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MUNDO

O plano de paz de Trump para a Palestina

Waldo Mermelstein

Finalmente, Trump publicou o que denomina como ”Visão” para o acordo do século para resolver o tema da Palestina. O fez após ter debatido em privado com os dois principais candidatos às eleições israelenses, Netanyahu e Gantz, ambos ferozmente anti-palestinos.

O texto é longo e será certamente analisado em detalhe pelos palestinos e suas organizações.

Como resumo inicial, é uma aposta na legalização de todos os crimes israelenses em várias décadas e a tentativa de desmontar a resistência palestina que já dura pelo menos 70 anos.

Do ponto de vista territorial, sacramenta todas as conquistas territoriais israelenses desde 1948. De cara, afirma que Israel não está obrigado a devolver todos os territórios conquistados em 1967. Inclusive faz a ridícula afirmação que Israel devolveu 88% dos territórios conquistados (deve ter incluído aí o deserto do Sinai devolvido ao Egito em 1979, em troca de um tratado de paz).

– Aceita que as principais colônias construídas desde a guerra de 1967 na Cisjordânia sejam integradas ao estado de Israel.

– A faixa fronteiriça com a Jordânia, no chamado vale do rio Jordão seria anexada a Israel.

– Jerusalém permanecerá unificada como capital de Israel. O Muro da Cisjordânia será relocalizado para acomodar as novas fronteiras. A capital do estado Palestino se situará em algum dos pequenos vilarejos nomeados no documento e que ficam na Grande Jerusalém, atualmente já desconectada de Jerusalém pelo Muro1. É mais ou menos o que foi proposto a Arafat nas famosas negociações na cidade de Taba em 2000, o que foi por ele rejeitado. Israel continuará sendo responsável pela segurança dos lugares sagrados de Jerusalém.

Do ponto de vista dos refugiados palestinos:

– Nega a validade da resolução fundamental sobre o tema, a de número 194, de 1948 – e que nunca foi revogada, que estabelece seu inalienável direito de direito de retorno a suas terras e propriedades. Nas palavras do documento de Trump, “não haverá nenhum direito de retorno ou de absorção de nenhum refugiado palestino no Estado de Israel”. Além disso, propõe que os refugiados e/ou seus descendentes que já tenham se estabelecido em outros países deixem de ser considerados como tais.

– Os 300 mil habitantes palestinos que moram em Israel na chamada região do Pequeno Triângulo serão transferidos para o novo estado da Palestina.

– A “Visão” segue utilizando a chantagem mortal contra os dois milhões de habitantes de Gaza, que permanecerá bloqueada por ar, mar e terra até que seu governo seja derrubado.

Os palestinos deverão reconhecer Israel como estado judaico, aceitando esse preceito racista que faz com que os quase 2 milhões de palestinos que são cidadãos de Israel vivam sob um status de cidadãos de segunda categoria.

O microestado palestino será uma espécie de protetorado israelense. Não terá forças armadas, não terá gestão sobre seu espaço aéreo e marítimo (aliás, grandes reservas de gás nas costas da Palestina foram descobertas e estão sendo exploradas por Israel). Além disso, Israel continuará a ter o direito de intervir militarmente a qualquer momento no território da micro-Palestina.

Os palestinos deverão renunciar oficialmente à sua luta nacional. Isso está escrito textualmente assim no texto: “os palestinos deverão terminar todos os programas, incluindo currículos escolares e livros didáticos que sirvam para incitar ou promover o ódio ou o antagonismo contra seus vizinhos ou que recompensem ou incentivem atividades criminosas ou violentas”.
Além disso, sentindo que cresce o repúdio contra as práticas de Israel com relação aos palestinos, em particular entre a juventude dos próprios EUA, o BDS, movimento por Boicote, Sanções e Desinvestimento a Israel, é mencionado e a “Visão” pretende fazê-lo cessar com a aceitação dos palestinos.2

