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O Brasil vai à guerra: o dia em que as Forças Armadas lutaram como antifascistas

Carlos Zacarias de Sena Júnior, Salvador (BA)*

Soldados brasileiros na batalha de Monte Castelo na Itália

Formados num visceralmente torpe espírito anticomunista, típico da Doutrina de Segurança Nacional, implantada no Brasil com a Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1949, os generais brasileiros, principalmente os que integram o governo protofascista de Jair Bolsonaro, podem não gostar da história, mas nunca é demais lembrar que a campanha mais importante das nossas Forças Armadas, foi a luta contra o nazifascismo, quando o exército foi efetivamente antifascista e esteve recheado de comunistas.

Implantado em novembro de 1937, o Estado Novo brasileiro, que levava o mesmo nome do congênere português, liderado pelo professor universitário, convertido em ditador, Antonio Oliveira Salazar, movia-se num terreno histórico polarizado pelas forças da revolução e da contrarrevolução e assumia abertamente suas simpatias pelo regime hitlerista. Por sua forma e conteúdo, tanto o Estado Novo português como o brasileiro eram genericamente fascistas. Naquele contexto, quando uma nova guerra eclodiu a partir de setembro de 1939, um gigantesco movimento de pressão e contrapressão na geopolítica mundial se fez perceber.

Bombardeado por aviões japoneses na base de Pearl Harbor, em dezembro de 1940, os norte-americanos entraram na guerra contra o Eixo, que reunia Alemanha, Itália, Japão e outros países, em aliança com a Inglaterra e a França, que estava ocupada. No ano seguinte, em junho de 1941, os alemães invadiram a URSS, rompendo o pacto germano-soviético, firmado em agosto de 1939, configurando as alianças definitivas do conflito bélico mundial.

O Brasil acompanhava tudo à distância, mas era sondado pelas potências em guerra pela sua posição estratégica no subcontinente sul-americano. Em fevereiro de 1942, navios brasileiros foram bombardeados na costa dos Estados Unidos por submarinos alemães. No mês seguinte, novos bombardeios afundaram outros navios mercantes, voltando a matar centenas de pessoas na costa estadunidense. Até junho, cerca de dez embarcações do país haviam sido afundadas por alemães (e também italianos) que pretendiam bloquear a entrada de mercadorias na grande potência do norte do continente.

A partir de agosto de 1942, a guerra chegou à costa brasileira. Os navios Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará, além da barcaça Jacira, foram torpedeados na costa do Nordeste por submarinos alemães, deixando um rastro de morte e destruição. Os corpos dos náufragos, que vieram dar à costa do litoral nordestino, ainda estavam sendo recolhidos, quando um imenso levante tomou conta das ruas de várias cidades brasileiras. As manifestações tinham um caráter antifascista, eram dirigidas, principalmente, por estudantes, e exigiam, do governo Vargas, democracia, declaração de guerra contra o Eixo e o envio de tropas para combater numa segunda frente na guerra (a única frente existente, naquele momento, era a frente russa, onde os exércitos alemães avançavam, ganhando posições e conquistando diversas cidades).

A ditadura de Vargas, que comportava os generais germanófilos Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro, além de outras figuras bastante sinistras, como Filinto Müller, cedeu aos apelos antifascistas que partiam das ruas e às pressões dos setores americanófilos do próprio governo, com destaque para a figura do embaixador Oswaldo Aranha, declarando guerra ao Eixo naquele mesmo mês de agosto.

Em janeiro de 1943, os reservistas foram convocados. Um ano depois, abriu-se o alistamento para voluntários. Entre os milhares de brasileiros que se alistaram, diversos jovens comunistas, que estavam na linha de frente das manifestações, também se apresentaram para lutar contra os nazifascistas. Tendo em vista que o PCB tinha tirado lições dos erros sectários de 1935, que levaram aos levantes de quarteis liderados pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), os comunistas vinham defendendo, desde 1938, a conformação de frentes antifascistas com quem estivesse disposto a lutar contra o Eixo, ao lado da URSS e dos Estados Unidos. Mesmo na clandestinidade, o PCB teve importante presença nas manifestações pela entrada do país na guerra, e ainda que não tivessem sido capazes de distinguir as táticas de Frente Única e Frente Popular, os comunistas despontaram na cena pública com grande destaque.

Em passagem pela Bahia, em março de 1943, o presidente da Sociedade Amigos da América (SAA), uma das entidades antifascistas mais importantes do país, o general Manuel Rabelo, concedeu entrevista ao repórter Jacob Gorender, da revista Seiva. A Seiva era um periódico antifascista, que circulava desde 1938. Dirigido por comunistas que estavam na clandestinidade, o periódico, que era editado na Bahia, dava a linha dos comunistas nos anos duros anos de perseguição e clandestinidade.

Abordando assuntos relacionados à guerra e à luta antifascista que se travava nas ruas, o general Manuel Rabelo defendeu a abertura de uma segunda frente na guerra para “sustentar o prestígio internacional” do país e “aliviar a pressão sofrida pela URSS”. O general, que era mal quisto entre seus colegas de farda que estavam no campo do fascismo, reclamou da demora do governo em enviar tropas para o combate: “O povo brasileiro anseia por participar da luta. Sua honra não pode ser posta em dúvida. O que é preciso é ação. Ação intensiva na preparação militar do Brasil e não ficarmos até aqui marcando passo no mesmo terreno”, disse Rabelo. Na mesma entrevista, o general e presidente da SAA, também ousou criticar o comando do exército, e o próprio governo, quando disse: “Chamar reservistas e reuni-los nos quartéis sem fardamentos, sem equipamentos, sem material de adestramento, sem a instrução intensiva que a guerra moderna requer, para empregá-los no serviço de faxina e de cavalaria é positivamente aniquilar o ânimo combativo dos nossos soldados e oferecer às Nações Unidas que nos observam, motivos para descrerem da sinceridade dos nossos propósitos de cooperação leal e honesta”.1

A entrevista do general Rabelo, que foi tomada como uma afronta contra os militares, implicou o fechamento da revista Seiva, além da prisão de Jacob Gorender e dos diretores do periódico, os irmãos Wilson e João Falcão, todos enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN). Foi apenas pela intervenção dos estudantes, que se reuniam no VI Congresso da UNE, que acontecia na capital federal, junto com o I Congresso de Guerra dos Estudantes, que os jovens jornalistas da Seiva foram libertados. Nessa altura, quando o próprio Getúlio Vargas redefinia sua política, deslocando-se para o campo das forças populares, a libertação dos jovens presos parecia ser um imperativo da luta unitária contra o nazifascismo, tanto que o ditador determinou a libertação dos jornalistas, dois dos quais eram militantes do PCB.

O Brasil, enfim, enviou suas tropas para combater na segunda frente, que finalmente foi aberta com o desembarque de tropas aliadas na Normandia no famoso dia D, em 6 de junho de 1944. A campanha das Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) encheu o país de orgulho. Apesar das condições adversas e das controvérsias que o assunto enseja, é desses momentos que ficaram para a história, posto que as Forças Armadas, que nas décadas seguintes embarcaram em várias aventuras e estiveram à frente da ditadura de segurança nacional de 1964 a 1985 no Brasil, se tem uma coisa de que devam ter orgulho, é de quando lutaram contra os fascistas, ao lado dos comunistas e demais brasileiros que se poderia dizer verdadeiramente de bem.

*Carlos Zacarias de Sena Júnior é Doutor em História e Professor da UFBA.

1 “O POVO brasileiro anseia pela participação na luta”. Seiva, nº 18, Salvador, julho de 1943, p. 7.