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BRASIL

Adeus à Marinho: a alegria de um jogador contagiante

Roberto “Che” Mansilla*, do Rio de Janeiro, RJ
Reprodução

Capa da revista Placar, de 1985

Tive a sorte de ver um dos jogadores mais contagiantes em campo, em meados dos anos 1980, pela televisão. Seu nome era Mário José dos Reis Emiliano, conhecido como Marinho. Jogando com a camisa do Bangu, o alvi-rubro suburbano do Rio de Janeiro era um belíssimo driblador (ponta direita “nato”), de cruzamentos precisos que fazia muitos gols e comemorava sempre sambando, evidenciando a alegria de um futebol leve e menos robotizado e físico, como temos hoje. 

Mas na manhã desta segunda, 15 de junho, todos nós que admiramos o futebol arte, tivemos uma notícia triste: a morte de Marinho, que nos deixou aos 65 anos devido a uma grave inflamação no pâncreas e um câncer de próstata, que se alastrou para outros órgãos. Mesmo com algumas cirurgias, o quadro se agravou. Uma grande perda.  

Revelado pelo Atlético Mineiro em 1974 por Telê Santana (onde conquistou os títulos estaduais de 1976 e 1978) e, mais tarde, com uma passagem pelo Botafogo (onde foi bicampeão em 1989 e 1990) – os principais clubes onde jogou – foi no Bangu, entre 1983 a 1987 que Marinho, sem dúvida, viveu seu melhor momento em campo.

O mágico ano de 1985

O ano de 1985 começou fervendo na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Além do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, em Jacarepaguá, a primeira edição histórica do Rock’n’Rio aconteceu por ali. O que ninguém imaginava era que o Bangu chegaria à final do Campeonato Brasileiro numa final inusitada contra o Coritiba, num Maracanã com mais de 90 mil torcedores!

O clube de Moça Bonita, da qual Castor de Andrade (uma espécie de Dom Corleone tupiniquim) era o dono, foi vice-campeão brasileiro, em 1985 (que teve 44 clubes!). Na noite de 31 de julho, num Maracanã lotado por alvi-rubros, mas que também contou com a presença de torcedores de outros clubes cariocas, o Bangu foi derrotado numa dramática decisão de pênaltis (5X6), vencida pelo Coritiba. . 

Aliás, o que é pouco lembrado é que no esdrúxulo regulamento daquele campeonato, o Coritiba fez 29 jogos e ganhou apenas 12, enquanto o Bangu, com o mesmo número de jogos obteve 20 vitórias! Fez 48 pontos contra os distantes 31 do clube curitibano e 55 gols contra metade do rival. Bizarros demais!. O Bangu, sem dúvida seria campeão se fosse o critério mais justo dos pontos corridos. 

Mas, mesmo sem o Bangu levar o título nacional, Marinho foi eleito melhor jogador daquele certame e ganhou a Bola de ouro, entregue por ninguém menos que o craque Zico, do Flamengo. Cinco meses depois, a equipe de Moça Bonita chegava à outra final. Dessa vez no Campeonato Estadual do Rio de Janeiro e voltou a ficar com o vice-campeonato, perdendo o título para o Fluminense, num jogo lembrado por um erro gravíssimo da arbitragem que prejudicara o time de Marinho.

No ano seguinte foi convocado para a Seleção Brasileira por Telê Santana e fez parte do grupo pré-relacionado para a Copa do Mundo de 1986, mas foi cortado na relação final. Vale dizer que, em 1976, disputou as Olimpíadas de Montreal, pela camisa amarelinha.

Marinho jogava e vivia com imensa alegria. Estava “sempre brincando” como lembra o amigo João Leite com quem jogou no Atlético Mineiro, no início de carreira. É possível lembrar (ou pesquisar) reportagens e fotos de meados dos anos 1980 e ver Marinho em imagens que mostram o divertimento desde os treinos e concentrações no Bangu (e na Seleção), como quando chegou enrolado em bandagem, fantasiado de múmia, ou apelidando os colegas de clube. Ou em outras ocasiões, fora do campo, com o orgulho de seu cabelo black-power ou em seu Mercedes que conseguiu comprar. Adorava um churrasco com amigos e uma roda de samba.

Uma tragédia pessoal que mudou sua vida

Quando foi vendido para o Botafogo, em 1988 (onde seria bicampeão nos anos seguintes), certa vez comentou que enquanto em Moça Bonita “vivia como uma família, num ambiente coletivo de estar próximo aos moradores de favela, no clube da zona sul era de riqueza, mas de certa forma uma solidão”. A mansão havia sido um presente do bicheiro Castor de Andrade, que “apadrinhou” o jogador.

A carreira de Marinho ficou comprometida por conta de uma tragédia familiar. Seu filho Marlon, de um ano e sete meses, morreu afogado na piscina de sua casa em Jacarepaguá, quando o jogador concedia uma entrevista coletiva a uma emissora de televisão a poucos metros dali. O craque Marinho foi ao fundo do poço. Deixou o Botafogo em 1991 retornou ao Bangu. A partir daí, rodou por clubes menores do Rio de Janeiro e teve algumas outras passagens em Moça Bonita, sem conseguir alcançar o mesmo futebol. Encerrou a carreira em 1996, com problemas pessoais e nos anos 2013, retornou, como auxiliar técnico, ao Bangu, mas seus problemas com drogas continuaram. Nos últimos anos voltou a morar em Belo Horizonte com seus filhos, onde morreu.

Mas fica a lembrança da irreverência, da alegria estampada com um sorriso largo e, acima de tudo, de seus dribles desconcertantes, cruzamentos certeiros e gols marcantes. Em minha opinião, foi o melhor ponta direita, ao lado de Renato Portaluppi (o Renato Gaúcho), em meados dos anos 80, numa posição que os mais jovens de hoje, não conhecem. 

Obrigado Marinho por ter levado o Bangu Atlético Clube a fazer parte dos grandes do futebol brasileiro, no mágico ano de 1985 e por ter sido uma grande inspiração para meu primeiro time de botão, aos 10 anos de idade. 

Fica o adeus a Marinho, que, como caçula de sete irmãos e vivendo em uma casa com 14 pessoas em um bairro pobre de Belo Horizonte, conseguiu escapar de fazer parte das estatísticas que condenam à morte a juventude negra e tantos Gabrieis, Guilhermes e Ágathas, assassinados a cada 23 minutos. Ele, jovem engraxate, negro e periférico e que chegou a se envolver em pequenos delitos, conseguiu através do futebol, escapar do genocídio negro. Infelizmente, não conseguiu escapar do esquecimento do público e da ingratidão dos cartolas do futebol e buscou no álcool e na cocaína uma saída para tantas amarguras, como a perda do seu filho ou a morte da sua irmã, atropelada enquanto ia lhe buscar no treino de futebol.

Vidas negras importam. Vidas de jogadores negros importam.

 

*Professor de História e militante da Resistência/PSOL-RJ.

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bangu / futebol / marinho