Hoje, os dedos da esquerda socialista e de milhares de trabalhadores e oprimidos votaram contra o neofascismo bolsonarista em centenas e centenas de cidades, e em importantes capitais desse nosso país de dimensão continental, obscenamente desigual e em avançado estado de desagregação social. O nosso coração, contudo, estava e está em São Paulo, onde a ida de Erundina e Boulos, líder de um expressivo movimento social organizado, ao segundo turno pode, de fato, abrir uma possibilidade de que a correlação de forças venha a ser, ainda que moderadamente, alterada. Lá, em São Paulo, diferentemente do que ocorreu na quase totalidade dos demais lugares, trata-se de algo que vai além de uma tática eleitoral, de um embate “pelo alto”, de uma luta localista, da conquista deste ou daquele mandato setorizado, de um processo de disputa institucional no qual boa parte da esquerda já se encontra por demais enredada, resignada e acomodada. Hoje, na capital paulistana, se travou uma verdadeira batalha nacional. E nós a vencemos. Amanhã começará a guerra, uma guerra por direitos, dignidade e pela vida. Ao cair da noite sobre seus viadutos, e com a vitória dos que dormem sob eles, a cidade de São Paulo se tornou, parafraseando o ainda imberbe Marx, o coração de um país que parece há tempos desprovido de coração. Por essas ironias dialéticas que a história, como disse Deutscher, por vezes nos oferece, será justamente no quartel general do ultraneoliberalismo, habitat de uma burguesia e de uma classe média cada vez mais fascistizadas, que os socialistas poderão brigar pela construção de uma importante casamata. Só de termos essa chance, só de vermos essa esperança nascer em meio àquela Paulicéia desvairada, alguma coisa já está acontecendo em nosso coração.
Acho que gosto de São Paulo
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).
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