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MUNDO

Deter e denunciar a nova escalada colonialista de Israel na Palestina é nosso dever!

Roberto “Che” Mansilla, Rio de Janeiro (RJ)

O último dia 01 de julho foi marcado pela ameaça de Israel em anexar os territórios palestinos da Cisjordânia, especificamente os assentamentos em torno de Al Quds (Jerusalém em árabe) e do Vale do Jordão (fronteira com a Jordânia). Trata-se de mais uma etapa da limpeza étnica contínua, em que se repetem contínuas violações dos direitos humanos e da ocupação de terras e recursos do que foi a Palestina histórica, cometido pelo Estado sionista de Israel, desde 1948: ou seja, há 72 anos!1

Mesmo não tendo sido concretizada, essa movimentação do governo de coalizão de Netanyahu (Likud) e o “centrista” Gantz (o mesmo general que agiu no massacre de Gaza de 2014), deixou evidente que a intenção do Estado colonialista e racista de Israel é concretizar seu projeto estratégico: a consolidação da limpeza étnica na região, ou seja, construir um Estado composto esmagadoramente por judeus e relegar os renascentes palestinos ao status de uma minoria não reconhecida e sem direitos básicos.

O projeto de Israel de anexação de 30% da Cisjordânia é parte do chamado “acordo do século” anunciado em conjunto por Trump e Netanyahu, em janeiro.2 Vários governos da América do Sul enalteceram o tal acordo, entre os quais, os direitistas da Colômbia e do Paraguai, o golpista e ilegítimo da Bolívia e o neofascista do Brasil. Vale lembrar que o governo Bolsonaro já votara, em junho, contra uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que trata da investigação e responsabilização por crimes cometidos na ocupação da Cisjordânia e de Gaza, e que estes sejam levados à Justiça, reconhecendo o papel do Tribunal Penal Internacional.3 Por outro lado Cuba e Venezuela que estão sob sanção dos EUA, foram contra a proposta do projeto de Trump-Netanyahu.

O acordo, segundo Trump seria um “plano de paz” e “uma proposta realista para a existência de dois estados na região”.4 Mas foi feito a revelia de representantes palestinos que não participaram das conversas. Como lembra Waldo Mermelstein o plano de Trump é “uma aposta na legalização de todos os crimes israelenses em várias décadas e a tentativa de desmontar a resistência palestina que já dura pelo menos 70 anos”5.

Segundo o jornalista Ezequiel Kope, mesmo que o plano “fale em Estado palestino ele é mínimo, dividido em ilhas, em cantões” e que, contraditoriamente, segundo ele, também “preocupa muitos da direita israelense e os colonos por que poderia dar alguns direitos civis aos palestinos nas terras anexadas”.6 Mas é fato que esse projeto outorga aos palestinos uma autonomia limitada dentro de um território descontínuo e desconsidera a problemática de milhões de refugiados palestinos expulsos de suas terras desde 1948. Não se trata de um plano de paz, mas de um plano para legitimar (ainda mais) a ocupação e o projeto colonial sionista.

Nesse sentido, é importante considerar que a ocupação israelense sobre a Palestina avançou a tal ponto que hoje o povo palestino está confinado em 15% de seu território histórico, com a Faixa de Gaza separada da Cisjordânia por vários quilômetros de territórios israelenses. E a Cisjordânia é dividida em três zonas, controlado em diversos graus pelo exército sionista. Em 2018 o parlamento israelense (Knesset) aprovou uma lei sobre Israel como estado judaico, em que define que a única nacionalidade a exercer seus direitos de autodeterminação é a judaica, estabelecendo o hebreu como única língua oficial e as colônias judaicas como um valor nacional que deve ser apoiado pelo estado7. Esta lei significou um salto no caráter racista de Israel, aumentando a discriminação da minoria árabe que vive em Israel.

Um estado racista e colonialista com métodos de terror que impõe um regime de apartheid sobre um território ocupado. Essa é a situação que o plano de Trump-Netanyahu pretende legalizar e eternizar na Palestina. Mas por que o plano não foi concretizado no dia 01 de junho como ele tinha sido anunciado? Talvez uma das razões tenha sido pela própria debilidade de Trump que enfrenta há um mês, um massivo levante antirracista nos EUA e teme não se reeleger nas eleições de novembro8. Mas, a nosso ver, a rejeição internacional explica que o projeto não avançasse, adiando, (ao menos temporariamente) uma nova etapa da estratégia colonialista de Israel. A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet foi taxativa: “a anexação é ilegal. Ponto final. A ideia de anexação é ilegal, sejam 30% ou 5% da Cisjordânia.”9

Também ocorreram inúmeras manifestações em Gaza, Jerusalém, Nova Iorque, Londres e outras cidades contra a anexação. Por fim, importantes iniciativas de lideranças políticas, religiosas e figuras públicas foram decisivas na momentânea interrupção dessa declaração de guerra (mais uma) contra os palestinos10. Mesmo a monarquia hashemita da Jordânia, sempre tão dócil com Israel, protestou em um tom muito acima do habitual, pois teme perder a administração dos lugares sagrados de Jerusalém e que a anexação cause grave descontentamento entre os descendentes de refugiados palestinos, que constituem cerca da metade da população local11.