O tema dos prisioneiros políticos é um dos mais candentes para a sociedade palestina. Gerações e gerações de palestinos lutaram e lutam de todas as formas para reaver seus direitos. Atualmente, há mais de 5 mil deles, condenados por uma justiça militarizada, parcial e que muito raramente inocenta algum palestino. E centenas deles detidos de forma administrativa indefinidamente. Cada família palestina teve ou tem algum prisioneiro entre os seus, além dos assassinados de forma extrajudicial por Israel. Segundo a “Visão”, Israel somente libertará os prisioneiros políticos palestinos que não tenham sido condenados por assassinato ou por planejar assassinatos ou não que sejam cidadãos israelenses. 3

O estado Palestino não poderá participar de nenhuma organização internacional sem o consentimento de Israel. Deverá se qualificar para aderir ao FMI…Essa provisão se complementa com todas as “sugestões” de medidas ultraliberais na parte econômica da “Visão” que transformarão o novo estado em um reservatório de mão de obra barata para ser explorada pelos grandes capitais do Golfo Pérsico e de Israel, aprofundando o caminho já adotado pela “Autoridade Palestina”).
O primeiro-ministro de Israel já anunciou que
proporá ao seu gabinete adotar as primeiras medidas para anexar assentamentos de judeus israelenses na Cisjordânia, incluindo os próximos ao vale do Rio Jordão.

O anúncio já reacendeu as manifestações na Cisjordânia e em Gaza que repudiaram de forma unânime a proposta. E talvez tenham eco ao redor da região, em que há levantes em vários países contra seus governantes e pelo mundo, em que o apoio à causa palestina tem crescido, em particular entre a juventude, inclusive a judaica.

Notas

1 “Jerusalém permanecerá como a capital soberana do estado de Israel e permanecerá como uma cidade não dividida. A capital soberana do Estado da Palestina deverá estar na seção de Jerusalém Oriental localizada em todas as áreas ao Leste e Norte da barreira de segurança atualmente existente, incluindo Kafr Aqab, a parte oriental de Shuafat e Abu Dis, e poderá ser denominada Al Quds ou qualquer outro nome determinado pelo Estado da Palestina.”

2 “A emergência dessa nova realidade de integração regional irá requerer uma mudança fundamental na política internacional. Na esfera diplomática, em particular, os países árabes, conjuntamente com o Estado da Palestina, deverão cessar de apoiar iniciativas anti-Israel nas Nações Unidas e em outros organismos multilaterais. Em particular, deverão não dar apoio a nenhum esforço para deslegitimar o Estado de Israel. Espera-se que esses países terminem qualquer boicote do Estado de Israel, e que se oponham ao movimento pelo BDS e qualquer outra tentativa de boicotar o Estado de Israel. Os Estados Unidos veem o movimento pelo BDS como destrutivo em relação à paz e se oporão a qualquer atividade que promova o BDS ou outras práticas comerciais restritivas contra Israel.

As iniciativas revisionistas que questionem as raízes autênticas do povo judeu com o Estado de Israel deverão também cessar. Essas iniciativas entram em contradição não somente com a história Judaica e cristã, mas também a história islâmica. Um objetivo importante desta Visão é que o Estado de Israel seja tratado por todos como parte legítima da comunidade internacional. ”

3 “O Acordo de Paz Israel-Palestina estipulará a libertação dos prisioneiros palestinos e os que estiverem sob detenção administrativa nas prisões israelenses, exceto (i) os condenados por assassinato ou tentativa de assassinato, (ii) aqueles condenados por conspiração para cometer assassinatos (em cada caso o homicídio inclui homicídio por terrorismo) e (iii) cidadãos israelenses. A libertação dos prisioneiros (a não ser os descritos nas cláusulas (i), (ii) e (iii)) será realizada em duas fazes para permitir uma transferência e uma reinserção ordenadas. Todos os prisioneiros libertados se tornarão cidadãos do estado da Palestina. Para evitar dúvidas, os prisioneiros descritos nas cláusulas (i), (ii) e (iii) acima não deverão ser libertados nos termos do Acordo de Paz Israel-Palestina.”

*Texto original no Haaretz 

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