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BRASIL

Feminicídio se alastra no Rio de Janeiro: parem de nos matar!

Coletiva Feminista do PSOL*, do Rio de Janeiro
Foto: Jacoblund via Getty Images

Na última segunda-feira, Bolsonaro afirmou em almoço realizado com apoiadores que as mulheres conseguiram “praticamente quase tudo” em seu governo. Estranha afirmação vinda do presidente do país que ocupa a 5ª posição no ranking mundial de feminicídio segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Os casos de estupros e feminicídio em todo o país e em particular no estado do Rio de Janeiro tem pautado a imprensa cotidianamente e colocado a luta pela vida das mulheres como uma necessidade imediata. O terrível caso ocorrido na Baixada Fluminense por parte do médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra, preso em flagrante no Hospital da Mulher em São João de Meriti após ser filmado inserindo o pênis na boca da paciente sedada, após a realização de uma cesárea, chocou o país. Infelizmente este não foi o único.

Ainda na Baixada Fluminense, no dia 17 de julho foi preso um homem por suspeita de estuprar e manter em cárcere privado sua enteada de 11 anos. Segundo informações da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), a menina veio a engravidar e, em razões de complicações no parto, foi levada ao hospital, onde foi levantada a hipótese de abuso. Testemunhas informaram à polícia que a menina não deixava a casa onde morava há aproximadamente dois anos e não enfrentava a escola.

No Rio das Pedras uma menina de 12 anos encontrou o corpo de sua mãe de 28 anos, morta por sufocamento após diversas agressões. Segundo informado pela família, a jovem tinha um relacionamento abusivo com o principal suspeito do crime.

No dia 18 de julho, em Rio das Ostras, uma mulher foi encontrada morta na Enseada das Gaivotas com marcas de tiros e violência sexual, caso que ainda está em investigação e sem respostas sobre os autores do crime.

Nesta semana dois novos casos de grande repercussão. No dia 25 de julho, um major da Polícia Militar do Rio de Janeiro agrediu uma funcionária doméstica após a mulher se atrasar 20 minutos no serviço, caso que foi filmado pelas câmeras de segurança do prédio. No dia seguinte, 26 de julho, Sarah Pereira, de 24 anos, foi assassinada a tiros dentro de casa pelo namorado que está foragido. O crime foi cometido na casa onde estavam os dois filhos de Sarah, um bebe de dois meses e uma criança de 4 anos.

E não para. Enquanto escrevíamos este texto, novas notícias de feminicídio no Estado do Rio de Janeiro surgiram. Em Piratininga, bairro da região oceânica de Niterói, uma mulher foi morta a facadas após receber um soco nas costas de seu ex-companheiro que, segundo testemunhas, não aceitava o fim do relacionamento.

Crescimento do feminicídio no Rio de Janeiro

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), o número de casos de feminicídio aumentou 73% nos últimos 5 anos no estado do Rio de Janeiro. De janeiro a junho de 2022 foram contabilizadas 57 mulheres vítimas de feminicídio, uma vítima a cada três dias, 20% a mais do que o número registrado no mesmo período do ano passado. No mesmo período foram registrados 2,3 mil estupros no estado, um aumento de 7% em relação ao mesmo período do ano passado.

Ademais, segundo o ISP, o Estado do Rio de Janeiro tem um estupro registrado em “hospital, clínicas ou similares” a cada 14 dias. Entre 2015 e 2021 foram 177 denúncias de abusos sexuais em unidades de saúde. A realidade é que esses números tendem a ser maiores considerando que muitas vítimas não realizam a denúncia por medo.

Todas as mulheres estão sujeitas a sofrer violências, mas dados mostram que esses números são ainda mais alarmantes quando se trata de mulheres negras, que são sistematicamente violentadas desde do período da colonização.

Mulheres negras, faveladas e periféricas estão mais expostas à violência

O dossiê Mulheres Negras e Justiça Reprodutiva, realizado pela organização Criola (https://criola.org.br/), revela, com base em dados do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), que em todos os eixos de violência notificados pelo SUS (exceto o de lesões auto-provocadas) as mulheres negras aparecem como as principais vítimas.