Precisamos continuar denunciando os planos de anexação do Estado sionista de Israel, e suas políticas de expropriação dos palestinos (dentro de suas fronteiras informais de 1948, onde continua realizando, em velocidade menor uma limpeza étnica, e nos territórios ocupados desde 1967)12, para pôr fim a opressão do povo palestino, sobretudo num momento em que há um novo surto de infecção nos territórios palestinos, ao longo dos últimos dias13.

Deter Israel em sua nova escalada racista e colonialista!

Deter a expropriação cotidiana e permanente do povo palestino!

Toda a solidariedade à resistência palestina!

Vidas palestinas importam!

*Roberto Mansilla é Professor de História e militante da Resistência/PSOL-RJ

1 Analiso alguns dos momentos desse processo conhecido como Al Nakba (“A Catátrofe”) cujas consequências para os palestinos foram trágicas, em https://esquerdaonline.com.br/2020/05/15/72-anos-da-criacao-do-estado-de-israel-por-que-precisamos-denuncia-lo/

2 É importante registar que Netanyahu, a uma semana das eleições legislativas, ocorridas em setembro de 2019 já anunciava: “Se eu for eleito, me comprometo a estender a soberania israelense ao Vale do Jordão e à margem norte do Mar Morto. É nossa fronteira oriental, nosso muro de defesa. Deem-me o mandato. Nunca um primeiro-ministro de Israel propôs fazer isso”. Ver https://www.terra.com.br/noticias/mundo/netanyahu-promete-anexar-colonias-e-parte-da-cisjordania,4424e3251bca029689f7d09cbd23007burmh89vx.html (Consultado em 05.07.2020)

3 O Brasil já foi mais prudente  e solidário com o povo palestino. Mas o voto de agora não chegou a surpreendente. Apesar de posição contrária do governo Bolsonaro, a resolução que crítica Israel foi aprovada por 22 votos favoráveis. Ver https://www.cartacapital.com.br/mundo/brasil-vota-a-favor-de-israel-e-contra-a-palestina-na-onu/ (Consultado em 05.07.2020)

4 Ver https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/28/plano-de-trump-estabelece-fronteiras-de-futuro-estado-palestino-veja-mapa.ghtml. O presente artigo apresenta as principais propostas do plano. (Consultado em 05.07.2020)

6 Kope é jornalista argentino e estudioso do conflito palestino-israelense. Viveu muitos anos na Cisjordânia. Ver sua entrevista em https://www.youtube.com/watch?v=AiTe1gCsXP0&feature=emb_title (Consultado em 05.07.2020)

7 Agradeço essas informações ao amigo e camarada Waldo Mermelstein.

8 O candidato do Partido Democrata, Joe Biden, se disse contrário à anexação e, poderá até sair vitorioso nas eleições presidenciais.

9 https://www.hispantv.com/noticias/palestina/469955/onu-anexion-cisjordania-bachelet (Consultado em 05.07.2020). O parlamento alemão também aprovou uma resolução contra a anexação, embora sem aprovar as ameaças de sanções da União Europeia contra Israel.

10 Uma das mais importantes inciativas foi o chamado “Clamor de esperança pela Palestina”, surgido da ação de uma ampla rede de ativistas, incluindo grupos cristãos palestinos. No final do chamado, há um abaixo assinado de adesão (eram por volta de 4.000 quando consultei o documento, na noite de 05.07.2020). Ver o documento completo (em espanhol). https://www.cryforhope.org/media/attachments/2020/06/26/cry-for-hope-spanish_final.pdf

11 Novamente agradeço aqui a contribuição de Waldo Mermelstein pela relevância dessa informação.

12 Exemplo disso são as constantes expropriações de terras dos beduínos do deserto do Nakab e de casas de residentes de Jerusalém Oriental.

13 As autoridades palestinas confirmaram até então 4.250 casos de Covid-19 e 17 mortes. https://www.monitordooriente.com/20200705-palestina-prolonga-estado-de-emergencia-diante-da-pandemia-de-coronavirus/