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OPRESSÕES

Paula Nunes: “Aquela humilhação não pode ser chamada de audiência”

Ainda sobre a polêmica em torno do julgamento do estupro e a matéria do The Intercept: depois de pensar muito, concluí que o jornal mais confundiu do que ajudou as pessoas. Mesmo assim, não sei se errou.

De fato, nunca se utilizou nos autos, nem nas alegações finais do MP e nem na sentença, a expressão “estupro culposo”. Por isso é tão perigoso noticiar sobre um caso concreto sem acesso à íntegra dos autos.

Mas, o que confunde é que o MP aventou a possibilidade de erro de tipo do réu: ele não sabia que ela estava embriagada a ponto de não conseguir dizer “não”. Na lei brasileira, se há erro de tipo, há exclusão do dolo e o crime é punido na modalidade culposa se houver previsão

Para mim a discussão jurídica aqui é mais profunda do que isso: é possível a aplicação de erro de tipo em caso de estupro de vulnerável com vítimas embriagadas? Se houver prova da vulnerabilidade (embriaguez), a presunção é absoluta?

O STJ decidiu em uma oportunidade que a presunção não é absoluta nos casos de estupro de vulnerável com vítima menor de 14 anos. Eu, sinceramente, não sei se concordo.

Também há outra discussão jurídica importante: qual é o limite para valoração da palavra da vítima como prova? Há outros indícios que corroboram o depoimento dela? Me parece que sim pela sentença, mas não vi os autos e não posso afirmar.

Mesmo assim, um apontamento é necessário: a audiência foi um escândalo e deveria ter sido anulada. Lá, não houve juiz e nem promotor. Aquela humilhação não pode ser chamada de audiência. Não há como defender isso.

Por último: é por isso que esse sistema de justiça criminal nunca dará conta de defender a nós, mulheres. Se você não tem o estereótipo da vítima padrão (mulher, branca, casada, cristã), você vai perceber isso da pior forma possível.

Marcado como:
estupro / Machismo