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BRASIL

Governos autoritários e ministros da Educação paranaenses

Bernardo Pilotto

Se Renato Feder virar mesmo o titular do Ministério da Educação, não será o primeiro paranaense a ocupar este posto. Muito antes dele, durante a ditadura civil-militar, o Brasil contou com outros dois ministros paranaenses nessa área: Flávio Suplicy de Lacerda e Ney Braga.

Escolhido logo após o golpe de 1º de abril de 1964, Flávio Suplicy de Lacerda havia sido Reitor da UFPR por 15 anos (de 1949 a 1964) e foi agraciado pelo cargo muito por conta da influência de muitos políticos do Paraná para a derrubada do presidente João Goulart. Em Curitiba, por exemplo, houve uma grande concentração da “Marcha da Família Com Deus Pela LIberdade” em 24 de março de 1964, que se dirigiu até o Palácio Iguaçu, onde o então governador Ney Braga recebeu os manifestantes e, para demonstrar seu apoio, discursou dizendo que o “livro do MEC” (Ministério da Educação) não seria jogado fora ali para “não sujar o chão do Paraná”.

Pois bem… Flávio logo mostrou o porquê de ter sido escolhido para o cargo: implementou o acordo MEC-Usaid, que procurava transformar a educação superior brasileira em cursos técnicos e profissionais e articulou a lei que permitia a intervenção do governo nas entidades estudantis de base e a proibição do funcionamento da UNE (a medida ficou conhecida como Lei Suplicy).

Em 1967, Flávio Suplicy voltou a ser Reitor da UFPR (até 1971) e propôs que os cursos de Direito e Medicina fossem pagos. Por conta disso, foi alvo da revolta dos estudantes, especialmente em maio de 1968, quando seu busto, foi decapitado e arrastado pelos estudantes por mais de 1 km. Pelo fato da estátua ter sido recolocada, esse gesto de derrubada foi repetido em 01º de abril de 2014, para marcar os 50 anos do golpe e exigir que a estátua de um ministro tão nefasto para a educação pública brasileira não ficasse no campus da universidade como homenagem.

Mas o político com mais influência e proximidade com a ditadura foi Ney Braga. Militar de carreira, Ney Braga foi levado para a política pelo seu cunhado e então governador, Bento Munhoz, que o ajudou a se eleger prefeito de Curitiba em 1954. Depois disso, Ney Braga foi deputado federal, governador do Estado (1961-65 e 1979-82), presidente nacional do PDC (Partido Democrata Cristão), senador e ministro em dois governos militares, de Castelo Branco e Geisel. Ou seja, teve influência e participação em diversos momentos do período de ditadura civil-militar.

A ocupação de altos cargos por Ney Braga foi o reconhecimento de seu papel em apoio ao regime militar. Até 1962, Braga se posicionou de maneira dúbia em momentos chaves, como na crise oriunda da renúncia de Jânio e na articulação entre governadores pró e anti-Jango. A partir de 1963, quando há desentendimentos sobre a nomeação de cargos do PDC no governo Jango, Ney Braga passa a ter uma postura mais claramente oposicionista. Em 01º de abril, data do golpe, o governador do Paraná divulga manifesto pedindo apoio dos paranaenses ao “movimento militar”. Posteriormente, Ney Braga tem influência na escolha de Castelo Branco para ser o primeiro “presidente militar” e com isso consegue indicar o ministro da Educação e o presidente do IBC (Instituto Brasileiro do Café).

A partir daí, Ney Braga tem influência em todos os governos militares, conseguindo também manter seu poder sobre os governos do Paraná, chegando a formar o “neyismo”. Além de ser Ministro da Educação (de 1974 a 1978), Ney Braga consegue indicar outros ministros, como Ivo Arzua, que assume a pasta de Agricultura e é o único paranaense a participar da reunião que decidiu pela implementação do AI-5 em dezembro de 1968.

Certa vez, próximo aos eventos que marcaram os 50 anos do golpe de 1964, recebi um telefonema do neto de Ney Braga pedindo que para que eu corrigisse essas informações que constavam num texto que fiz à época. Segundo ele, seu avô não foi “ministro da ditadura” e sim “ministro de apenas 2 governos militares”. Como não poderia deixar de ser, fiz uma carta corrigindo o erro, com o devido deboche necessário.

Diferente do que muito se propaga por aí, não enxergo o Paraná como um estado essencialmente conservador. Ainda que as posições políticas de direita (e de extrema-direita) historicamente tenham muita adesão no estado, é lá também que em 1984 foi fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que nos anos 1940 formou-se a Guerrilha de Porecatu e que também enxergamos, nos últimos 25 anos, várias revoltas populares, como as ocupações da Assembleia Legislativa em 1998 e 2015, as ocupações estudantis em 2016 e recentemente um ato muito forte com a pauta anti-racista. Há todo um debate sobre o que leva a esses sucessivos articulações progressistas serem derrotadas e o que faz prevalecer tantos conservadores do estado como seus representantes na política nacional, mas aí seria um tema para outro texto/momento.