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OPRESSÕES

Gabriel e Guilherme, duas vítimas do genocídio da juventude negra e periférica

José Paulo Perestrelo, de Natal, RN

Protesto no enterro do jovem Gabriel, em Natal (RN)

“A polícia ‘tá matando lá no Vidigal
A polícia ‘tá matando em Vigário Geral
A polícia ‘tá matando lá em Salvador
A polícia ‘tá matando no interior do Brasil
Matando preto como nunca se viu
A polícia mata preto lá em Vidigal
A polícia mata preto em Vigário Geral
A policia mata preto até em Salvador
A polícia mata preto no cartão postal do Brasil
Matando preto como nunca se viu”

Bruno Capinan
Oitenta

Gabriel tem origem no hebraico, composto pela união dos elementos gébher, que significa “homem, homem forte”, e el, que quer dizer “Deus” .Guilherme é um nome de origem germânica: Willahelm, composto pela união dos elementos will, vilja, wailja, que quer dizer “vontade, desejo”, e helm, hilms, que quer dizer “proteção, capacete”. Significa “protetor decidido” ou “protetor corajoso.”. Dois homens, dois meninos. Seus nomes deveriam representar a força e a proteção, mas bastou um momento, bastou poucos segundos para que a fragilidade de suas vidas se revelasse. Estavam na hora errada, no momento errado, mesmo que estivessem “andando pelo certo”. Talvez vivessem no pais errado, talvez tivessem a “cor de pele errada”, pois no pais que mais mata jovens negros e de periferia, foram eles, mesmo que separados por três mil quilômetros, mais dois adolescentes mortos a alimentar as estatísticas mórbidas do genocídio da juventude negra. 

Há desejo de justiça no caso de Gabriel e revolta no caso de Guilherme.  Enquanto um morava no estado que proporcionalmente mais ceifa vidas de jovens negros, de acordo com o Atlas da Violência de 2017, tornando o Rio Grande do Norte o estado mais violento do Brasil, o outro morava em São Paulo, que teve um acréscimo de 31% nas mortes em confronto com a polícia de janeiro a abril, o que inclui pelo menos dois meses de pandemia e isolamento social. 

Gabriel morava no Guarapes, bairro da periferia de Natal. Saiu de casa no último dia 05 para ir de bicicleta à casa de sua namorada, na cidade vizinha de Parnamirim, e não voltou. Sua bicicleta foi encontrada em uma área de vegetação na cidade que estava a caminho. Só depois que se mobilizaram familiares e movimentos sociais, seu corpo foi encontrado no último domingo, dia 14, com um tiro no crânio.

Nesse mesmo dia, o jovem Guilherme foi levado por dois homens, em frente a casa de sua avó, na Vila Clara, bairro da periferia da zona sul de São Paulo. Seu corpo foi encontrado em Diadema, cidade da grande São Paulo, mas seu corpo só foi reconhecido na segunda, com um tiro na cabeça e nas mãos. Ainda sobre Guilherme, segundo familiares ouvidos pela Ponte Jornalismo, foi encontrado um pedaço de pano semelhante ao fardamento da Policia Militar de São Paulo. Ainda que não haja os mesmos indícios, no caso de Gabriel, também se suspeita que o jovem fora vítima de violência policial.

Para Gabriel realizou-se um ato em frente à sua casa exigindo apuração dos fatos e justiça. No caso de Guilherme, a revolta tomou conta das ruas do bairro da zona sul de São Paulo, onde moradores incendiaram cinco ônibus para chamar a atenção sobre o crime.

Até quando vamos conviver com as mortes de jovens negros nas periferias. Até quando casos de homicídio continuarão a acontecer sem que as famílias e as mães saibam quem foram os algozes de seus filhos? Até quando imperará a justiça que é extremamente complacente com os membros das forças de segurança do país cujas polícias mais matam no mundo, enquanto encarcera jovens negros nas prisões que já foram chamadas por um ex-ministro da justiça de “masmorras medievais”.  

A luta contra o fascismo que se instala no pais só terá sentido se, a exemplo do que ocorre nos EUA, levantarmos nossas vozes contra o racismo estrutural da sociedade brasileira. Quando a nódoa da escravidão, que faz com que a maior parte dos descendentes de africanos escravizados ainda vivam em piores condições que os brancos, for definitivamente arrancada do tecido social, para que jovens negros vivam mais, para que tenham o mesmo acesso à educação, saúde e segurança que os jovens brancos. 

As bandeiras e faixas de Fora Bolsonaro só poderão ter sentido se também dizerem que vidas negras importam!