Em 2019, dos 2.833 estupros registrados no estado do Rio de Janeiro, 1.609 (56,79%) vitimaram mulheres negras e 851 (30,04%), mulheres brancas. Em 353 casos, não foi informada a raça/cor da vítima. As mulheres negras que sofreram algum tipo de violência no mesmo ano somam 1.914 (56,59%) e as mulheres brancas, 1.010 (29,86%). E, ainda, 434 dos casos não informaram a raça/cor da vítima.

As mulheres negras do Rio de Janeiro têm duas vezes mais chances de sofrer algum tipo de violência em comparação às mulheres brancas.

Além do recorte racial, é preciso observar o recorte territorial das mulheres vítimas de violências no estado. Conforme mapa abaixo, a região da Baixada Fluminense é a região com o maior número de estupros do estado no primeiro semestre de 2022.

Fonte: http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/ Acesso em 27/07/2022.

Segundo dados do Boletim Feminicídios & Violência de Estado na Baixada Fluminense da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial , em 2021, de todos os casos de feminicídio registrados no estado do Rio de Janeiro, 18% ocorreram somente na Baixada Fluminense. O documento retrata, ainda, que a maior parte dessas mulheres eram negras e moradoras de favelas e periferias.

Destaca-se que a região sofre com um processo de consolidação das milícias em seu território, o que restringe, ainda mais, a possibilidade de denúncia de tais violências e o acesso à assistência social das mulheres quando sofrem algum tipo de violência.

“O estuprador é você! São os policiais. Os juízes. O Estado. O presidente.”

Os estupradores, na maior parte das vezes, conhecidos e parceiros das vítimas, são subprodutos de nossa cultura, são a representação cruel e violenta de valores e crenças que estão na base da nossa sociedade que subjuga o corpo da mulher, objetificando-a. Fala-se em “cultura do estupro” por não se tratar de casos isolados e desvio de padrões e sim de uma trágica expressão da regra, como os dados bem mostram.

Ainda há uma forte tendência social de culpabilização da vítima, vez que parte da sociedade responsabiliza as próprias mulheres pelas violências sofridas. Entendem que caso a vítima adotasse comportamentos diferentes, a situação de violência não ocorreria. A forma como ainda são tratados os casos de violência contra a mulher faz com que grande parte das vítimas não denunciem seus agressores, uma vez que muitas das vezes são desacreditadas e não encontram o amparo necessário das instituições responsáveis.

Há também obstáculos ao reconhecimento pelo sistema judiciário do feminicídio, ou seja, dos crimes de homicídio contra mulheres praticados em situações de violência doméstica, familiar ou de menosprezo ao gênero da vítima. Casos em que a mulher é morta por ser mulher. Por trás destes crimes estão ideologias naturalizadas em nossa sociedade como a de que o corpo da mulher é público, a objetificação e hiperssexualização do corpo da mulher negra. As inúmeras declarações misóginas de Bolsonaro também estimulam o aumento da violência contra as mulheres e a impunidade dos agressores.

Pela vida das mulheres!

Para frear a onda de feminicídio que varre o Rio de Janeiro precisamos fortalecer políticas públicas de combate a violência contra a mulher. Não à toa, os dados de feminicídio crescem vertiginosamente justamente neste ano, em que o orçamento federal para o combate à violência contra a mulher é o menor desde o início da gestão Bolsonaro.

A elaboração de políticas públicas precisa contar com a participação direta das mais atingidas: nós. Precisamos batalhar juntas pelo fortalecimento de medidas de enfrentamento e amenização do impacto da violência de gênero. Somos nós, mulheres trabalhadoras, que temos a consciência do perigo que corremos todos os dias. Compreendemos que a violência machista como mais uma das ferramentas de opressão que estruturam a sociedade em que vivemos.

Apenas com mobilização popular podemos modificar a realidade e construir novos horizontes para as mulheres e meninas. Reafirmamos o feminismo como caminho para nos auto organizarmos na resistência, na luta por uma sociedade justa e igualitária!

*@coletivafeministapsol

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