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Sobre a lamentável visita de Lopez Obrador à Trump

Faltando cerca de quatro meses para as eleições presidenciais estadunidenses, o presidente do México é recebido na Casa Branca como um aliado dos EUA

Obrador e Trump, em pronunciamento à imprensa

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

“Agradeço mais uma vez ao governo dos Estados Unidos e ao presidente Trump por seu tratamento respeitoso e cordial para conosco e, o que é mais importante, para com nosso povo”
Lopez Obrador

Na última quarta-feira, 8 de julho, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), visitou a Casa Branca para um encontro oficial com o presidente dos EUA, Donald Trump. Foi a primeira viagem internacional do atual presidente do México.

O motivo oficial da viagem foi a assinatura de um tratado de livre comércio entre EUA, México e Canadá (T-MEC). Assinatura, aliás, que o governo canadense faltou, pois vive fortes disputas econômicas e comerciais com o governo Trump. Na verdade, o T-MEC é uma nova versão do NAFTA (Tratado de Livre Comércio da América do Norte), que venceu em 2018, e tanto prejudicou a economia e os interesses soberanos do México.

AMLO foi eleito em 2018 com um discurso de construir o México como um país realmente independente frente ao imperialismo estadunidense. Na campanha, o atual presidente mexicano fez, inclusive, duras críticas ao presidente dos EUA.

Trump sempre foi um inimigo do povo do México, dos imigrantes mexicanos e dos demais países da região. Em 2016, ele chegou a chamar os mexicanos de “criminosos” e “estupradores”, e anunciou a construção de um “muro da vergonha”, na fronteira com os EUA.

Em 2017, antes de chegar à Presidência, AMLO publicou o Livro “Oye, Trump”, onde chamou essa postura anti-imigrante de “canalhice” e, inclusive, comparou o atual presidente dos EUA à Hitler. No governo, AMLO substituiu o discurso de independência frente ao imperialismo ianque por uma postura pragmática, inclusive com momentos de colaboração direta com os interesses estadunidenses na região.

Seria um exagero afirmar que a postura de AMLO é de subordinação completa e absoluta à Trump, como assistimos, por exemplo, no papel de lacaio de Bolsonaro. Por exemplo, o Governo do México cumpriu um papel importante quando se opôs ao golpe de estado desferido pela direita e a extrema direita na Bolívia, inclusive concedendo asilo político ao ex-presidente boliviano Evo Morales, deposto ilegalmente com a cumplicidades dos EUA e da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Apesar de posições pontuais distintas do imperialismo estadunidense, AMLO esteve bem longe de cumprir a promessa de sua campanha eleitoral de fazer um governo realmente independente dos EUA. Por exemplo, já no primeiro ano de seu governo, o governo mexicano acabou aderindo à política estadunidense de conter e reprimir a imigração, especialmente dos países da América Central.

Entretanto, num contexto em que o México vem sendo atingindo fortemente pela pandemia da Covid-19 (com mais de 30 mil mortos, segundo dados oficiais) e por crise econômica que vem se aprofundando a cada dia (o PIB do México pode cair mais de 10% neste ano), a assinatura do novo tratado de livre comércio e a visita a Trump marcam um salto nesta política de integração nada soberana.

AMLO fez questão, inclusive, de elogiar Trump na grande imprensa, afirmando que o presidente dos EUA sempre respeitou o México e seu povo. Um absurdo. Dados recentes apontam, inclusive, que mesmo durante a pandemia, houve um aumento de 40% nas detenções de imigrantes na fronteira entre os dois países em junho, em comparação ao mês anterior.

E, na última sexta-feira, AMLO informou a imprensa que convidou Trump para visitar o México. Segundo o próprio presidente mexicano, a visita não poderá acontecer imediatamente, devido às eleições presidenciais estadunidenses, de 3 de novembro.

Reeleição de Trump sob risco

Trump se encontra no pior momento de seu governo, com a popularidade em baixa e em uma situação de grandes dificuldades para viabilizar sua reeleição no dia 3 de novembro.

Os graves erros do seu governo no combate a Covid-19, inicialmente com um discurso negacionista e atrasando ao máximo a aplicação de uma política justa de distanciamento social, demonstra de forma inequívoca a responsabilidade direta de Trump pelo fato dos EUA ser até hoje um dos epicentros da pandemia, com o maior número de infectados e mortos. Inclusive, os EUA vivem, neste momento, uma segunda onda da doença com um aumento expressivo no número de novos casos e mortos.

Com a pandemia veio também um novo pico de uma crise econômica, também com dimensões recordes. Desmontando o principal argumento que Trump usava para buscar a reeleição. De fato, os bons momentos da economia estadunidense ficaram para trás.

Entretanto, o principal elemento que explica a mudança de cenário político nos EUA, ampliando qualitativamente as dificuldades de reeleição de Trump foi a eclosão do Levante Negro, Jovem e Popular contra o racismo estrutural nos EUA, após o assassinato brutal do trabalhador negro George Floyd, por um policial branco e racista.

A dimensão gigante dos protestos, sua amplitude social e seus desdobramentos no país e até ao nível internacional, deixou Trump “contra a parede”. Novamente o presidente de extrema direita repetiu seu discurso reacionário, ameaçando de usar até as forças armadas para reprimir os protestos legítimos.

Longe de conter as manifestações, essa postura criminosa de Trump só fez demonstrar sua derrota política diante do crescente movimento Vidas Negras Importam, e ampliar ainda mais seu isolamento político.

A crise atual e as dificuldades eleitorais e políticas do atual governo de extrema direita estadunidense torna ainda mais errada a visita de AMLO e seus elogios a Trump. Pois, Trump vai usar a popularidade de AMLO, especialmente entre a população de origem mexicana, para tentar angariar votos para sua chapa nas próximas eleições presidenciais.

Trump é um símbolo do projeto de extrema direita, não só nos EUA como no mundo todo. Ajudar, de alguma maneira, na sua reeleição se revela uma verdadeira traição à luta do povo trabalhador – especialmente negro e imigrante – contra toda a brutal exploração e opressão deste governo imperialista.

 

*Com informações de Pedro Mendés, do México.

Referências:

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/07/08/trump-recebe-presidente-mexicano-em-meio-a-criticas.htm

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/07/na-casa-branca-amlo-elogia-trump-por-nao-tratar-mexico-como-colonia.shtm

https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/07/10/interna_internacional,1164691/amlo-convida-trump-para-ir-ao-mexico.shtml

https://elpais.com/mexico/2020-07-10/las-detenciones-de-migrantes-en-la-frontera-de-mexico-y-ee-uu-aumentan-un-40-en-junio-pese-a-la-pandemia.html

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/06/26/superado-por-biden-em-pesquisa-trump-chega-ao-ponto-mais-baixo-de-aprovacao.htm

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45947234

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/-O-Mexico-se-tornou-o-muro-de-Trump-como-AMLO-se-tornou-um-agente-da-imigracao/6/46446