. Em duas disputas centrais, São Paulo e Rio de Janeiro, os candidatos Márcio França (PSB) e Delega Martha (PDT) perderam logo no primeiro turno. No segundo, o bloco de centro-esquerda disputa Recife, Fortaleza, Maceió, Aracajú e Rio Branco. A vitória em Recife e Fortaleza são fundamentais para que o PSB e PDT não saiam derrotados dessas eleições, posto que esses partidos já tiveram redução do número total de prefeituras e vereadores. 

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eleições 2020