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As eleições municipais e a disputa de narrativas

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

As eleições deste ano teoricamente não têm relação direta com as grandes disputas políticas do país. Afinal, a função de prefeitos e vereadores é cuidar de serviços públicos em nível local. Mas na prática, as eleições municipais vão medir a força de cada grupo político que hoje atua no Brasil.  

Em São Paulo, a disputa está embolada entre vários candidatos, com o favoritismo sendo disputado entre Bruno Covas, do PSDB, Márcio França, do PSB e Celso Russomano, do Republicanos. Bolsonaro não tem um candidato definido, mas deve se posicionar no segundo turno. O resultado na maior cidade do país pode fortalecer o PSDB de João Dória, que quer se candidatar para presidente em 2022. Ou fortalecer o também presidenciável Ciro Gomes, que é aliado do PSB de Márcio França. Russomano pode ser o candidato de Bolsonaro no segundo turno. 

No Rio de Janeiro, o bolsonarismo estará junto com o atual prefeito, Marcelo Crivella. O Rio é a cidade do presidente, e o peso desta eleição será muito grande. O principal adversário pode ser Eduardo Paes, do DEM, mas ele anda com problemas relacionados a investigação de corrupção. 

Em Belo Horizonte, o atual prefeito Alexandre Kalil lidera as pesquisas. Ele é do PSD, partido da base do governo federal. Em Salvador, Bruno Reis (DEM), também tem uma larga vantagem nas intenções de voto. Ele é vice do atual prefeito, ACM Neto.  Em Porto Alegre, o prefeito Nelson Marchezan Jr (PSDB) pode disputar o segundo turno com a ex-candidata a vice-presidente Manuela d’Ávila (PCdoB). 

Em Recife, a disputa está embolada entre quatro principais candidatos: Daniel Coelho (Cidadania), Marília Arraes (PT), João Campos (PSB) e Patrícia Domingos (Podemos). Fortaleza pode ter um segundo turno bastante tenso entre o bolsonarista Capitão Wagner (PROS) e a petista Luizianne Lins (PT).  

No geral, o quadro nas grandes cidades é ainda muito incerto. Os apoiadores do governo federal, a oposição de centro-esquerda a e direita tradicional (PSDB e DEM) disputam quem sai da eleição com mais força política. Até agora não podemos apontar nenhum grande favorito para vencer esta disputa.

É importante notar o peso do PSOL nestas eleições. Em Belo Horizonte, Áurea Carolina aparece em segundo lugar em algumas pesquisas. Em São Paulo, Guilherme Boulos pode ser o principal candidato do campo da esquerda. Em Belém, Edmilson Rodrigues lidera as intenções de voto. O partido ainda é pequeno, mas está longe de ser marginal e pode sair deste pleito como protagonista em grandes centros. 

A cidades do interior têm um peso importante

Muitos ainda se perguntam porque nos 10 últimos dias antes do primeiro turno em 2018 o então candidato Jair Bolsonaro saltou de cerca de 30% das intenções de voto para 46% no resultado final. Alguns culpam o movimento de rua “#elenao”, organizado por grupos feministas. Isto é um erro. O feminismo evitou a vitória de Bolsonaro no primeiro turno. A resposta para o crescimento do candidato do PSL em parte está nas cidades do interior, o chamado “Brasil profundo”. 

Em 2018, os líderes políticos dos pequenos municípios em sua maioria começaram a campanha apoiando o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, para Presidente. Mas quando ficou claro que Alckmin teria dificuldades de ir para o segundo turno, a maioria passou a apoiar Bolsonaro. Isto, somado ao apoio definitivo da maioria das lideranças evangélicas, fez o hoje Presidente ganhar mais de 15% dos votos em poucos dias. Algo parecido aconteceu em 2014. O segundo turno entre Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (REDE) estava quase definido. Mas em poucos dias o “Brasil profundo” deu os votos que Aécio Neves (PSDB) precisava para superar Marina e ficar em segundo lugar.

O controle sobre os currais eleitorais do interior é muito importante para a direita tradicional e seus partidos, como PSDB, DEM e MDB. É bom lembrar que 45% da população do país vive em cidades com menos de 100 mil habitantes. 

Os grandes fazendeiros que controlam os currais eleitorais do interior não são peixes pequenos. O escritor Raimundo Faoro em sua obra “Os donos do Poder” já falava da influência dos chamados “coronéis”. Esta rede de oligarquias regionais é a raiz mais profunda do poder político do país.

Um exemplo da força deste “Brasil profundo” é a bancada ruralista, que tem quase metade de todos os deputados e senadores. A bancada ruralista por sua vez é a espinha dorsal do “centrão”, grupo de deputados e senadores que controla o Congresso Nacional. 

A partir de seus redutos eleitorais, os “coronéis” exercem muita influência em Brasília. Eles vão continuar aliados da direita tradicional ou vão passar de vez para o bolsonarismo? 

Em todo o mundo, neofascismo se fortalece nas regiões distantes dos grandes centros 

Donald Trump perdeu em todas as cidades com mais de 100 mil habitantes dos Estados Unidos nas eleições de 2016. Mas a chamada “América profunda” fez ele ganhar da democrata Hillary Clinton. No Reino Unido, a votação pela saída do país da União Europeia foi decidida pelo interior da Inglaterra. Na Argentina, foram os senadores das províncias do Norte que evitaram a aprovação de uma lei que facilitava o aborto legal. Na Hungria, o neofascista Victor Orban é minoria na capital Budapeste, mas conseguiu consolidar apoio no interior do país. 

Com a internet, o fluxo da informação muda. A rede mundial de computadores acabou dando voz a quem tinha pouco espaço na grande mídia. Isto inclui o movimento LGBT, o feminismo e outros movimentos sociais. E também a extrema-direita e os grupos de ódio. Mas algo ainda pouco estudado é como a internet fez com que a população das pequenas cidades não dependesse mais da grande mídia vinda dos grandes centros. Um youtuber em uma cidade do interior pode ficar nacionalmente famoso sem precisar pisar em São Paulo ou no Rio de Janeiro, por exemplo. 

Como as regiões mais distantes têm menos presença dos movimentos sociais, em geral são mais conservadoras. As teorias da conspiração também são atraentes para quem vive longe dos centros de decisão. Isto foi bem explorado pelos movimentos neofascistas.

Se o bolsonarismo emplacar vários prefeitos, isto pode consolidar a força deste campo político no interior do país. Uma rede de “prefeitos do Bolsonaro” pode pressionar o Congresso Nacional e ajudar na propaganda em favor do governo. As redes de fake news em defesa das ideias bolsonaristas vai ficar mais forte e capilarizada. Parte da base social do antigo coronelismo pode passar para a nova extrema-direita. O neofascismo pode ficar muito mais perigoso.

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eleições 2020