Por: Lucas Marques, de Campinas, SP
O segundo turno das eleições presidenciais polonesas ocorreu no dia 12 de julho, dando vitória apertada ao candidato conservador Andrzej Duda, reeleito presidente com 51% dos votos. Duda concorreu como candidato independente, mas teve o apoio da aliança Direita Unida, que inclui o partido Lei e Justiça, entre outras organizações de direita. Na Polônia, bem como em outros países da Europa, é notável o peso ganho pela extrema-direita no último período, com foco em pautas LGBTIfóbicas e xenofóbicas. Duda disputou o segundo turno com Rafał Trzaskowski, candidato de centro, pró-UE, de perfil bastante parecido com o de Emmanuel Macron, primeiro ministro da França.
O candidato mais à esquerda com expressividade eleitoral foi Robert Biedroń, do partido Primavera e parte da aliança de organizações de esquerda chamada Lewica (Esquerda). Biedroń é membro do Parlamento Europeu e foi o primeiro homem gay a ser eleito prefeito de uma cidade na Polônia (da cidade de Słupsk) em 2014. Teve 2,21% dos votos no primeiro turno, expressão eleitoral importante, mas ainda três vezes menor do que a do candidato da direita (ainda mais) extrema, Krzysztof Bosak, que teve 6,75% dos votos. Bosak é do partido Confederação pela Liberdade e Independência, defendeu um programa de extrema-direita, anti-UE, acusando Duda de não ser suficientemente de direita. Apoiou ativamente os protestos anti-LGBTI que ocorreram no país.
LGBTIs, extrema-direita e neoliberalismo
As LGBTIs polonesas vem enfrentando uma situação bastante difícil nos últimos anos. Para se ter ideia, ⅓ do território do país se declara como “LGBT-free zones”(zonas livres de LGBT), havendo protestos contra os direitos dos LGBTI com o apoio de organizações de extrema-direita, do fundamentalismo cristão e de governos locais. Duda chegou a dizer que a tal “ideologia LGBT” era pior do que o comunismo e que queria proibir constitucionalmente a adoção por casais LGBT, demonstrando o peso da questão para a direita polonesa, incluindo o tema dos debates de gênero e sexualidade nas escolas, tema tão conhecido para nós brasileiros.
Se nas eleições de 2015 a grande pauta da extrema-direita foi a perseguição de imigrantes e refugiados, nas eleições de 2020 o grande eixo polarizador foi a questão das LGBTIs, sendo a Lewica o único setor a defender direta e abertamente os seus direitos. A suposta oposição liberal de Trzaskowski evitou abordar o tema diretamente e defendeu a necessidade de rejeitar toda forma de ódio, buscando se colocar como um setor moderado. [1]
Peter Drucker aponta alguns elementos interessantes para entender a dinâmica da questão LGBTI na UE: a restauração capitalista conduzida no leste europeu, somada a uma política neoliberal e imperialista teria gerado um grande ressentimento nos povos oprimidos no bloco e em suas antigas colônias e semi-colônias. Drucker afirma:
“Enzo Traverso apontou que 8 de maio de 1945 – um momento de fundação para uma nova Europa – semeou profundas divisões na memória histórica dos cidadãos e súditos da Europa. Celebrado na França como um dia de vitória sobre o fascismo, o dia 8 de maio é lembrado na Argélia (e entre imigrantes de origem argelina na França) como um dia em que tropas francesas massacraram argelinos na cidade de Sétif.” (tradução nossa)
As LGBTIs da UE conquistaram amplos direitos desde o final da década de 1990, com o compromisso do bloco de garantir o combate à discriminação à minorias. Por outro lado, a UE foi instrumento de políticas neoliberais que aprofundaram desigualdades brutalmente, como a política de desmonte do Estado de bem-estar e a austeridade imposta nas últimas décadas, principalmente nos países de economia mais frágil no bloco. A luta por direitos das LGBTIs acaba sendo instrumentalizada pela extrema-direita nacionalista que a identifica com a política imperialista do bloco, o que Drucker chama de heteronacionalismo. Não à toa, Duda foi eleito com uma agenda anti-LGBTI, mas também com uma agenda superficialmente anti-UE e anti-austeridade, com amplos programas de transferência de renda combinada com o desmonte de serviços públicos como saúde e educação. Seu discurso privilegia a defesa e valorização, inclusive econômica, da família heterocisnormativa, sendo ela o centro dessas políticas de transferência de renda, bem como os pequenos comerciantes.
“O que diferencia os projetos reacionários de direita e as forças que Nancy Fraser chamou de ‘neoliberalismo progressivo’ não é, portanto, oposição ou adesão ao neoliberalismo: é um modo diferente de gerenciamento político dos mesmos dogmas econômicos neoliberais.”
Este dito “neoliberalismo progressivo” também conta com a família como ponto de apoio para viabilizar sua política econômica, mas acaba sendo mais permeável com os modelos de família que abrange. O que ocorre hoje, não apenas na Europa, de acordo com a autora, é a competição entre duas formas de regular culturalmente a família e seu papel social. Essa nova direita conservadora busca um modelo de regulação diferente, pautado por valores tradicionais, entendendo o papel da família para a garantia das condições de vida sob o neoliberalismo, diante do desmonte dos serviços públicos e garantia sociais.
Ascendendo ao poder com a defesa de uma plataforma de luta contra a dissolução dos laços nacionais e comunitários por uma elite financeira, tida como cosmopolita, defensora de liberdades sexuais e alheia às condições de vida da classe trabalhadora, essa extrema-direita em geral não tem nada a oferecer além de um discurso mobilizador fantasioso que na Polônia conquistou os votos de 60% dos trabalhadores. Na prática assistimos ao desmonte do sistema de garantias sociais e a perseguição de minorias oprimidas.
Para Drucker a saída para enfrentar a extrema-direita é clara, o “menos pior” neoliberal da direita tradicional não apenas não nos serve, como também nos trouxe até aqui:
“Em uma escala global, uma agenda de libertação deve ser elaborada em conjunto com base em nossa total diversidade, igualdade e respeito mútuo, vinculando a igualdade LGBTQI à plena igualdade econômica e social.”(tradução nossa)
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