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CULTURA

Frida Kahlo, 113 anos: “Viva a vida”

Breno Nascimento*, de Niterói, RJ

Nascia há 113 anos, em 6 de julho de 1907, a pintora e desenhista mexicana símbolo internacional do feminismo, Frida Kahlo.

A questões feminina e a ligação à realidade nacional mexicana irão permear sua vida desde o seio familiar, sendo a terceira de quatro filhas de um casal formado por um pai imigrante alemão e uma mãe de origem indígena.

Frida era uma mulher com deficiência. Sua vida seria marcada por uma série de acidentes e doenças, tendo passado por mais de 30 cirurgias. Aos 6 anos contrairá poliomielite, ocasionando a atrofia de uma de suas pernas, o que a fará utilizar suas famosas saias longas, além de usar calças, atitude altamente desafiadora para a tradicional sociedade católica daquele momento. Ainda incentivada pelo pai, afim de promover seu desenvolvimento físico, irá praticar boxe e natação, o que também seria fator de escândalo para os conservadores.

Sua infância e adolescência seriam marcadas pela revolução mexicana e tempos depois Frida se autointitularia filha desta revolução. Perto dos 15 anos, em 1922, será uma das 35 mulheres a ingressar na renomada escola preparatória de segundo grau para o curso de medicina, instituição esta promovida pela revolução. Aos 18 anos (1925) sofreria o acidente que mudaria para sempre sua vida quando no retorno de uma aula do curso preparatório seu ônibus foi atingido por um bonde, e seu corpo foi atravessado pelas ferragens com o útero perfurado e seus ossos por todo corpo quebrados em dezenas de pontos. Com poucas chances de sobrevivência passou vários meses no hospital, onde seu pai, que era fotógrafo e pintor amador, armou um cavalete sobre sua cama para que ela pudesse se distrair pintando e desenhando. Seu primeiro autorretrato seria pintado nessas condições em 1926 (Autorretrato em um vestido de veludo) e endereçado ao então ex-namorado Alexandro, com o qual reatou a relação por breve período. Junto a ele fazia parte de um grupo estudantil de esquerda entusiasta da revolução chamado Los Cachuchas. No entanto, a consequência mais drástica deste acidente seria a interdição de seu desejo de ser mãe, tendo passado por 3 abortos, o segundo sendo retratado na tela Hospital Henry Ford de 1932.

Recuperada do acidente irá ingressar no Partido Comunista Mexicano em 1928. Conheceria no mesmo ano o famoso pintor de murais Diego Rivera, também militante do partido, a quem apresentaria suas pinturas. Depois de alguns meses de namoro se cansariam em 1929, ela com 22 anos e ele com 43 anos. A relação seria bastante conturbada com idas vindas e muitas traições por parte de Diego, o que leva Frida a episódios depressivos. Em certa altura chegaram a um acordo tácito de relação aberta, e Diego não se importava que Frida, que era bissexual, tivesse relações com outras mulheres; desaprovando num posicionamento machista que ela se relacionasse com outros homens. A relação de ambos se deteriorou ao fim da década de 1930 com a descoberta de Frida de que Diego tinha relações com Cristina, sua irmã mais querida, sendo o pai de seus sobrinhos. Por sua vez Frida se relacionou com o revolucionário ucraniano León Trotsky, que se exilara no México em sua casa entre 1937 e 1939.

Antes do curto divórcio (1939-1940) o casal havia passado 3 anos nos Estados Unidos (1930-1933), onde Frida começou a se projetar como uma artista internacional. A consagração viria com uma exposição de suas obras em Paris (1939) organizada pelo pintor surrealista André Breton, que a classificava na esteira de seu movimento artístico. Porém, Frida negava a pecha de surrealista e dizia que não pintava sonhos, mas a sua realidade.

De volta ao México sua saúde iria se deteriorar até ser internada no ano de 1940, quando Diego a visita e pede para eles reatarem. Frida aceita, mas coloca como condição que ela se autossustente com seu próprio trabalho e que eles dividam as contas do lar, aliás eram duas casas, uma ao lado da outra ligadas por uma ponte, cada um vivendo de modo independente. Assim se casariam novamente.


Hospital Henry Ford – 1932

Em sua última década de vida irá enfrentar muitas doenças e dores, fará algumas cirurgias mal-sucedidos na coluna ainda em decorrência de seu acidente de 20 anos antes, e será forçada a utilizar muitos remédios, dentre os quais morfina. Neste cenário irá se lamentar pelas suas condições físicas a impedirem de ser uma militante comunista mais ativa. Sobre seu pensamento comunista pode-se dizer que era fortemente eclético e heterodoxo, misturando referências às vezes complementares e às vezes antagônicas como Stálin e Trotsky, Mao Tsé-Tung e os republicanos e anarquistas da guerra civil espanhola contra Franco, e o nacionalismo revolucionário anti-imperialista das revoluções mexicana de 1910 e guatemalteca de Jacob Árbenz de 1951.

Sobre a pintura de Frida podemos dizer que eram obras em tom intimista que revelam a sua trajetória enquanto mulher envolta em temas culturais mexicanos, expondo suas dores, mas também suas esperanças revolucionárias para o futuro. Se seus 55 autorretratos são o conjunto mais importante de sua obra, outras pinturas também se destacariam como a tela “Unos quantos piquetitos!” (Apenas alguns cortes!) de 1935 na qual retrata o assassinato de uma mulher esfaqueada pelo marido. Frida teria se inspirado numa notícia de jornal em que um homem dizia ter dado “apenas alguns cortes” em sua mulher. Vê-se a centralidade da condição feminina para a artista.


Apenas alguns cortes – 1935

Em seus últimos tempos de vida seu quadro de saúde se agravará, sendo necessário amputar seus pés em 1953, fato que inspirará sua obra Pés, para que os quero, se tenho asas para voar (1953). Neste mesmo ano terá sua primeira exposição individual na Cidade do México, embora já fosse mundialmente famosa. Proibida de ir à sua própria exposição por não poder sair da cama faz com que a carreguem na cama até a exposição e a coloquem no centro da galeria. No ano de 1954 ela contrai pneumonia, mas isso não a impede de participar numa cadeira de rodas de um protesto contra o golpe financiado pelos Estados Unidos contra o governo de Jacob Árbenz na Guatemala. Este fato irá agravar sua já fragilizada saúde e dias depois Frida morrerá aos 47 anos em 13 de julho de 1954.

A palavra de ordem expressa na última obra de Frida intitulada “Viva a vida” nos inspira a lutar contra as políticas genocidas de Bolsonaro, que numa situação de pandemia colocando a economia acima da vida resgata o lema fascista dos falangistas espanhóis de Franco, a saber “Viva a morte!”. Em outra tela de seu último ano de vida Frida nos aponta a saída contra a irracionalidade do sistema capitalista incapaz de garantir o bem-estar dos povos, esta obra se chama “O marxismo dará saúde aos enfermos”.


Viva a vida – 1954

 

O marxismo dará saúde aos enfermos – 1954

 

*Publicado originalmente na Casa de Resistência Rosa Luxemburgo.

 

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Frida Kahlo